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Estado de Minas NATUREZA

O peixe venenoso que invadiu mar brasileiro e pode se espalhar por todo litoral em menos de 2 anos

Sem predadores naturais no Atl�ntico e ca�ador voraz, peixe pode tomar toda a costa brasileira e chegar ao Uruguai, causando preju�zos � pesca e ao turismo


01/07/2023 07:50 - atualizado 01/07/2023 08:16
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Peixe leão fotografado no litoral cearense
Esp�cie se espalha pelo Atl�ntico h� 40 anos (foto: LABOMAR/Divulga��o )

"Quem j� colocou ele num aqu�rio, por exemplo… �s vezes ele come todos os outros peixes que est�o no aqu�rio."


O coment�rio � do bi�logo Marcelo Soares, pesquisador do Labomar da Universidade Federal do Cear� (UFC). A cena ins�lita ilustra a voracidade do peixe-le�o (Pterois volitans), uma esp�cie invasora do Indo-Pac�fico que chegou recentemente � costa brasileira e que, em pouco tempo, pode se espalhar por todo o litoral do pa�s.


Em menos de dois anos, diz Soares, citando as estimativas mais recentes dos cientistas, a esp�cie pode tomar toda a costa brasileira e chegar ao Uruguai, causando preju�zos � pesca e ao turismo. No Caribe, a passagem do animal � associada � redu��o de 80% da popula��o de peixes que habitam recifes de corais em algumas regi�es.


Ele n�o tem predadores naturais no Atl�ntico, � um ca�ador persistente e �vido, se adapta a diversos tipos de ambientes e as f�meas podem colocar at� dois milh�es de ovos por ano. A "juba" em volta do corpo � formada por uma s�rie de espinhos venenosos que n�o s�o letais aos humanos, mas podem causar ferimentos s�rios.


Ferramenta colaborativa organizada pelos pesquisadores mostra dispersão do peixe-leão no litoral do Atlântico
Ferramenta colaborativa organizada pelos pesquisadores mostra dispers�o da esp�cie no litoral (foto: Reprodu��o/Projeto de monitoramento do peixe-le�o)

Uma hist�ria de quase 40 anos

A saga do peixe-le�o � uma das hist�rias mais bem-sucedidas de invas�o de esp�cies de animal marinho.


As evid�ncias cient�ficas dispon�veis apontam que ela come�a em 1985, na Fl�rida. Foi a primeira vez que o peixe-le�o, nativo do Indo-Pac�fico, foi avistado no oceano Atl�ntico.


N�o se sabe exatamente como ele foi parar ali, pr�ximo da costa de Dania Beach. Uma das hip�teses � que tenha sido solto no mar por um aquarista. H� relatos tamb�m da libera��o acidental de peixes-le�o na regi�o em 1992, quando o furac�o Andrew varreu a Fl�rida e destruiu um aqu�rio local.


Desde ent�o, a esp�cie vem se dispersando pelo oceano Atl�ntico. Tomou o litoral do sudeste dos Estados Unidos, o Golfo do M�xico, o Caribe…at� ser avistado, em 2020, no litoral norte do Brasil.


Avan�ar do mar do Caribe para o brasileiro n�o � tarefa simples para uma esp�cie invasora. A foz do rio Amazonas - ou a pluma do Amazonas-Orinoco, na terminologia t�cnica - � uma enorme barreira natural que dificulta o tr�nsito de animais de um lado para o outro. S�o bilh�es de litros de sedimento despejados no oceano a cada minuto - e esse material n�o se dissolve imediatamente na �gua salgada, ele se espalha por quil�metros mar adentro e por metros de profundidade.



N�o � f�cil passar. A hip�tese � que o peixe-le�o tenha usado recifes que existem na regi�o da pluma do Amazonas como base para atravessar de um lado para o outro, diz Soares, chegando no Amap� e no Par�. Os cientistas acreditam que isso tenha acontecido por volta de 2017 e 2018.


"Esses recifes que existem na Amaz�nia est�o entre 70 e 220 metros de profundidade, � bem fundo. Mas esse animal aguenta at� 300 metros de profundidade, ent�o ele consegue usar essa �rea. Fora isso, � um animal muito resistente, aguenta baixa salinidade."


Uma vez no litoral brasileiro, o peixe-le�o seguiu avan�ando para o Nordeste, em uma �rea em que a corrente marinha flui em dire��o ao Caribe, acrescenta o bi�logo. Nadando contra a corrente, ele chegou ao Maranh�o, Piau�, Cear�, Rio Grande do Norte.


No Cear�, Soares e os colegas do Labomar observaram os primeiros animais em mar�o de 2022. Naquela �poca, os peixes tinham em m�dia entre 14 e 15 cent�metros. Um ano depois, em junho de 2023, o tamanho sobrou: 30 cent�metros.

"Hoje ele j� � encontrado em todos os munic�pios do Cear�, no litoral do Rio Grande do Norte... e est� descendo."


Segundo o pesquisador, quando o peixe-le�o "virou a esquina" do Brasil - a curva no mapa do Rio Grande do Norte -, ele chegou a uma regi�o em que a corrente marinha flui para o sul. "O que significa que ele vai mais r�pido agora", comenta.


No momento, a esp�cie est� na fronteira entre Pernambuco e Alagoas, como aponta a plataforma de monitoramento organizada por Soares e pelo pesquisador Tommaso Giarrizzo para acompanhar a dispers�o do peixe-le�o.


A ferramenta � colaborativa: pelo computador ou por um aplicativo no celular, pescadores e mergulhadores enviam imagens e informa��es sobre seus encontros com a esp�cie.

Qual o problema?

Mas por que a prolifera��o de uma esp�cie ex�tica como o peixe-le�o � um problema ambiental?


� medida que compete por recursos com outras esp�cies e que se alimenta de uma grande variedade de animais - sem ser amea�ado por predadores -, ele pode amea�ar a biodiversidade nos locais por onde passa.


Isso pode impactar o turismo, por exemplo. "Quem faz mergulho quer ver vida, n�?", ilustra o pesquisador.


Com menos peixes dispon�veis, a pesca tamb�m pode ser afetada.

No Cear�, os pescadores artesanais t�m uma tradi��o antiga de criar recifes artificiais com pneus e outros objetos afundados para atrair peixes, as chamadas marambaias.


"Isso vai passando de pai pra filho, a localiza��o do afundamento. � quase como uma propriedade para pescar no fundo do mar", explica Soares.

Em uma expedi��o feita na costa da praia de Jericoacoara, a equipe do Labomar encontrou v�rios peixes-le�o dentro dessas estruturas.

O que � poss�vel fazer para evitar o pior?

O bi�logo diz que � praticamente imposs�vel erradicar o peixe-le�o das �reas em que ele j� se estabeleceu, mas o controle da popula��o pode ajudar a diminuir os impactos negativos.


Nesse sentido, ele destaca como positivas as iniciativas implementadas em Fernando de Noronha. L�, o Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade (ICMBio) costurou uma parceria com operadoras de mergulho para capturar a esp�cie.


Por ser uma �rea de conserva��o, contudo, o arquip�lago � um caso � parte. Na maioria das cidades do litoral norte e nordeste por onde a esp�cie tem se espalhado, ainda n�o h� iniciativas coordenadas dos governos estaduais e federal para ativamente tentar controlar o aumento da popula��o de peixe-le�o.


"O ponto positivo � que n�s temos uma rede de universidades preparadas para trabalhar com os �rg�os p�blicos. Basta que a gente fa�a essa parceria, todo mundo junto, que � a �nica forma de combater o problema", diz Soares.


Outros pa�ses na rota de invas�o do peixe-le�o v�m testando diferentes estrat�gias nas �ltimas d�cadas.


Cidades na costa da Fl�rida, por exemplo, passaram a organizar eventos para a ca�a da esp�cie. Em maio, a regi�o do condado de Okaloosa comemorou um recorde de animais removidos durante seu torneio anual: 25.699.

Em alguns locais do Caribe, al�m da pesca para controle da esp�cie, a carne � consumida em restaurantes. � o caso das Ilhas Virgens Americanas, onde Soares esteve recentemente como professor visitante.

"Claro que � preciso tratar o peixe, tirar os espinhos, que s�o venenosos, mas l� ele � usado na alimenta��o."


"Eles tamb�m aproveitam o couro para produzir sapatos, carteiras, bolsas…uma esp�cie de curtume do couro do peixe-le�o. Ent�o existem alternativas econ�micas e sociais que geram a renda e ajudam a eliminar o animal."


Essas alternativas precisam, contudo, ser cuidadosamente avaliadas pelas autoridades locais, diz o pesquisador. � preciso primeiro entender se os animais na costa brasileira est�o contaminados e, caso se decida regulamentar o consumo, preocupar-se em evitar o risco, por exemplo, de dar valor econ�mico � esp�cie e acabar incentivando seu cultivo - o que pioraria o problema.


� reportagem, o Ibama afirmou que, desde 2014, vem impedindo de forma proativa a importa��o desses animais para qualquer finalidade, ainda que a legisla��o at� pouco tempo permitisse a compra. A proibi��o veio no ano passado, com a publica��o de uma portaria que veta a importa��o de cinco esp�cies de peixe-le�o com finalidade ornamental.


Tamb�m em 2022 a autarquia criou um grupo de trabalho com foco espec�fico no problema. Entre os objetivos est�o a formula��o de uma proposta de ato normativo para o manejo da esp�cie.


 "A regulamenta��o normativa a ser constru�da especificamente para o peixe-le�o trar� comandos mais espec�ficos para o uso e aproveitamento desta esp�cie", diz o texto enviado � BBC News Brasil.


Nesse sentido, no segundo semestre deste ano o Ibama estuda organizar um workshop para debater alternativas para o aproveitamento da carne e do couro do animal, "caso haja mercado", e para construir um "amplo plano nacional de combate ao peixe-le�o".


No momento, ainda que n�o haja uma proibi��o legal, a autarquia n�o recomenda o consumo, por se tratar de uma "esp�cie venenosa, cujo manejo requer t�cnicas espec�ficas".


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