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Estado de Minas GUERRA CONTRA AS DROGAS

Passageiros brasileiros se tornam alvo na Eti�pia com alta em apreens�es do tr�fico

Aumento no tr�fico de drogas e uso de mulas � acompanhado, tamb�m, da deten��o de pessoas inocentes - que chegam a passar dias na cadeia


12/03/2023 07:34 - atualizado 12/03/2023 11:33


Ricardo Alves dos Santos é levado por dois funcionários da embaixada brasileira para retornar ao Brasil
Ricardo Alves dos Santos foi detido ao fazer escala na Eti�pia, mesmo sendo inocente (foto: Vin�cius Assis)

Era para ser apenas uma escala de menos de cinco horas no aeroporto de Adis Abeba, na Eti�pia, mas o dentista Ricardo Alves dos Santos acabou preso pela pol�cia local, apesar de ser inocente.

Ele iria para Jacarta, na Indon�sia, como parte de uma viagem de f�rias tendo o Vietn� como destino final.

Por ser mais barato, o pernambucano que mora em Florian�polis comprou as passagens separadamente.

Ao desembarcar na capital do 30º pa�s do seu hist�rico de viagens, no dia 18 de fevereiro, foi chamado para prestar esclarecimentos sobre uma mochila com 27kg de coca�na encontrada no bagageiro do avi�o, bem acima da poltrona em que ele viajou.

Al�m de Ricardo, uma brasileira e um nigeriano (que sentaram na mesma fileira que ele) foram questionados pela pol�cia sobre a mochila.

Ela, que n�o sabia falar ingl�s e aguardava um voo para Johannesburgo, na �frica do Sul, foi liberada. O nigeriano e o brasileiro acabaram dormindo no aeroporto em uma sala vigiada por policiais.

No dia seguinte foram algemados, juntos, e levados para um hospital, onde fizeram raio-x para comprovar que n�o tinham engolido drogas. Em seguida foram levados para a sede da Pol�cia Federal et�ope.

"Eu sa� v�rias vezes algemado, tive que fazer radiografia do est�mago, peguei uma pneumonia, e ainda teve todo o estresse psicol�gico", desabafou.

Ricardo era o 20º detento daquela cela que, segundo ele, n�o devia ter mais que 40 metros quadrados, onde tamb�m estavam dois brasileiros - esses, de fato, haviam tentado desembarcar com drogas na Eti�pia recentemente.

Foram tr�s noites na cela fria - com apenas uma jaqueta e dormindo em um fino colch�o sobre o ch�o -, que renderam uma pneumonia.

Detido em um s�bado, s� na ter�a-feira ele foi libertado pela Justi�a et�ope, mas a companhia a�rea queria cobrar do brasileiro US$ 2.225 pelo bilhete de volta.

Gra�as � embaixada do Brasil em Adis Abeba, que designou uma funcion�ria para cuidar do caso, ele n�o foi cobrado pela passagem de volta e conseguiu autoriza��o das autoridades para deixar o pa�s, uma semana depois de ter desembarcado.

"Eu tinha lido relatos muito bons sobre a companhia a�rea. O servi�o de bordo n�o � nada ruim, na realidade. Mas eu n�o sabia que essa � uma rota de tr�fico de drogas", contou surpreso o dentista � BBC News Brasil, ainda com voz rouca e nariz entupido.

Outros brasileiros j� passaram por constrangimentos no aeroporto internacional de Adis Abeba nos �ltimos anos.

A filha de um adido militar do Brasil em um pa�s africano fazia escala na capital et�ope quando foi abordada por autoridades locais e levada para um hospital, fora do aeroporto, para fazer exames e comprovar que n�o havia engolido drogas.

Pelo mesmo motivo, um outro brasileiro foi for�ado a defecar dentro do aeroporto. E, nesses casos, ambos viajavam com passaportes oficiais.

A desconfian�a tem um motivo. "A gente sabe que praticamente em todo voo vindo de S�o Paulo alguma coisa � apreendida, mas a droga vem com pessoas de diferentes nacionalidades", disse uma fonte ligada ao setor de avia��o na capital da Eti�pia, o pa�s africano com mais brasileiros presos atualmente.

O n�mero saltou de 3, no in�cio do ano passado, para 20 atualmente, sendo 14 mulheres e 6 homens. Todos foram presos pela pol�cia et�ope tentando desembarcar com coca�na na bagagem (quase sempre de m�o) ou no est�mago. Quem transporta drogas desta forma � conhecido como mula.

A reportagem conversou com diversos brasileiros que ainda est�o ou j� estiveram presos em pa�ses africanos nos �ltimos anos.

A situa��o financeira foi usada por quase todos para justificar ter aceitado levar droga a outro pa�s em troca de dinheiro.

Quem faz isso quase sempre n�o sabe a quem vai entregar a droga que leva.

Brasileiros que j� foram presos afirmaram terem entregado drogas at� para policiais.


Cão próximo a passageiro dentro de aeroporto
Atualmente, a Eti�pia � o pa�s africano com mais brasileiros presos (foto: BBC)

Rota do tr�fico

A quantidade de detentos brasileiros na Eti�pia seria maior se um deles, em dezembro, n�o tivesse conseguido fugir enquanto era preso pela pol�cia.

Ele ainda estava com o passaporte quando escapou. Conseguiu chegar at� a cidade de Mega, no sul do pa�s, cerca de 640 km da capital da Eti�pia, e cruzar a fronteira com o Qu�nia, onde pegou um voo de volta para o Brasil.

Est�o presos tamb�m na Eti�pia um angolano e um nigeriano naturalizados brasileiros, mas esses dois n�o est�o sendo assistidos pela embaixada do Brasil no pa�s.

A rota do narcotr�fico passa por ali, mas, segundo autoridades ouvidas pela reportagem, a maior parte vai para pa�ses europeus, do Oriente M�dio e da �sia.

Um dos brasileiros presos no continente contou � BBC News Brasil que, muitas vezes, a droga vai por terra at� o norte da �frica e de l� segue para a Europa - com aux�lio de grupos armados envolvidos em diferentes conflitos na regi�o.

"Uma guerra � cara, eles precisam de dinheiro para muni��o", disse uma fonte da Pol�cia Federal no Brasil, refor�ando a informa��o sobre o envolvimento de grupos extremistas com o tr�fico internacional de drogas.

Mas tamb�m h� pessoas contratadas em Adis Abeba para viajarem de avi�o com a droga que vem do Brasil, quase sempre j� embalada para ser engolida novamente.

Com relativa proximidade ao Oriente M�dio e � Europa, a Eti�pia tamb�m tem voos di�rios saindo do Brasil. Ao mesmo tempo, desde 2020 os 12 voos semanais que eram operados por duas companhias a�reas entre S�o Paulo e Johannesburgo foram cancelados por conta da pandemia e at� hoje n�o foram retomados, o acesso � �frica do Sul est� mais demorado, caro e arriscado para quem atua como mula.

Uma dessas companhias j� anunciou que voltar� a oferecer voos ligando as duas cidades em julho.

Mesmo sem voos diretos vindos do Brasil h� quase 3 anos, a �frica do Sul (que chegou a ter 40 brasileiros presos em 2019) hoje tem apenas um detento brasileiro a menos que a Eti�pia, sendo 16 em Joanesburgo e 3 na Cidade do Cabo.

"A tend�ncia �: quanto mais oferta tiver de voos, possivelmente mais apreens�es e mais pris�es haver�", diz Daniel Justo Madruga, adido da Pol�cia Federal baseado em Pret�ria, � BBC News Brasil.

De acordo com o consulado-geral brasileiro em Lagos, voos diretos ligando Brasil e Nig�ria devem ser anunciados em breve.

'Mulas desesperadas'

Preocupada com o aumento dos n�meros de brasileiros presos e de apreens�es em Adis Abeba, a Embaixada do Brasil na Eti�pia j� havia alertado o governo anterior sobre a necessidade de se ter um adido da Pol�cia Federal tamb�m no pa�s do leste africano, onde � poss�vel encontrar autoridades de todo o continente, por causa da sede da Uni�o Africana.

Por cadeias africanas j� passaram pessoas de diferentes regi�es brasileiras. Atualmente h� na Eti�pia pelo menos quatro do Par�, al�m tamb�m de cidad�os do Amazonas.

Mesmo que n�o sejam de S�o Paulo, � na capital paulista que essas pessoas costumam receber as instru��es finais e aguardam a data do embarque, segundo relatos de autoridades e detentos.

Presos disseram em depoimentos e � reportagem que quase todos os traficantes que os contrataram s�o africanos, e aparentemente n�o trabalham para nenhuma grande fac��o do Brasil.

De acordo com a pol�cia et�ope, entre todos os estrangeiros presos no pa�s nos �ltimos dois anos por envolvimento com o tr�fico de drogas, os nigerianos s�o maioria.

Muitos ainda est�o no pres�dio de Kaliti, que fica a cerca de 11km do centro da capital.

� para onde foram brasileiros e estrangeiros j� condenados, como uma mulher de Serra Leoa que possui um Registro Nacional de Estrangeiros concedido pela Pol�cia Federal brasileira.

Consta que a primeira entrada dela no Brasil foi em 2016. Depois disso, a partir de 2018, houve mais 27 entradas e sa�das dela registradas em aeroportos do Brasil, de acordo com informa��es obtidas pela reportagem.

Desses 27 registros, 12 foram no Aeroporto Internacional de Fortaleza, e 15 no de Guarulhos (S�o Paulo).

A �ltima sa�da dela registrada por autoridades brasileiras foi em mar�o de 2022, quando embarcou para a Eti�pia - onde acabou presa.

Oficialmente, a maioria sempre diz que foi presa atuando como mula pela primeira vez, mas os hist�ricos nos passaportes de muitos apresentam frequentes entradas e sa�das do Brasil.

Uma das brasileiras est� presa pela segunda vez pelo mesmo motivo.

Ao todo, ela revelou que j� fez seis viagens do tipo, incluindo para Guatemala e Fran�a, onde chegou a ficar meses na cadeia. Ela tinha uma loja de roupas com a m�e no Brasil, mas alega estava cada vez mais dif�cil conseguir pagar as contas.

De acordo com a criminologista sul-africana Nokonwaba Mnguni, o aspecto mais importante que as redes de narcotr�fico analisam depois de estabelecer um mercado para drogas il�citas � a for�a da aplica��o da lei nos pa�ses africanos e se existem ou n�o redes criminosas bem estabelecidas e tratados de extradi��o em seus pa�ses de origem.

"Esse aspecto se aplica globalmente, n�o apenas nos pa�ses africanos", refor�a, esclarecendo que "para cada mula de drogas pega por contrabando de drogas, h� sempre mais uma ou duas mulas de drogas 'profissionais' que a fazem passar pela verifica��o de seguran�a no aeroporto".

Como a maioria disse n�o ter despachado mala com drogas dentro, nem sempre embarcam sabendo a quantidade que transportar�o.

Durante o voo, traficantes - que normalmente j� engoliram a droga e no meio da viagem colocam tudo para fora no banheiro do avi�o - escondem o que est� sendo traficado nas bagagens de m�o que as mulas devem pegar antes ao desembarcarem.

Um dos presos mais recentes contou que, ainda no Brasil, recebeu dois chips para celulares: um da Eti�pia e outro da �frica do Sul, destino final da viagem.

A ordem era usar o chip para ligar para algu�m em Adis Abeba que indicaria por onde passar com a bagagem.

E assim que entregasse a droga, a ordem era fazer uma chamada de v�deo para quem o contratou no Brasil registrando a entrega.

M�e e beb� na cadeia

No pres�dio em Adis Abeba tamb�m est� um brasileiro que n�o cometeu crime algum. Ele completou cinco meses de vida recentemente. Nasceu em setembro em um hospital.

O menino viajou na barriga da m�e, uma jovem que estava gr�vida de dois meses, rec�m-separada e "desesperada, precisando de dinheiro" quando aceitou a proposta de uma nigeriana no Brasil para levar uma "quantidade pequena" de coca�na para a Eti�pia. Receberia R$ 10 mil pelo servi�o.

A brasileira ficou dois meses em um hotel em S�o Paulo, esperando o dia do embarque. Foi durante o voo de Guarulhos para Adis Abeba que um homem a cutucou e apontou para a mala que estava no bagageiro e que ela deveria pegar antes de descer do avi�o.

A vers�o dela foi muito similar � contada em depoimento pela maioria dos brasileiros presos atualmente na Eti�pia.


Pessoas em fila de aeroporto
Vinte brasileiros est�o presos atualmente na Eti�pia, sendo 14 mulheres e seis homens (foto: Reuters)

Ainda segundo Nokonwaba Mnguni, que tamb�m � pesquisadora especializada em criminalidade feminina e crime organizado transnacional, cada vez mais mulheres de origem pobre s�o procuradas para contrabandear drogas.

"Globalmente, as mulheres s�o as mais desfavorecidas – s�o o sustento de suas casas e fam�lias. (...) � importante notar, por�m, que algumas foram coagidas a traficar drogas, e nem todas as mulheres encarceradas est�o cientes do crime que cometeram anteriormente", disse.

N�o � a primeira vez que uma brasileira gr�vida acaba presa na Eti�pia. Uma outra deu � luz no pa�s em outubro de 2018, mas foi libertada com a crian�a em janeiro de 2019. Outra foi presa em janeiro do ano passado e liberada em abril.

Atualmente a pena recebida por cada brasileiro condenado tem sido de cerca de 10 anos.

De acordo com o Departamento de Perd�o do Minist�rio da Justi�a da Eti�pia, dos quatro estrangeiros condenados por tr�fico de drogas que completaram o processo de pedido de perd�o da pena, tr�s s�o brasileiros.

A Eti�pia costuma libertar presos em determinadas �pocas do ano, principalmente perto de feriados religiosos. O Minist�rio da Justi�a n�o informou quando a decis�o sobre os brasileiros que pediram indulto ser� tomada, nem crit�rios levados em conta para julgar os casos.

A Embaixada do Brasil gasta com cada um deles o equivalente a US$ 125 por m�s. Ao longo de 2022 desembolsou cerca de US$ 13 mil com isso, sendo que US$ 9 mil foram s� no segundo semestre do ano passado, quando a quantidade de pris�es disparou.

Os parentes dos detentos que t�m condi��es financeiras �s vezes tamb�m os mandam dinheiro. Os presos podem ter conta banc�ria na Eti�pia para isso.

De acordo com a Pol�cia Federal do Brasil, no ano passado 343 pessoas foram presas no aeroporto internacional paulista tentando embarcar com cerca de 2,9 toneladas de drogas no total.

Os n�meros s�o bem maiores que os de 2021, quando 190 pessoas foram presas por tr�fico tentando viajar com 1,3 tonelada.

Este texto foi publicado originalmente em https://www.bbc.com/portuguese/articles/c3g60ze7zp6o


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