
A rep�rter Isabela Scalabrini, da Globo, est� saindo da emissora ap�s 44 anos de casa. Ela e a emissora chegaram a um acordo depois que a profissional manifestou, em 2020, o desejo de encerrar as fun��es para dedicar mais tempo � vida pessoal. A sa�da ficou marcada para janeiro deste ano.
Dentro da televis�o, ela come�ou como estagi�ria, passou para a escuta de r�dios da pol�cia e dos bombeiros at� se tornar rep�rter esportiva, ainda na d�cada de 1980, sendo uma das primeiras mulheres no jornalismo esportivo nacional. Ela tamb�m j� participou das coberturas das Olimp�adas de Los Angeles e Jogos Ol�mpicos de Seul.
O diretor-geral de jornalismo da emissora, Ali Kamel, elogiou a jornalista em comunicado interno de praxe quando um profissional deixa a emissora. Ele falou que Scalabrini foi uma das mulheres pioneiras na cobertura do jornalismo esportivo -muitas vezes ela foi a �nica do sexo feminino na cobertura em uma �rea dominada por homens.
Kamel disse que desde 2020 a jornalista queria encerrar a carreira na Globo, mas ele conseguiu por meio de conversas adiar a decis�o. Ele disse que a tinha esperan�a que ela mudasse de ideia, mas no final do ano passado eles voltaram a conversar e marcaram a data de sa�da da emissora. "Ela se sente plenamente realizada e diz que olha para tr�s e s� sente orgulho. Ela tem raz�o", disse Kamel.
CONFIRA A �NTEGRA DA CARTA DE ALI KAMEL:
"Em 2020, pouco antes da pandemia, Isabela Scalabrini me procurou dizendo que estava se preparando para encerrar sua colabora��o com a Globo. Ela me explicou que queria mais tempo para si, depois de 44 anos na emissora. Combinamos de voltar a conversar, e o fizemos no ano seguinte, eu com uma pontinha de esperan�a de que ela tivesse mudado de ideia. Isabela ficou conosco ainda em 2021 e 2022, mas sinalizando que sairia. No final do ano passado, me procurou mais uma vez e marcou a sa�da para esse final de janeiro. Eu entendi as raz�es dela e combinamos de fazer o an�ncio hoje.
Na conversa, ela me disse uma verdade que deve inspirar todos os que s�o apaixonados por jornalismo: ela se sente plenamente realizada e diz que olha para tr�s e s� sente orgulho. Ela tem raz�o.
Em 1979, Isabela cursava a universidade � noite e trabalhava de manh� na R�dio Nacional, como rep�rter de rua. Foi aprovada no concurso de est�gio da Globo depois de fazer provas de conhecimentos gerais ao lado de centenas de candidatos (quase como um vestibular) e, depois, j� num grupo menor, de passar por entrevistas seletivas com editores do JN. Foram aprovadas dez mulheres. O est�gio durou cerca de um ano e Isabela passou por todos os setores do jornalismo. O contrato foi assinado em janeiro de 1980.
A primeira miss�o depois de ser efetivada foi trabalhar na salinha da apura��o da Editoria Rio. Conversava com bombeiros e policiais nas dezenas de rondas pelo telefone -era ali que um rep�rter aprendia a fazer perguntas. Fez a primeira reportagem para o JN naquele per�odo. No tempo da pel�cula, havia uma quantidade sempre muito pequena de filme na c�mera: mas ela fez uma "passagem" e uma entrevista sem errar ("de blusa azul"), ela me contou na nossa �ltima conversa. Em seis meses, surgiu uma vaga no departamento de esportes e ela foi transferida. Foi pioneira.
Na d�cada de 1980, havia pouqu�ssimas mulheres no jornalismo esportivo -s� algumas em r�dio e jornal. Na Globo, a rep�rter M�nika Leit�o foi escalada para a Olimp�ada de Moscou (1980), mas logo depois pediu demiss�o. Isabela foi assim, por muitos anos, a �nica mulher na nossa equipe esportiva. Nos est�dios, em dias de jogos, o p�blico reagia com todo tipo de brincadeira preconceituosa quando ficava no campo. A pergunta que mais ouvia era: "Voc� entende de futebol?". Ela n�o entrava no vesti�rio, claro. Eram os jogadores que iam at� a porta para a grava��o. Mas nunca deixou de noticiar algum fato e nem foi desrespeitada por jogadores ou treinadores. Nunca deixou de fazer reportagem esportiva por ser mulher. Ela lembra que foi Hedyl Valle J�nior quem teve a ousadia de a escalar para coberturas internacionais.
Em 1986, na Copa do Mundo do M�xico, acompanhou a sele��o da Argentina de Maradona. Era praticamente a �nica rep�rter do sexo feminino no evento. L�, tamb�m ouviu muitas piadinhas de rep�rteres de v�rias nacionalidades. Mas foi a ela que Maradona deu uma entrevista, que come�ou exclusiva na concentra��o da equipe argentina, mas que logo virou uma coletiva com a correria dos rep�rteres, surpresos, tentando alcan��-la.
Na Olimp�ada de Los Angeles, acompanhou a chegada da maratona feminina dentro do Coliseu. Fez a reportagem sobre o esfor�o da su��a Gabrielle Andersen para completar a prova: contorcendo-se em c�imbras, n�o permitiu que ningu�m a tocasse at� cruzar a linha de chegada (para somente ent�o cair ao solo e ser atendida). A imagem � considerada uma das mais importantes do esporte mundial.
E, nos Jogos Ol�mpicos de Seul, fez a pol�mica entrevista com o corredor Joaquim Cruz em que ele denunciou o uso de anabolizantes pelos atletas americanos depois da desclassifica��o do canadense Ben Johnson, por doping. A entrevista teve repercuss�o no mundo inteiro. Joaquim treinava com eles nos EUA e, depois de ser muito criticado por acusar outros atletas de doping, abandonou a Olimp�ada. Ele tinha ganhado medalha de prata poucos dias antes, nos 800 metros, e desistiu de correr os 1.500 metros.
Foram muitas hist�rias inesquec�veis na cobertura esportiva. At� recentemente era convocada para falar sobre esse pioneirismo no futebol. Depois de doze anos, foi convidada para trabalhar na Editoria Rio em 1993. Do per�odo, destaco as coberturas que fez da chacina da Candel�ria e do assassinato de Daniela Perez.
Em tantas d�cadas, teve o privil�gio de entrevistar Ayrton Senna, Pel�, Tom Jobim, Luciano Pavarotti, Kurt Cobain e tantos outros. E de conhecer o mundo. Cobrir o carnaval carioca era uma das suas paix�es. Foram mais de trinta anos ao vivo na avenida! V�rias entrevistas feitas por Isabela est�o em document�rios recentes do GloboPlay, o que demonstra a relev�ncia e a qualidade delas -Pep�, Castor de Andrade e Garrincha. Vale conferir.
Em 1998, uma guinada. Mudou-se para Belo Horizonte, onde ficou por mais vinte e cinco anos. Apresentou o MGTV de 1998 a 2019 e, hoje, � uma personalidade mineira, respeitada por todos, parada nas ruas, os espectadores reconhecem o profissionalismo dela. Dia sim, dia n�o, ainda em janeiro, estava no JN e nos locais de BH com seu talento. Uma profissional completa.
Ao me despedir de Isabela com esse texto, destaco o meu respeito por ela. E, em nome da Globo, agrade�o o jornalismo que praticou aqui: pioneirismo aliado � alta qualidade!"