
No dia 27 de fevereiro de 2023, a designer baiana Alessandra Sampaio, vi�va do jornalista ingl�s Dom Phillips, realizou o sonho de conhecer a Amaz�nia. At� ent�o, Al� – como era carinhosamente chamada pelo marido – s� conhecia a maior floresta tropical do mundo atrav�s dos olhos azuis dele. Bem-humorado, Dom dizia que s� n�o a levava porque, se ela fosse, n�o iria querer voltar.
"Foi minha primeira vez na Floresta Amaz�nica. Fiquei impactada com a mata, o rio, os ind�genas... Foi uma viagem oficial com membros do governo. Me senti privilegiada por usufruir da log�stica para chegar a Atalaia (do Norte, no estado do Amazonas) com toda a seguran�a e facilidade de transporte. Profissionais competentes e comprometidos em fazer diferen�a na prote��o da regi�o e dos povos origin�rios. Agradeci muito a oportunidade".
Em sua primeira incurs�o pela Amaz�nia, Alessandra Sampaio visitou o Vale do Javari, no Amazonas, a segunda maior terra ind�gena do Brasil. S�o, ao todo, 26 etnias, 6.317 ind�genas e 8,5 milh�es de hectares. A maior delas � a yanomami, com 8 etnias, 26.854 ind�genas e 9,6 milh�es de hectares.
"O encontro com os ind�genas foi uma emo��o � parte", destaca. "Quando descobriram quem eu era, pediram abra�os e fotos, e me diziam que, a partir de agora, cuidar�amos uns dos outros. Eles t�m uma lealdade e um carinho com o Bruno e o Dom, que � muito bonito. Como ficamos na sede da Univaja, com uma agenda apertada, fiquei mais focada no que acontecia e nas pessoas que conhecia, e n�o na morte do Dom".
'A justi�a s� ser� completa quando o Vale do Javari estiver protegido'
Foi l�, no Vale do Javari, que Bruno e Dom foram assassinados no dia 5 de junho de 2022. Segundo peritos da Pol�cia Federal (PF), Bruno levou tr�s tiros de espingarda – dois no t�rax e um na cabe�a – e Dom, um – no t�rax.
O indigenista era alvo constante de amea�as por denunciar e combater, entre outros invasores de terras ind�genas, pescadores, garimpeiros e madeireiros.
Acusados pelo Minist�rio P�blico Federal (MPF) de duplo homic�dio qualificado e oculta��o de cad�ver, os r�us Amarildo da Costa Oliveira, o "Pelado"; Oseney da Costa de Oliveira, o "Dos Santos", e Jefferson da Silva Lima, o "Pelado da Dinha", dever�o ir a j�ri popular.
"Espero que os r�us sejam julgados nos termos da lei. Acho importante que a justi�a seja bem aplicada, para que o caso sirva de exemplo para diminuir a impunidade na regi�o", afirma a vi�va que acompanha as investiga��es pelos jornais. "Costumo dizer que a justi�a s� ser� completa quando o Vale do Javari estiver protegido das organiza��es criminosas que destroem, amea�am e matam quem se coloca na defesa da floresta."
'Temos uma classe pol�tica com mentalidade ambiental atrasada'
Um levantamento da ONG brit�nica Global Witness revela que, entre 2012 e 2021, 1.733 defensores da terra e do meio ambiente, como Bruno Pereira e Dom Phillips, foram executados no mundo. Desses, 342 (quase 20% do total) s� no Brasil, o pa�s recordista em mortes de ambientalistas. Mais de 85% dos assassinatos ocorreram na Amaz�nia. A Col�mbia aparece em segundo lugar, com 322 ativistas mortos, e as Filipinas, em terceiro, com 270.
Durante o vel�rio do marido, realizado no Cemit�rio Parque da Colina, em Niter�i (RJ), no dia 26 de junho de 2022, Alessandra Sampaio fez um importante alerta: "Defensores do meio ambiente seguem em risco."
Um ano depois, ela garante que, por enquanto, nada mudou. "� com indigna��o e ang�stia que digo que sim, defensores da floresta ainda est�o em perigo. Em v�rios territ�rios, incluindo o Javari, onde pessoas continuam sendo amea�adas e n�o contam com a prote��o do Estado. Imagine como � viver nessa tens�o, sabendo que, a qualquer momento, podem te emboscar e te matar? � uma loucura isso!"
"Tenho esperan�a de que o governo Lula siga comprometido com suas promessas de campanha de proteger o meio ambiente. Infelizmente, o Congresso e o Senado n�o est�o atentos aos desejos da maioria dos cidad�os brasileiros, que concordam que � importante conservar nossas florestas", prossegue.
"Poder�amos ser um pa�s pioneiro ao usar nossos recursos naturais com estrat�gia sustent�vel. Mas temos uma classe pol�tica com mentalidade ambiental atrasada, que favorece a destrui��o de florestas. N�o tenho palavras para descrever a frustra��o que eu sinto."

'Dom era um cara legal'
Nascido em Bebington, a oito quil�metros de Liverpool, a terra natal dos Beatles, Dominic Mark Phillips chegou ao Brasil em 2007. A princ�pio, o jornalista fixou resid�ncia em S�o Paulo. Como rep�rter freelancer, escreveu para jornais dos EUA e do Reino Unido, como The Washington Post, The New York Times e The Guardian.
Em 2012, Dom se mudou para o Rio de Janeiro, onde conheceu Alessandra numa festa em Santa Teresa, zona sul da cidade. Juntos, gostavam de andar de bike, fazer trilha na mata e praticar stand-up paddle. Moraram no Rio at� 2020 quando, depois de sofrerem um assalto a faca, resolveram se mudar para Salvador.
Na capital baiana, o casal sonhava em adotar duas crian�as. "Lembro todos os dias do Dom, grata por ter compartilhado minha vida com ele por quase 10 anos. N�o tenho apenas uma lembran�a dele, lembro da nossa rotina simples e feliz. Dom era um cara legal. Muito legal mesmo. Ele vive em mim."
"Esse ano foi intenso. Senti muita saudade e vivi dias de enorme tristeza", continua.
"Alguns momentos foram duros, mas, no geral, me senti acolhida amorosamente pela fam�lia, por amigos e at� por desconhecidos, que diziam rezar por Dom, Bruno e n�s da fam�lia. Me preocupei em cuidar da sa�de f�sica e mental para seguir adiante. A vida segue seu fluxo, n�o d� para parar ou desistir de viver."
'Meu maior medo era que n�o encontrassem os corpos'
A vida de Alessandra Sampaio virou pelo avesso no dia em que ela recebeu o telefonema de um amigo jornalista comunicando o sumi�o de Dom Phillips no Vale do Javari. A �ltima vez em que ele e Bruno foram vistos com vida foi no domingo, dia 5, em uma expedi��o pelo rio Itaqua�, rumo � cidade de Atalaia do Norte, no Amazonas.
Desde o desaparecimento de Bruno e Dom, no dia 5 de junho de 2022, at� a localiza��o de seus restos mortais, no dia 15, se passaram dez dias. Dez dias de muita ang�stia, recorda a vi�va.
"Durante as buscas, estava alerta o tempo todo. Desregulei hora de dormir, perdi a no��o de tempo... Me sentia melhor quando fazia medita��o, pedia for�a para mim e luz para Dom e Bruno. Meu maior medo era que n�o encontrassem os corpos deles. Desde o in�cio, achava que eles estavam mortos."
'A Amaz�nia n�o pode ser destru�da pela gan�ncia de alguns poucos'
Nesta segunda-feira (5/6), manifesta��es pelo pa�s afora lembrar�o um ano da morte de Bruno e Dom. No Rio, o ato foi marcado para 10h na Praia de Copacabana; em Salvador, �s 15h, no Farol da Barra; em Atalaia do Norte, ser� realizada uma expedi��o ao local dos crimes. Em Londres, no Reino Unido, o evento acontecer� na Rich Mix, entre 19h e 23h.
Quanto ao livro Como Salvar a Amaz�nia, que Dom Phillips estava escrevendo no Vale do Javari quando foi assassinado, Alessandra diz que ele ser� lan�ado. O projeto � financiado pela Alicia Patterson Foundation, com sede em Washington, que concedeu uma bolsa ao jornalista ingl�s.
"A ideia � seguir o planejamento que Dom j� havia feito com rela��o aos assuntos", adianta. "� um desafio terminar o livro, ainda falta dinheiro, pois teremos que contratar escritores para os cap�tulos que faltam ser escritos e organizar viagens para as suas pesquisas na Amaz�nia."
Outro projeto, anuncia a vi�va, � a funda��o de uma ONG, o Instituto Dom Phillips, para manter vivo o legado ambiental do marido. A proposta � divulgar informa��es sobre a Amaz�nia e seus m�ltiplos aspectos.
"Temos uma riqueza ambiental incompar�vel. Temos a sabedoria dos povos ind�genas e comunidades tradicionais. Temos muito o que aprender com eles! Quanto mais conhecermos a Amaz�nia, mais esfor�os faremos para proteg�-la. � um bem inestim�vel que n�o pode ser destru�do pela gan�ncia de alguns poucos."