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Estado de Minas JUSTI�A

Para deixar pris�o, m�es t�m que provar no STF que s�o imprescind�veis para os filhos

Para defensores, o requisito das presas � uma quest�o de g�nero, e n�o jur�dico. STF vai come�ar a analisar s�rie de pedidos de mulheres por pris�o domiciliar


09/02/2023 06:12 - atualizado 09/02/2023 10:02


mulher presa
(foto: Getty Images)

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai come�ar a decidir na sexta-feira (10/2) uma s�rie de pedidos de habeas corpus (HC) que, embora com hist�rias diferentes, tratam do mesmo tema: mulheres condenadas � pris�o por crimes n�o violentos precisam comprovar que s�o imprescind�veis � cria��o dos filhos para, assim, poderem cumprir a pena ao lado deles, em casa.

Ao todo, h� sete pedidos de HC sobre esse assunto correndo apenas na 2ª turma do Supremo, formada pelos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Edson Fachin, Kassio Nunes Marques e Andr� Mendon�a.

A BBC News Brasil teve acesso a dois desses processos: s�o duas mulheres de Santa Catarina, condenadas em definitivo por tr�fico de drogas, e que est�o pleiteando o benef�cio de cumprimento da pena em domic�lio com o objetivo de participar do desenvolvimento dos filhos - um deles com tr�s anos de idade (leia as hist�rias mais abaixo).

Nos dois casos, por�m, o Minist�rio P�blico alega que essas m�es n�o conseguiram provar que s�o indispens�veis para as crian�as - a maior parte dos ju�zes, desembargadores e ministros que atuaram nos processos concordou com essa avalia��o.

Com os recursos dos defensores p�blicos, os casos chegaram ao STF. A s�rie de decis�es da 2ª turma acende um debate jur�dico: de um lado, a maioria dos ju�zes que trabalharam nesses casos argumenta que as m�es n�o se encaixam na jurisprud�ncia e precisam comprovar sua import�ncia para os filhos.

Por outro lado, os defensores p�blicos que representam as mulheres afirmam que isso � uma presun��o legal, e n�o precisa de provas. Ou seja, nesse argumento, toda m�e � imprescind�vel para o filho at� que se prove o contr�rio.

Para eles, esse cen�rio � ainda mais evidente com as fam�lias mais pobres, muitas vezes lideradas por m�es solo.

Em entrevista � BBC News Brasil, a professora de Direito Penal Ma�ra Zapater, da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp) e que analisou um dos processos a pedido da BBC News Brasil, criticou os julgamentos sobre a imprescindibilidade da m�e.

“H� um saber social e de senso comum, mas tamb�m dados estat�sticos, mostrando que as mulheres s�o sobrecarregadas com o cuidado dos filhos. Essa n�o � uma discuss�o jur�dica, e sim sobre g�nero e sobre o papel da mulher como m�e. N�o � preciso provar que uma crian�a de tr�s anos precisa da m�e", diz.

Para ela, se essas m�es vencerem no STF, pode-se criar uma nova jurisprud�ncia a ser aplicada em outros casos semelhantes - ou seja, outras mulheres condenadas em definitivo pela Justi�a podem ser beneficiadas com pris�o domiciliar.

Caso Adriana Ancelmo


prédio do STF
O Supremo Tribunal Federal liberou da pris�o Adriana Ancelmo, ex-primeira-dama do Rio de Janeiro (foto: BBC)

O benef�cio de regime domiciliar para m�es passou a ser concedido pela Justi�a em maior n�mero a partir de 2017, quando o STF, por meio de um habeas corpus, autorizou que Adriana Ancelmo, ex-companheira do ex-governador do Rio de Janeiro S�rgio Cabral, deixasse a pris�o para ficar perto dos filhos enquanto aguarda a defini��o de seu processo.

No mesmo ano, ela foi condenada a 18 anos de cadeia por associa��o criminosa no �mbito da Opera��o Lava Jato, mas permanece em casa porque ainda n�o foi julgada definitivamente ap�s os recursos de seus advogados.

O benef�cio de pris�o domiciliar concedido � ex-primeira-dama do Estado, que j� era previsto pela legisla��o, abriu caminho para que milhares de mulheres gr�vidas ou com filhos de at� 12 anos - e que estavam detidas provisoriamente por crimes n�o violentos - fossem liberadas para o regime domiciliar.

Atualmente, a lei n�o prev� o benef�cio a quem j� foi condenado em definitivo e que esteja cumprindo a pena de reclus�o. Pessoas que praticaram alguma viol�ncia contra os pr�prios filhos tamb�m n�o s�o contempladas.

O que essas mulheres pleiteiam no STF � uma extens�o desse tipo de habeas corpus para pessoas j� condenadas em definitivo por crimes considerados n�o violentos, e que tenham filhos em situa��o de vulnerabilidade social.

Derrotas

Nos �ltimos tr�s anos, elas est�o perdendo nas inst�ncias inferiores, permanecendo encarceradas ou em regime semiaberto.

Um dos motivos � que os julgadores consideraram que as presas n�o conseguiram provar no processo que s�o indispens�veis para seus filhos. Mas essa exig�ncia � contestada pelos defensores que atuam nos casos.

Eles citam como argumento uma resolu��o do Conselho Nacional de Justi�a (CNJ), de 2021, que afirma que os “cuidados maternos s�o uma presun��o legal” - ou seja, n�o precisam de comprova��o.

“Essa � uma presun��o que at� admite provas em contr�rio. Ou seja, o Minist�rio P�blico at� poderia provar que uma dessas m�es n�o � imprescind�vel para o filho, porque ela n�o tem contato com ele h� v�rios anos, por exemplo”, diz o defensor Gustavo de Almeida Ribeiro, da Defensoria P�blica da Uni�o (DPU), que atua nesses casos junto ao STF.

“Mas n�o � isso que acontece, e sim o contr�rio. Est� sendo cobrado que a m�e prove que ela � indispens�vel para o filho, mas isso � presumido. Ela n�o precisa provar isso”, explica.

Para Ma�ra Zapater, da Unifesp, a discuss�o sobre a imprescindibilidade da m�e n�o cabe ao Direito Penal. “Se a m�e � ou n�o imprescind�vel para o filho, � uma quest�o da assist�ncia social e do Conselho Tutelar”, diz.

Com base na leitura de dois processos, a BBC News Brasil conta abaixo as hist�rias de duas mulheres de Santa Catarina, ambas condenadas em definitivo por tr�fico de drogas ilegais, e que est�o tentando comprovar � 2ª turma do STF que s�o indispens�veis para a cria��o de seus filhos.


prisão
(foto: Getty Images)

Marido doente, filho sozinho

No primeiro caso a ser julgado pelo Supremo, uma mulher que j� havia voltado para casa pode ter de retornar � cadeia se perder a vota��o.

A farmac�utica Joana (nome fict�cio), de 56 anos, foi condenada a 5 anos e 10 meses de pris�o por tr�fico de drogas ilegais.

Seu marido possui uma doen�a severa que lhe causa “dificuldades para permanecer em p�”. O filho do casal, de 15 anos, � quem cuida do pai.

Essa situa��o foi constatada por uma servidora do Tribunal de Justi�a de Santa Catarina (TJ-SC), que foi enviada ao bairro da fam�lia para tentar responder se Joana � ou n�o indispens�vel para os cuidados do filho. Para isso, ela entrevistou a fam�lia, parentes e vizinhos.

Segundo o parecer escrito pela servidora, o marido doente “precisa mais de aux�lio (do filho) do que pode efetivamente ajudar (na cria��o do jovem)”. Ela apontou que ele era atendido pelo SUS, mas n�o trabalhava por causa da doen�a. A �nica renda da fam�lia � o aux�lio-reclus�o de R$ 1,9 mil, recebido pelo adolescente por conta da deten��o de sua m�e.

Em sua avalia��o, a funcion�ria do TJ-SC apontou que a presen�a de Joana era “muito importante” para o desenvolvimento do filho, pois, enquanto a m�e estava presa, o adolescente era o respons�vel por diversas tarefas dom�sticas, entre elas cuidar do pai. “N�o � poss�vel dizer se ele tem maturidade necess�ria para assumir esses encargos”, argumentou.

Embora o documento tenha sido utilizado por defensores para justificar o pedido de habeas corpus, v�rias inst�ncias da Justi�a negaram a pris�o domiciliar para Joana at� o caso chegar ao Supremo, em 2021.

Os argumentos principais eram tr�s: segundo eles, n�o havia provas de que ela seria imprescind�vel para a fam�lia; o filho tinha mais de 12 anos, corte et�rio normalmente utilizado pela Justi�a para conceder o benef�cio; e o fato de a farmac�utica j� ter sido condenada em definitivo, j� que esse tipo de HC � dado a presas provis�rias que ainda est�o aguardando julgamento.

No entanto, Joana foi liberada da cadeia depois da primeira fase do julgamento no STF em setembro 2021. O placar ficou em 2 a 2, o que lhe garantiu uma esp�cie de “vit�ria por empate” - em decis�es desse tipo, o empate beneficia o postulante do HC.

Nunes Marques, relator do caso, votou contra o habeas corpus, sem entrar no m�rito da import�ncia da m�e - afirmou apenas que ela n�o encaixava na jurisprud�ncia. Fachin tamb�m votou contra, seguindo o entendimento das inst�ncias inferiores.

J� Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski discordaram, votando a favor. Para ambos,
se trata de um "caso de emerg�ncia" e, por isso, o HC deveria ser aceito.

Um m�s depois, o Minist�rio P�blico Federal (MPF) recorreu dessa “vit�ria por empate”. Alcides Martins, subprocurador-geral da Rep�blica, argumentou que Joana n�o se enquadrava na jurisprud�ncia e repetiu que n�o havia provas de que a mulher � necess�ria a sua fam�lia.

O subprocurador tamb�m questinou a condi��o f�sica do marido de Joana:

"(... ) Houve, na origem (do processo), demonstra��o de que o esposo da paciente apresentava 'certo grau de independ�ncia ao se beneficiar do uso de apoio (muleta estilo canadense) e possuir capacidade cognitiva para compreens�o e realiza��o de seu tratamento medicamentoso'", escreveu.

 

Por causa desse recurso, o caso voltar� a ser julgado nesta sexta-feira, mais de um ano depois. O placar recome�a em 0 a 0.

Se nenhum dos magistrados mudar o entendimento, o ministro Andr� Mendon�a, que ainda n�o havia assumido o cargo na primeira fase do julgamento, � quem pode alterar o jogo. Se ele votar contra, Joana ter� de retornar � penitenci�ria para cumprir regime semiaberto. Em processos semelhantes, Mendon�a j� se posicionou contra a concess�o desse benef�cio �s mulheres.

“O que chama aten��o � que ela j� havia ganhado na turma, estava solta, mas agora, com o recurso do MPF, pode perder e voltar � pris�o. Esse caso � um exemplo do rigor absurdo da Justi�a com as m�es presas, principalmente as mais pobres”, diz o defensor Gustavo de Almeida Ribeiro, que representa Joana no STF.


 Ricardo Lewandowski
O ministro Ricardo Lewandowski � um dos ministros que est�o julgando os casos (foto: Reuters)

Filho de tr�s anos

Outro caso de imprescindibilidade a ser julgado nas pr�ximas semanas � ainda mais complexo e vem chamando aten��o por causa dos v�rios recursos e reviravoltas na posi��o dos ministros, al�m de um pedido de destaque feito por Gilmar Mendes. Com tudo isso, o placar voltou ao 0 a 0.

Os magistrados da 2ª turma v�o decidir se a zeladora Maria, de 43 anos, poder� cumprir uma pena em regime domiciliar para participar da cria��o de seu filho de tr�s anos.

Com pedido de destaque, o habeas corpus ser� discutido oralmente entre os ministros. Eles costumam decidir esse tipo de caso de maneira virtual - ou seja, depositam os votos no sistema sem discuss�o entre eles.

A zeladora, que tamb�m vive em Santa Catarina, foi condenada a 12 anos e 10 meses de pris�o por furto e tr�fico de drogas. Em 2018, foi presa com 6,5 gramas de crack. Para a pol�cia, era traficante. Ela negou, dizendo ser usu�ria.

Ap�s a condena��o, defensores p�blicos entraram com um pedido de habeas corpus para que ela cumpra a puni��o em casa, ao lado do filho.

Mas esse HC vem se arrastando pela Justi�a h� um ano, mobilizando defensores, promotores, ju�zes, desembargadores e ministros do Superior Tribunal de Justi�a (STJ) e do Supremo.

Maria perdeu em todas as inst�ncias at� agora: para a Justi�a, ela n�o conseguiu provar que � imprescind�vel para o filho pequeno.

De fato, n�o h� muitas informa��es sobre Maria e seu filho no processo. Ao contr�rio do caso de Joana, n�o h� um parecer da Justi�a sobre a situa��o social da fam�lia.

Essa falta de dados sobre a “condi��o de vulnerabilidade” da crian�a foi usada por promotores e ju�zes de todas as inst�ncias como justificativa para negar a pris�o domiciliar � m�e.

O procurador Cid Luiz Ribeiro Schmitz, do Minist�rio P�blico de Santa Catarina (MP-SC), tamb�m usou esse argumento, al�m de criticar o papel da m�e na cria��o do filho quando cometia os crimes, para defender que o benef�cio n�o deve ser concedido:

“Por exemplo, n�o seria poss�vel deferir a benesse � m�e que n�o cuidava do seu filho antes de ser presa, ou em situa��o em que a crian�a est� sendo devidamente cuidada por outro respons�vel; ou, ainda, quando a apenada cometia crimes na presen�a da crian�a. At� porque, obviamente, a genitora n�o pode se valer do cuidado que nunca dispensou ao filho para alcan�ar benef�cio penal”, argumentou, em um dos recursos.

 

Fam�lias pobres

Por outro lado, a Defensoria P�blica da Uni�o argumentou que a imprescindibilidade da m�e � �bvia e n�o precisa ser comprovada.

Em sua argumenta��o, o defensor Gustavo de Almeida Ribeiro escreveu que a necessidade da m�e fica ainda mais evidente entre as fam�lias mais pobres.

Ele comparou a hist�ria da zeladora com a de Adriana Ancelmo, ex-esposa de S�rgio Cabral, liberada pelo STF em 2017.

“Pessoas pobres contam com menos estrutura, seja de empregados, seja de familiares, para cuidarem de seus filhos. Tamb�m n�o podem arcar com escolas integrais, em que as crian�as passam grande parte do dia seguras e praticando atividades escolares, culturais e recreativas. Em suma, a presen�a das m�es � muito mais sentida em todos os aspectos quando se cuida de fam�lia pobre do que em se tratando de fam�lia abastada”, escreveu o defensor.

 

O processo de Maria � marcado por algumas reviravoltas nos �ltimos meses, com mudan�as de posi��o de dois ministros: o relator do caso, Ricardo Lewandowski, e Edson Fachin. O vaiv�m levou Gilmar Mendes a pedir destaque para o caso.

Em julho passado, Lewandowski negou o habeas corpus, concordando com a tese da maioria dos julgadores anteriores de que n�o havia provas de imprescindibilidade.

No entanto, em 1º de setembro, Lewandowski mudou de opini�o ap�s um recurso da DPU, concedendo o HC de maneira monocr�tica. Maria, ent�o, voltou para casa.

“Destaco as especificidades do caso concreto, aptas a demonstrar, de imediato, a exist�ncia de constrangimento ilegal. Extrai-se dos autos que a paciente cumpre pena por crimes praticados sem viol�ncia ou grave amea�a”, argumentou o ministro, sem entrar no m�rito se a zeladora � ou n�o essencial para a crian�a.

J� Fachin mudou duas vezes de opini�o em meio aos recursos: primeiro votou contra o habeas corpus, depois a favor e, na �ltima vota��o, novamente contra.

Como o Minist�rio P�blico recorreu da decis�o de Lewandowski, o habeas corpus passar� por uma nova vota��o nas pr�ximas semanas.

Para Ma�ra Zapater, professora de Direito Penal da Unifesp, o que est� sendo julgado nesses casos � o papel da mulher como m�e. “Quando a mulher sai do estere�tipo da m�e zelosa que dedica a vida aos filhos, ela recebe a etiqueta de m�e ruim, de m�e insuficiente e que falhou, ainda mais quando comete um crime”, diz.

“O pr�prio Minist�rio P�blico levantou a quest�o: ‘por que ela agora quer cuidar do filho se antes ela cometeu um crime?’ Ent�o, o caso � julgado por um comportamento pregresso dela como mulher, e n�o a partir do direito de uma crian�a de tr�s anos de conviver com a m�e. Sob um verniz jur�dico, na verdade o que est� sendo julgado � como as mulheres se comportam como m�es”, afirma

 

 


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