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Estado de Minas JULGAMENTO

Quanto de droga pode ser considerado para uso pr�prio? STF deve definir

Lei 11.636, de 2006, que retirou a pena de pris�o para casos de posse de drogas para consumo pessoal, mesmo mantendo o uso como crime, deixou quest�o em aberto


20/06/2023 16:59 - atualizado 20/06/2023 19:29
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Fachada do STF em Brasília, com a estátua da Justiça em primeiro plano
Volta � pauta o debate sobre quais crit�rios objetivos podem ser usados para distinguir usu�rios de traficantes. (foto: CNJ / Divulga��o)
 
Com a retomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta (21), do julgamento do recurso que pode descriminalizar o porte de drogas para consumo pessoal no Brasil, iniciado oito anos atr�s, volta tamb�m � pauta o debate sobre quais crit�rios objetivos podem ser usados para distinguir usu�rios de traficantes.

A lei 11.636, de 2006, que retirou a pena de pris�o para casos de posse de drogas para consumo pessoal, mesmo mantendo o uso como crime, deixou essa quest�o em aberto.

O texto do artigo 28 afirma que "para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atender� � natureza e � quantidade da subst�ncia apreendida, ao local e �s condi��es em que se desenvolveu a a��o, �s circunst�ncias sociais e pessoais, bem como � conduta e aos antecedentes do agente".

Na pr�tica, no entanto, sem crit�rios objetivos, essa distin��o se tornou subjetiva, enviesada por estigmas sociais. E, no lugar de diminuir pris�es, a lei aumentou a propor��o de pessoas presas por tr�fico de drogas desde ent�o.
 

Em 2005, antes da lei, 14% dos presos brasileiros eram acusados ou condenados por tr�fico de drogas. Em junho de 2022, esse percentual j� era de quase 30%.

Estudos apontam que muitos foram presos com quantidades pequenas de drogas e que pessoas negras foram consideradas como traficantes mesmo flagradas com quantidades muito menores do que aquelas que classificaram pessoas brancas como usu�rias.

"A n�o exist�ncia de crit�rios objetivos para distinguir usu�rios de traficantes � um dos grandes motivos de termos um Judici�rio e uma pol�cia que prendem pessoas em fun��o de sua cor de pele e de seu endere�o ser ou n�o na favela", aponta Pedro Abramovay, diretor para a Am�rica Latina da Open Society Foundation e ex-secret�rio Nacional da Justi�a.

"Essa � uma situa��o inconstitucional. O Supremo tem a obriga��o de estabelecer crit�rios", avalia.

Em 2015, no in�cio do julgamento do Recurso Extraordin�rio nº 635.659, a ser retomado nesta quarta, o ministro Lu�s Roberto Barroso sugeriu que o pa�s adotasse como crit�rio o limite de posse de 25 gramas de maconha, a exemplo do adotado em Portugal em 2001. Outras drogas n�o foram mencionadas � �poca.
 

Naquele mesmo ano, o Instituto Igarap� reuniu 47 especialistas no tema, entre m�dicos, advogados, pesquisadores, soci�logos e neurocientistas, que subscreveram uma nota t�cnica.

O documento traz tr�s cen�rios. No primeiro, os limites para usu�rios ficariam em 25 gramas de maconha, 6 p�s florescidos da planta e 10 gramas de coca�na ou de crack.

No segundo, as quantidades seriam, respectivamente, 40 gramas, 10 p�s e 12 gramas. E, no terceiro, 100 gramas de maconha, 20 p�s de plantas florescidas e 15 gramas de coca�na ou crack.

De acordo com o documento, a elabora��o dos cen�rios � baseada no "referencial te�rico mais confi�vel nas �reas m�dica, jur�dica e pol�tico-criminal, como a Pesquisa Nacional sobre Uso de Crack", bem como em "depoimentos de profissionais da �rea m�dico-cient�fica e de usu�rios de drogas il�citas".

Esses cen�rios foram avaliados pelo Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea) em um estudo rec�m-lan�ado que investigou as quantidades de drogas apreendidas com pessoas acusadas ou condenadas por tr�fico e o impacto da ado��o desses crit�rios sobre a popula��o carcer�ria brasileira -a terceira maior do planeta, atr�s de EUA e China.

Foram avaliados 48.532 processos por tr�fico de drogas que tiveram senten�a em 2019.

O cen�rio 1, em que o crit�rio objetivo para maconha � posse de 25 g, 31% dos processos nos quais foi apreendida c�nabis seriam reclassificados de tr�fico para uso. Para coca�na (10 g), seriam impactados 34% dos processos.

O cen�rio 2 teria impacto sobre 37% dos processos de maconha e 36% de coca�na ou crack. O cen�rio 3 resultaria na reclassifica��o de 51% dos processos com maconha e de 40% daqueles com coca�na ou crack.

"Estamos meio s�culo atrasados neste debate", afirma o psiquiatra Dartiu Xavier, especialista em depend�ncia qu�mica e professor da Universidade Federal de S�o Paulo (Unifesp), que assinou a nota t�cnica de 2015. "Na Europa dos anos 1980 j� estava introjetada a ideia de que a pessoa pega consumindo drogas n�o deveria ser presa. Descriminaliza��o n�o deveria nem ser discut�vel, mas obrigat�ria."

Para ele, os crit�rios objetivos mais interessantes s�o aqueles do terceiro cen�rio. "No cen�rio 1, corremos o risco de n�o sair do lugar. J� tratei de dependentes de coca�na e de crack que usavam grandes quantidades em 15 dias, e, portanto, eles ainda poderiam acabar presos por tr�fico", aponta. "Acho prefer�vel pecarmos por excesso do que por falta."
 
 
"A meu ver, essas quantidades deveriam ser revistas", afirma o m�dico Francisco In�cio Bastos, pesquisador da Fiocruz e coordenador da Pesquisa Nacional sobre o uso de crack, que tamb�m subscreveu � nota t�cnica de 2015.

"O mercado est� mudando muito r�pido e com subst�ncias sint�ticas, como opi�ides e canabin�ides sint�ticos, que podem estar misturados e escapam � detec��o", afirma ele, que tem pesquisado a presen�a de fentanyl no Brasil, droga respons�vel por uma epidemia de overdoses nos EUA. "Al�m disso, a coca�na e o crack est�o muito contaminados. Tem de tudo misturado ali", diz. "Mas minha vis�o est� muito contaminada pelo fato de eu ser m�dico e pensar no dano � sa�de. Eu precisaria ouvir outras pessoas antes de definir uma posi��o novamente."

A advogada Marina Dias Werneck, diretora-executiva do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, que tamb�m assinou a nota de 2015, avalia o cen�rio 1 como "extremamente perigoso porque a gente pode, inclusive, aumentar ainda mais o encarceramento em raz�o da quantidade pequena de droga estipulada como par�metro".

Na Am�rica Latina, pa�ses como Col�mbia, M�xico, Argentina, Costa Rica e Uruguai descriminalizaram posse para consumo de v�rias drogas.

Para o m�dico Ronaldo Laranjeira, professor da Unifesp adepto de posi��es conservadoras sobre pol�tica de drogas e que n�o fez parte do grupo de especialistas da nota de 2015, "fixar uma dose de drogas [para diferenciar usu�rios de traficantes] � uma bobagem e vai fazer com que nenhum pequeno traficante seja preso, j� que os sistemas de delivery de pequenas quantidades de drogas s�o comuns nas grandes cidades".

A pris�o de pequenos traficantes, no entanto, n�o tem demonstrado exercer impacto significativo no mercado de drogas nem no crime organizado ligado ao tr�fico, que substitui rapidamente esses agentes e segue seus neg�cios.

O procurador-geral de Justi�a do Minist�rio P�blico de S�o Paulo, Mario Sarrubbo, � contra a descriminaliza��o da posse para uso pessoal porque, para ele, o uso � a etapa final de uma longa cadeia de delitos que trazem preju�zo � seguran�a p�blica. "A criminaliza��o da posse de drogas para consumo pessoal �, no Brasil, no momento atual, um imperativo para os enfrentamentos dos graves problemas de sa�de e de seguran�a p�blicas causados pelo tr�fico il�cito de drogas."

"Entendo que a descriminaliza��o n�o traz ganhos para a seguran�a p�blica e para a sa�de, ou para a conviv�ncia social e familiar dos dependentes", opina o coronel Onivan Elias, da PM da Para�ba.

Para a soci�loga Julita Lemgruber, coordenadora do Centro de Estudos sobre Seguran�a e Cidadania (Cesec), que tamb�m assina a nota t�cnica sobre cen�rios de crit�rios objetivos, de 2015, o Brasil precisa descriminalizar e definir quantidades.

"Embora a legisla��o atual diga que o porte de drogas, mesmo sendo crime, n�o leva a uma pena de pris�o, isso n�o tem sido suficiente para que a quest�o seja tratada no �mbito da sa�de, e n�o da justi�a criminal, e a pol�cia continua a prender pessoas pobres, negras e oriundas de favelas e periferias, que hoje povoam o sistema penitenci�rio do pa�s", afirma.


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