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Estado de Minas ESC�NDALO

Como esc�ndalos sexuais no Vaticano amea�am obras na Bas�lica de Aparecida, mais importante igreja cat�lica do Brasil

O idealizador da obra art�stica em Aparecida est� sendo investigado por supostos abusos sexuais, psicol�gicos e espirituais


10/03/2023 09:43 - atualizado 10/03/2023 12:49


Santuário de Aparecida
O Santu�rio Nacional de Aparecida � o mais importante centro de peregrina��o cat�lica do Brasil (foto: Divulga��o/Santu�rio Nacional)

Foi com alarde e entusiasmo que o Santu�rio Nacional de Aparecida, mais importante centro de peregrina��o cat�lica do Brasil, inaugurou em mar�o de 2022 a fachada norte do templo, com um mosaico gigante retratando cenas b�blicas. Era a primeira fase de uma obra que prev� trabalhos semelhantes em todos os quatro lados da igreja dedicada � santa padroeira do Brasil.

Um ano depois, sil�ncio e constrangimento s�o a t�nica da administra��o da bas�lica. E a pr�pria continuidade do trabalho est� comprometida.

Isto porque o idealizador da obra art�stica e coordenador geral da execu��o est� formalmente sob investiga��o no Vaticano. Marko Ivan Rupnik, padre esloveno de 68 anos, considerado um dos maiores expoentes — para muitos, o maior e mais importante — da arte sacra contempor�nea, � acusado de abusos sexuais, psicol�gicos e espirituais.

E a ordem religiosa � qual ele pertence, a Companhia de Jesus, imp�s a ele a proibi��o de diversas atividades, inclusive trabalhos art�sticos.

At� o momento, segundo fontes ouvidas pela reportagem, h� den�ncias de pelo menos 20 mulheres adultas — dentre elas, nove freiras — e pelo menos um homem, tamb�m adulto.

Conforme cronologia divulgada pela Companhia de Jesus, todos os casos teriam ocorrido entre 1980 e 2018. At� o momento, h� relatos de delitos que teriam sido praticados tanto em seu pa�s natal, Eslov�nia, como na It�lia, onde Rupnik vive desde 1991.

Nos �ltimos dias, a reportagem ouviu cinco pessoas pr�ximas � C�ria Romana em busca de informa��es a respeito — todas elas pediram para ter suas identidades preservadas na reportagem.

A BBC News Brasil procurou o Centro Aletti, ateli� de arte espiritual fundado por Rupnik em 1995 e com o qual ele produz suas obras, solicitando uma entrevista com o religioso ou, pelo menos, um posicionamento por escrito da institui��o. N�o houve resposta.

Tamb�m questionada pela reportagem, a Companhia de Jesus ressaltou que "todas as informa��es podem ser encontradas [em notas] no site" oficial da ordem.

Sil�ncio e incertezas

"Quanto �s obras em Aparecida, h� uma grande equipe de artistas envolvidos, n�o somente o padre Rupnik, e imagino que possam continuar sem a presen�a do padre Rupnik", escreveu � BBC News Brasil, por e-mail, o padre belga Johan Verschueren, delegado para as Casas e Obras Interprovinciais da Companhia de Jesus em Roma. Ele � o respons�vel, dentro da ordem, por coordenar as investiga��es internas a respeito do caso.

Existe uma s�rie de problemas com rela��o a isso, na realidade. Primeiramente porque embora as obras monumentais de Rupnik em Aparecida sejam executadas por uma vasta equipe de artistas — na �ltima fase que contou com o sacerdote no Brasil, no segundo semestre do ano passado, foram tr�s meses de trabalho em que ele capitaneou um grupo de 39 mosaicistas —, tanto a concep��o art�stica quanto a coordena��o s�o do famoso padre-artista.

E ele est� proibido pelos seus superiores de executar qualquer trabalho art�stico. Por isso, nos bastidores, especula-se com mais d�vidas do que certezas sobre como seria a continuidade dos trabalhos nas demais fachadas do templo.

O outro problema � de ordem moral. Com 4 mil metros de mosaicos, a fachada j� inaugurada de Aparecida � a maior obra realizada por Rupnik em todo o planeta, dentre as cerca de 200 de sua lavra.

Na totalidade, somando as quatro fachadas, o projeto seria ainda mais monumental.

Caso ele realmente seja considerado culpado, como ficaria ter a entrada do principal cart�o-postal da f� no Brasil marcada com a arte de algu�m formalmente condenado pela Igreja?


Santuário de Aparecida (SP)
O Santu�rio inaugurou sua fachada Norte no ano passado (foto: Divulga��o/Santu�rio Nacional)

Oficialmente, ningu�m sabe, ningu�m diz. A reportagem solicitou entrevistas tanto com o arcebispo de Aparecida, Orlando Brande, quanto com o administrador do Santu�rio Nacional, padre Heliomarcos Ferraz. Duas negativas.

O �nico posicionamento, por escrito, foi uma nota lac�nica da administra��o, ressaltando que a institui��o "acompanha com aten��o o caso e aguarda as orienta��es da Igreja para suas defini��es".

Depois da inaugura��o da fachada norte, no ano passado, o Santu�rio concentrou os esfor�os na etapa seguinte, a fachada sul.

"Ap�s a fachada norte, as outras tr�s fachadas da Bas�lica tamb�m ser�o revestidas com cenas b�blicas. Atualmente, a fachada sul do templo est� sendo preparada para receber os mosaicos, que est�o sendo produzidos em Roma pelos artistas do Centro Aletti", informou o Santu�rio, em nota divulgada em mar�o do ano passado.

Andaimes e tapumes de obra indicam que o trabalho come�ou a ser feito logo em seguida. Entre agosto e outubro, Rupnik e um grupo de artistas estiveram em Aparecida executando essa segunda etapa.

Em reportagem publicada em agosto pelo A12, portal oficial de not�cias do Santu�rio Nacional, a informa��o era de que a previs�o de conclus�o dessa segunda etapa que inclui a aplica��o dos mosaicos e tamb�m as obras estruturais, seria no fim deste ano, 2023.

Questionada pela BBC News Brasil na �ltima ter�a, a assessoria de imprensa da igreja de Aparecida agora informa que n�o h� previs�o de t�rmino da atual fase. No momento, a fachada sul permanece toda cercada, com obras de infraestrutura ocorrendo no entorno.

A reportagem apurou que a parte art�stica est� praticamente conclu�da, com toda a fachada j� coberta pelo mosaico desde outubro, quando a equipe do Centro Aletti retornou para a It�lia, restando apenas o arremate do acambamento.

Delitos e inquisi��o

O caso Rupnik veio � p�blico no fim do ano, quando not�cias a respeito come�aram a ser publicadas pela m�dia cat�lica italiana.

De in�cio, houve estranheza quanto � organiza��o do caso dentro da complexidade dos escaninhos da estrutura do Vaticano.

Isto porque o sacerdote esloveno vem sendo investigado pelo Dicast�rio para a Doutrina da F�, nome atual do organismo da Igreja antigamente conhecido como Inquisi��o.

Dentro da l�gica eclesial, embasada pelo direito can�nico, isto � uma peculiaridade. Porque casos disciplinares de religiosos, ou seja, descumprimento de votos como pobreza, obedi�ncia e castidade — como seria o caso de Rupnik —, costumam ser analisados e julgados por um �rg�o pr�prio para quest�es de batina, o Dicast�rio para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apost�lica.

� primeira vista, soou como uma tentativa de trazer a quest�o de Rupnik para uma inger�ncia mais pr�xima do papa, num entendimento de Francisco — o tamb�m jesu�ta Jorge Bergoglio — poderia querer tentar suavizar ou mesmo proteger Rupnik.

Logo veio o esclarecimento: pelo menos uma das den�ncias envolvia uma quest�o ligada � Doutrina da F�, da� a atribui��o � tal congrega��o.

A pr�pria Companhia de Jesus esclarece, na cronologia que tornou p�blica, que em 2018 recebeu "acusa��es de absolvi��o de um c�mplice do padre Rupnik em um pecado contra o sexto mandamento".

No caso, � a regra de "n�o pecar contra a castidade". O religioso teria, em confiss�o, absolvido uma mulher que teve rela��es sexuais com ele -- ou seja, "de um pecado praticado com ele pr�prio".

Como isso fere o preceito cat�lico, pelo direito can�nico ele teria incorrido em infra��o punida com pena de excomunh�o autom�tica — justamente por envolver um sacramento, o da confiss�o.

Sexo a tr�s e tentativa de suic�dio

Como � praxe em den�ncias dentro da religi�o, o caso tramitou internamente dentro da ordem do denunciado, a Companhia de Jesus. Que preparou um dossi� e remeteu ao Vaticano em maio de 2019.

Em junho daquele ano, com anu�ncia da c�pula da Igreja, o padre Johan Verschueren imp�s restri��es a Rupnik. A ordem religiosa n�o informa quais foram, mas conforme a reportagem apurou, teria sido um enquadramento, perdoando-o mas solicitando que ele adotasse um estilo de vida mais reservado, evitando holofotes.

Em paralelo, o Dicast�rio para a Doutrina da F� determinou que a Companhia de Jesus instaurasse um processo administrativo.

Em janeiro de 2020, houve o veredicto: por unanimidade, todos entenderam que a a��o de Rupnik realmente havia sido err�nea, por ter absolvido, durante o sacramento da confiss�o, uma pessoa c�mplice de um ato pecaminoso.

Em maio do mesmo ano, a Doutrina da F� emitiu um decreto de excomunh�o de Rupnik, revogado no mesmo m�s pelo mesmo �rg�o. � o que costuma se chamar, nos corredores da Igreja, de "pena medicinal". Um corretivo.

O Padre Rupnik poderia seguir sua vida, mas recebera o alerta para que n�o cometesse mais outros desvios de conduta.

Em junho de 2021, contudo, o Vaticano procurou novamente a Companhia de Jesus com novas den�ncias quanto ao comportamento de Rupnik — todas envolvendo casos antigos. A investiga��o foi reaberta.

O teor das den�ncias era de que o padre Rupnik teria abusado sexualmente de pelo menos nove freiras da Comunidade Loyola, um convento fundado por ele no in�cio dos anos 1990 em Ljubljana, na capital da Eslov�nia, e onde ele atuou como capel�o.

De acordo com a imprensa eslovena, uma das religiosas chegou a tentar se suicidar depois dos abusos.

Jornais da It�lia publicaram ainda um depoimento de uma freira italiana que relatou ter sido coagida a participar de sexo a tr�s com o padre, "em alus�o � Sant�ssima Trindade".

Proibi��es impostas ao padre

Em 14 de dezembro do ano passado, uma semana depois de os esc�ndalos se tornarem p�blicos, o padre venezuelano Arturo Sosa Abascal, superior-geral dos jesu�tas, fez um pronunciamento em Roma.

"Manter em vigor as medidas restritivas do minist�rio do padre Rupnik � um dos elementos de um processo complexo que, sabemos, leva tempo e para o qual n�o existem receitas pr�-determinadas", afirmou ele. "Faz parte do aprendizado que a gente vai fazendo, tentando n�o errar."

As restri��es at� ent�o impostas a Rupnik foram a proibi��o de exercer o sacramento da confiss�o, a dire��o espiritual e o acompanhamento de atividades espirituais. O religioso tamb�m ficou proibido de se envolver em atividades p�blicas sem a permiss�o de seu superior.

Uma das fontes ligadas ao Vaticano ouvidas pela reportagem disse que o fato de o caso de Rupnik ter se tornado p�blico pode ter feito com que a Doutrina da F� cobrasse mais empenho dos jesu�tas na investiga��o.

A Companhia de Jesus passou a divulgar um e-mail para o recebimento de den�ncias de abusos: [email protected].

Com o surgimento de novas den�ncias, os jesu�tas publicaram uma declara��o no dia 21 de fevereiro. No documento, as restri��es ao padre foram enfatizadas e, a elas, somaram-se a proibi��o de manifesta��es por meio de obras de arte - o que, em tese, inviabiliza a continuidade de trabalhos como o de Aparecida.

"Perante este processo interno, e a t�tulo cautelar, ficam refor�adas as regras restritivas contra ele, proibindo-o obedientemente de qualquer exerc�cio art�stico p�blico, especialmente em estruturas religiosas (como igrejas, institui��es, orat�rios e capelas, casas de retiro ou de espiritualidade)", pontuou.

"Portanto, essas restri��es se somam �s j� existentes (proibi��o de qualquer atividade ministerial e sacramental p�blica, proibi��o de comunica��o p�blica, proibi��o de sair da Regi�o de Lazio)", o texto acrescenta.

O comunicado salientou ainda que o sacerdote foi convidado a prestar esclarecimentos "mas n�o o fez".

Sobre as supostas v�timas, o documento avaliou que como "muitas dessas pessoas n�o se conhecem e os fatos narrados dizem respeito a diferentes per�odos", pode-se entender que "o grau de credibilidade do que � relatado parece ser muito alto".

O relat�rio diz que h� fatos oriundos da Comunidade Loyola, na Eslov�nia, "pessoas solteiras que se declaram abusadas na consci�ncia, assediadas espiritual, psicol�gica ou sexualmente durante experi�ncias de relacionamento pessoal com o padre Rupnik" e ainda integrantes do Centro Aletti.

Todos os casos teriam ocorrido entre o in�cio dos anos 1980 e 2018.

Segundo o documento, a equipe analisou as implica��es tanto quanto ao direito civil quanto ao direito can�nico. E o entendimento atual � de que "a natureza das den�ncias tende a excluir a relev�ncia criminal do comportamento do padre Rupnik perante as autoridades judiciais italianas".

"No entanto, a relev�ncia destes do ponto de vista can�nico e sobre sua vida e sua responsabilidade religiosa e sacerdotal � bem diferente", ressaltou.

N�o h� nada tramitando juridicamente contra ele nem na Eslov�nia nem na It�lia.

Pelo direito italiano, casos de abuso sexual envolvendo adultos prescrevem em 12 meses - como as den�ncias s�o todas anteriores a 2018, est�o tecnicamente prescritas, e este foi o entendimento dos que elaboraram o dossi� na Companhia de Jesus.


Mulher trabalha montando mosaico em parede
Ainda n�o se sabe qual ser� o futuro da fachada do Santu�rio (foto: Divulga��o/Santu�rio Nacional)

Cancelamentos

Se em Aparecida ainda n�o foi oficialmente definido o futuro da obra de Rupnik, pelo mundo as repercuss�es j� s�o grandes.

A diocese de Versalhes, na Fran�a, cancelou o contrato que havia firmado com o Centro Aletti para uma obra a ser executada l�. Na Eslov�nia, a ministra da Cultura, Asta Vre%u010Dko, solicitou publicamente que Rupnik devolva o pr�mio Prešeren, maior honraria do campo das artes no pa�s, que o governo concedeu a ele no ano 2000. Disse que ele deveria faz�-lo "por dec�ncia".

Como o assunto est� na m�dia local, os esc�ndalos envolvendo Rupnik causaram constrangimento na entrega deste ano do pr�mio, que existe desde 1947 — a cerim�nia sempre ocorre em 8 de fevereiro, data em que se celebra a morte de France Prešeren (1800-1849), considerado o maior poeta da literatura eslovena.

No Brasil, a �ltima apari��o p�blica de Rupnik foi no dia 30 de novembro, quando ele deu palestra na Pontif�cia Universidade Cat�lica do Paran� (PUC-PR), em Curitiba. Na mesma data, a institui��o concedeu a ele o t�tulo de doutor honoris causa.

Em 13 de fevereiro, a reitoria da universidade publicou uma nota comunicando que "diante dos fatos amplamente relatados", o conselho universit�rio "aprovou a revoga��o" do t�tulo, por considerar o outrora laureado "indigno de tal homenagem".

Na Igreja, os futuro de Rupnik n�o deve ser f�cil. Se ele for considerado culpado de todos os delitos can�nicos, pode ser expulso da ordem dos jesu�tas e, no pior dos cen�rios, tamb�m ter revogado seu direito ao sacerd�cio — "rebaixado ao laicato", como costuma se dizer no Vaticano.


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