Por que tantos brasileiros est�o se mudando para o Paraguai

Quando tinha 17 anos, Felipe Monteiro soube na sua terra natal, a cidade de Mazag�o, no Amap�, que um conterr�neo havia estudado Medicina no Paraguai e, hoje, exerce a profiss�o no Brasil.

Agora, aos 24 anos, Monteiro cursa o quinto ano da faculdade de Medicina no pa�s vizinho. Ele � um dos milhares de brasileiros que hoje se preparam para essa carreira no Paraguai.

Os brasileiros s�o quase a totalidade entre os universit�rios de Medicina, de acordo com estimativas oficiais.

“Na minha sala, somos 80 alunos e s� 2 s�o paraguaios. Tem aluno de Santa Catarina, do Rio de Janeiro, de Rond�nia, do Acre, do Amazonas”, conta Monteiro � reportagem.

A carreira universit�ria � um dos v�rios exemplos da forte presen�a brasileira no Paraguai, onde os principais motores da economia - do agroneg�cio ao setor t�xtil e de autope�as, entre outros - t�m participa��o decisiva de investidores brasileiros, de acordo com autoridades do governo, empres�rios e analistas ouvidos pela BBC News Brasil.

E o que tem motivado essas mudan�as? Estudantes relatam custos de estudo mais interessantes no Paraguai e empres�rios e investidores s�o atra�dos pelo sistema de impostos, facilidades para exporta��o ao Brasil, oferta de energia el�trica e de m�o de obra (leia mais relatos abaixo).

A ampla presen�a brasileira hoje no Paraguai j� n�o est� restrita aos chamados “brasiguaios”, termo usado para se referir a brasileiros que se estabeleceram no pa�s, principalmente, no setor da soja, explica o economista Fernando Masi, diretor do Centro de An�lise e Difus�o da Economia Paraguaia.

Em 2021, segundo os dados mais recentes do Itamaraty, o Paraguai � o primeiro destino dos imigrantes brasileiros na Am�rica Latina, com cerca de 246 mil pessoas. O n�mero representa quase 30 mil brasileiros a mais vivendo no pa�s vizinho do que em 2016.

Mas estimativas locais apontam que o n�mero pode ser na realidade muito maior que o oficial, j� que nem todos se registram nos consulados, que s�o a base para o levantamento do Itamaraty.

A presen�a brasileira no Paraguai representa quase a metade do total de 596 mil brasileiros que moram em outros pa�ses da Am�rica do Sul.

Com uma popula��o de 6,7 milh�es de habitantes, o Paraguai tem, por exemplo, praticamente o triplo de cidad�os do Brasil do que a Argentina, que tem quase 46 milh�es de habitantes e, oficialmente, 90 mil brasileiros.

No mundo, Paraguai � o terceiro pa�s, depois dos Estados Unidos (1,9 milh�o) e de Portugal (275 mil), com a maior comunidade brasileira.

A maior concentra��o fica em Ciudad del Este, onde vivem 98 mil brasileiros, mais do que os 80 mil de Buenos Aires, segundo dados oficiais.

'Praticamente em casa'

O universit�rio Felipe Monteiro vive em Ciudad del Este, onde frequenta uma igreja evang�lica fundada por brasileiros. Ele diz que se sente praticamente em casa.

“Moro a dois quil�metros da Ponte da Amizade (que liga Ciudad del Este a Foz de Igua�u, no Brasil), e, aqui, os paraguaios falam portugu�s”, afirma Monteiro, que pretende ser o primeiro m�dico da fam�lia.

O pre�o da universidade e o custo de vida no Paraguai foram os motivos que o levaram a viver no pa�s.

“Tenho uma prima que estuda Medicina em uma universidade particular em Bel�m e paga mensalidade de R$ 8 mil reais. Aqui, comecei pagando R$ 1,2 mil e, agora, s�o R$ 1,9 mil, porque h� um aumento anual � medida que passamos de ano. Mas � acess�vel”, diz.

Seu colega no quinto ano de faculdade, o cearense Pedro Nogueira, de 38 anos, era formado e trabalhava como administrador de empresas quando vendeu o que tinha para estudar Medicina em outro pa�s vizinho, a Argentina. Mas ele conta que a escalada inflacion�ria argentina o levou a pedir transfer�ncia para a na Universidade Integraci�n de las Am�ricas, no Paraguai.

“Na Argentina, era inadmiss�vel n�o falar espanhol na sala e nas provas orais. No Paraguai, � diferente. Todo mundo fala portugu�s. Hoje, agrade�o a metodologia argentina. Mas ficou caro e pedi transfer�ncia para c�. Mesmo assim, est� valendo muito a pena”, diz Nogueira.

Ele calcula que, entre a mensalidade e os gastos cotidianos, incluindo aluguel, suas despesas giram em torno de R$ 3,5 mil.

“J� vi gente no Brasil n�o disfar�ar o preconceito quando contei que estudo Medicina no Paraguai. Mas meu plano � ser um m�dico como os outros que estudaram no Brasil ou em qualquer lugar. Tenho parentes m�dicos que estudaram na Bol�via, revalidaram o diploma e, hoje, exercem a profiss�o no Brasil”, afirma.

O Conselho Nacional de Educa��o Superior (Cones), respons�vel pela educa��o universit�ria no Paraguai, estima que 30 mil estudantes cursem Medicina nas universidades p�blicas e privadas paraguaias, “dos quais 95% a 97% seriam de origem brasileira”.

A maioria dos universit�rios brasileiros est� concentrada, principalmente, nas universidades privadas, segundo a assessoria de imprensa do Cones.

De acordo com o �rg�o paraguaio, houve um boom de novas institui��es privadas de ensino superior no pa�s entre 2006 e 2010, com a abertura de 28 universidades e 23 institutos superiores, a maioria na �rea da sa�de.

'Eldorado empresarial'

No �mbito empresarial e de investimentos, o Paraguai � visto como um “eldorado”, como define o diretor da C�mara de Com�rcio Paraguai Brasil, Junio Dantas, � BBC News Brasil.

“� um pa�s que oferece muitas oportunidades, principalmente para os Estados vizinhos, como o Paran�, Mato Grosso do Sul e tamb�m Santa Catarina. O Paraguai � um pa�s que d� uma vantagem competitiva muito grande na parte fiscal.”

Dantas, que tem uma empresa de tecnologia no pa�s, diz que h� brasileiros em todas as �reas, principalmente no agroneg�cio.

“A m�o de obra aqui � abundante. � muito bom trabalhar com os paraguaios. A energia el�trica � muito barata, porque � abundante. A proximidade com o Brasil ajuda bastante e o sistema de impostos torna o pa�s atraente e competitivo para investimentos”, diz.

O Paraguai compartilha a hidrel�trica de Itaipu com o Brasil e a de Yacyret� com a Argentina. O pa�s possui leis de incentivo fiscal e de gera��o das chamadas maquilas, que fazem parte da cadeia produtiva entre os dois pa�ses, como explica � BBC News Brasil o vice-ministro de Ind�stria do Minist�rio da Ind�stria e Com�rcio, Francisco Ruiz D�az.

As maquilas paraguaias foram criadas para atrair investimentos e gerar empregos, diz Ruiz D�az. Nesse regime, as empresas importam insumos que s�o usados em uma f�brica no Paraguai e os exportam transformados no produto final, sem pagar impostos e pagando apenas 1% como seguro da opera��o realizada, explica o vice-ministro.

A inspira��o para este modelo veio do sistema mexicano em sua alian�a comercial com os Estados Unidos.

“Setenta por cento das exporta��es do Paraguai para o Brasil s�o resultado da maquila. Um exemplo � o setor t�xtil. As empresas brasileiras trazem a linha do Brasil, fabricam o tecido aqui e o enviam para as confec��es no Brasil”, afirma.

Os brasileiros, diz o vice-ministro, est�o presentes nas �reas de bioetanol, de gr�os e de carnes, por exemplo. “No caso da carne bovina, temos aqui frigor�ficos brasileiros que exportam o produto para o Brasil e outros pa�ses”, afirma.

Dantas, da C�mara de Com�rcio Paraguai Brasil, diz que a entidade estima que cerca de 400 mil brasileiros estejam presentes no Paraguai, principalmente na regi�o da fronteira – n�mero bem maior do que o contabilizado pelo Itamaraty.

Mas por que esta forte presen�a brasileira no pa�s vizinho?

Ruiz D�az diz que isso � resultado de um processo que se acelerou a partir de 2003-2004, com o boom das commodities.

Ele lembra que, at� os anos 1940, o Paraguai era um pa�s dependente das exporta��es para a Argentina. Mas, nas d�cadas seguintes, sucessivos governos passaram a buscar maior aproxima��o com o Brasil, com a estrat�gia de aumentar a popula��o na regi�o de fronteira, com o est�mulo da distribui��o de terras.

No entanto, com as dificuldades geradas pela falta de infraestrutura, muitos desistiram desses terrenos ou os venderam por pre�os baixos.

Com o passar dos anos, esta regi�o passou a prosperar, e leis criadas nos anos 1990, diz o vice-ministro, como as de incentivos fiscais e de maquila, passaram a ser aproveitadas nos anos 2000 – principalmente pelos investidores brasileiros, quando come�aram a precisar de m�quinas para desenvolver seus empreendimentos no territ�rio paraguaio.

Ruiz D�az acrescenta que as sucessivas crises econ�micas argentinas acabaram complicando a aproxima��o e o interc�mbio com esse outro pa�s vizinho.

“Quando a gente olha para a hist�ria do Brasil e da Argentina, o Paraguai �, entre todos os pa�ses do Mercosul, o que mais demorou em se desenvolver”, diz.

Para ele, seu pa�s passou a ser atraente n�o s� pela simplifica��o fiscal, mas pelas oportunidades que existem no pa�s. “Quando olhamos os n�meros...Em 2003, na �rea de maquila, as exporta��es eram de US$ 5 milh�es (anuais) e, agora, superam US$ 1 bilh�o. Vinte vezes mais”, disse.

Para Ruiz D�az, no caso das maquilas, ou maquiladoras, a guinada ocorreu a partir de 2013, com a instala��o de empresas de autope�as no Paraguai que exportam o produto �s montadoras no Brasil.

“O Paraguai tem energia abundante e a mais barata da regi�o, m�o de obra farta, um sistema de impostos amig�vel, vantajoso. Isso permitiu que o Brasil se abastecesse de mat�ria-prima em condi��es muito competitivas.”

O pa�s conta hoje com a presen�a de empresas de v�rios pa�ses al�m do Brasil, como Jap�o, Alemanha e Estados Unidos.

Al�m da maquila e do sistema de impostos, Ruiz D�az aponta que as reformas econ�micas, que inclu�ram metas inflacion�rias e fiscais, foram realizadas nos anos 2000 e mantidas ao longo deste tempo, contribuindo para gerar confian�a entre investidores estrangeiros.

Desafios

Fernando Masi, do Cadep, diz, por�m, que o pr�ximo governo, que ser� eleito no dia 30 de abril, dever� buscar alternativas para ampliar a arrecada��o de impostos para os investimentos necess�rios em infraestrutura e na �rea social.

“A arrecada��o tribut�ria � muito baixa no Paraguai. Mas seja quem for, o eleito manter� a mesma pol�tica de equilibro macroecon�mico que vem sendo aplicada no pa�s”, afirma.

Pesquisas indicam que a disputa para a Presid�ncia ser� principalmente entre Santiago Pe�a, do governista Partido Colorado, e Efra�n Alegre, da opositora Concertaci�n. Segundo Masi, a expectativa � que a economia paraguaia cres�a entre 4,5% e 5% em 2023, bem acima da previs�o de 1,4% para o Brasil, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea).

Um dos principais desafios do Paraguai, disse o analista, � combater a pobreza, que atinge 27% da popula��o, e a desigualdade social.

Masi acrescenta que a presen�a brasileira � hoje “muito mais vis�vel” e diversificada do que at� recentemente.

“Antes, eram os chamados brasiguaios, que se dedicavam ao cultivo da soja. Hoje, s�o investidores em frigor�ficos, em maquila, que est� concentrada principalmente em autope�as, t�xtil e pl�stico e gera muitos empregos no Paraguai. E, agora, est�o tamb�m os estudantes, com uma forte presen�a em diferentes �reas, nos �ltimos dez anos”, diz o analista.

Dantas, da C�mara de Com�rcio Paraguai Brasil, que j� morou em pa�ses da �frica e em Portugal e se estabeleceu no pa�s vizinho h� 25 anos, observa que a presen�a brasileira est� sendo decisiva para a industrializa��o do Paraguai.

“S�o mais de 200 maquiladoras operando no pa�s. Entre 70% e 80% s�o de origem brasileira, o que demonstra a for�a do empresariado brasileiro no Paraguai.”