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Estado de Minas

As medidas para evitar que El Ni�o provoque 'hecatombe' na Amaz�nia

Fen�meno clim�tico tende a agravar seca no bioma; para especialistas, combate a inc�ndios pode atenuar o problema.


03/07/2023 18:32 - atualizado 03/07/2023 21:51
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Incêndio na Amazônia
(foto: Getty Images)

O El Ni�o pode causar uma “hecatombe ambiental” na Amaz�nia neste ano ou no in�cio do pr�ximo, afirma a bi�loga brasileira Erika Berenguer, pesquisadora das universidades de Oxford e Lancaster, ambas no Reino Unido.

O fen�meno clim�tico, que envolve um aquecimento incomum no Oceano Pac�fico, deve ser bastante intenso neste ano e pode causar mudan�as acentuadas em todo o mundo.

Recentemente, os climatologistas anunciaram que o fen�meno j� se formou e ir� se fortalecer entre o fim do ano e os primeiros meses de 2024.

Um dos temores de pesquisadores brasileiros s�o os problemas que isso pode causar na Amaz�nia.

Uma das principais dificuldades, apontam os especialistas, � a seca extrema causada pelo El Ni�o, o que pode culminar em grandes problemas em meio � devasta��o da Amaz�nia nos �ltimos anos, per�odo em que o bioma enfrentou altos �ndices de desmatamento e inc�ndios.

“Isso (o desmatamento) s� come�ou a cair principalmente a partir de abril deste ano. Se esse El Ni�o for realmente forte, o que h� grande probabilidade, � uma grande preocupa��o porque vai aumentar o n�mero de inc�ndios e destruir ainda mais a floresta, acelerando o processo de degrada��o”, diz Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avan�ados da Universidade de S�o Paulo (USP).

O cen�rio, dizem especialistas, pode ser pior do que o registrado entre o segundo semestre de 2015 e o in�cio de 2016, per�odo do El Ni�o mais recente.

Naquela �poca, o fen�meno causou efeitos devastadores em diferentes regi�es do mundo.

Na Amaz�nia, houve redu��o de chuvas e intensa seca em uma mata que normalmente � �mida, cen�rio que favoreceu a dissemina��o do fogo causado por humanos.

“Eu passei meses na Amaz�nia em 2015 (no per�odo de El Ni�o) e foi traum�tico olhar tudo aquilo”, diz Berenguer.

"Eram milhares e milhares de �reas de floresta queimando e isso dava uma sensa��o de impot�ncia. Tenho muito medo porque se acontecer algo semelhante agora, ap�s tanto desmatamento, o El Ni�o pode causar uma verdadeira hecatombe ambiental", acrescenta a bi�loga.

O governo federal disse � BBC News Brasil que tem acompanhado o avan�o do El Ni�o e que tem se preparado para enfrentar os poss�veis impactos do fen�meno clim�tico (leia mais abaixo).


Amazônia em chamas
Nos �ltimos anos, Amaz�nia enfrentou duro per�odo de desmatamento e inc�ndios (foto: Getty Images)

Desmatamento e fogo na Amaz�nia

A Amaz�nia enfrentou um per�odo intenso de desmatamento e inc�ndios durante a gest�o do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na gest�o Bolsonaro, eram recorrentes cr�ticas de pesquisadores sobre a falta de fiscaliza��o ambiental no pa�s e o sucateamento de �rg�os de fiscaliza��o.

“No governo anterior houve muito desmatamento, mas, em rela��o �s quest�es clim�ticas, como quando ocorreram os grandes inc�ndios na Amaz�nia em 2019, o clima n�o era t�o seco", comenta a bi�loga Joice Ferreira, pesquisadora da Embrapa Amaz�nia Oriental e da Rede Amaz�nia Sustent�vel.

"Ent�o, se a gente pode dizer assim, a sociedade brasileira teve sorte, porque o que foi ruim (nos anos anteriores) poderia ter sido muito pior se estiv�ssemos em um ano seco."

No ano passado, o desmatamento na Amaz�nia bateu um novo recorde. Segundo monitoramento feito via sat�lite pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amaz�nia (Imazon), a cobertura vegetal da floresta perdeu 10.573 km², uma �rea semelhante a quase 3 mil campos de futebol por dia.

� o maior n�mero anual, ao menos, desde 2008 – ano em que o Imazon come�ou a monitorar a regi�o. De acordo com o levantamento, foi o quinto ano consecutivo de recorde de desmatamento desde o in�cio do monitoramento.

Nos �ltimos quatro anos, segundo o Imazon, a perda florestal da Amaz�nia foi correspondente a 35.193 km² – �rea maior que os estados de Sergipe (21 mil km²) e Alagoas (27 mil km²).

Por diversas vezes, Bolsonaro minimizou os n�meros sobre desmatamento e inc�ndios na Amaz�nia, mesmo com os dados oficiais mostrando alta nos indicadores.

“Os ataques que o Brasil sofre quando se fala em Amaz�nia n�o s�o justos. L�, mais de 90% daquela �rea est� preservada. Est� exatamente igual quando foi descoberto no ano de 1.500”, disse Bolsonaro em novembro de 2021, durante uma reuni�o com investidores em Dubai, nos Emirados �rabes Unidos.

Em fevereiro deste ano, o desmatamento na Amaz�nia atingiu 322 km², n�mero que equivale a aproximadamente o tamanho da cidade de Fortaleza (CE). O dado, divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), � o recorde daquele m�s desde 2015, quando esse levantamento come�ou a ser feito – o maior n�mero at� ent�o no mesmo m�s era de fevereiro de 2022, com 199 km².

“N�o d� pra avaliar muito bem somente com o dado mensal. Existe o problema das nuvens. O ideal � analisar pelo menos tr�s meses (juntos) para minimizar as incertezas. Por isso, n�o sugiro associar o desmatamento de um m�s com a��es de um governo”, diz o pesquisador Luiz Arag�o, chefe da Divis�o de Observa��o da Terra e Geoinform�tica do Inpe.

Arag�o frisa que ao analisar os primeiros meses do ano, � poss�vel notar queda no desmatamento no bioma.

Segundo o Sistema de Detec��o do Desmatamento em Tempo Real (Deter), do Inpe, o desmatamento na Amaz�nia caiu 31% no acumulado de janeiro a maio de 2023, em compara��o ao mesmo per�odo do ano passado.

Como atenuar os impactos do El Ni�o

Os pesquisadores acreditam que, entre as principais medidas para reduzir os danos do El Ni�o, est�o a fiscaliza��o intensa sobre o fogo na regi�o, especialmente as consideradas menos �midas, e alertas para a popula��o sobre os riscos de inc�ndios no per�odo de seca.

“Essas a��es, caso implementadas, t�m capacidade de prevenir e evitar essa grande cat�strofe que pode acontecer se n�o houver nenhuma a��o”, diz Ferreira.

Berenguer avalia que ainda h� tempo para enfrentar o problema de uma forma que seja poss�vel minimizar os impactos do fen�meno clim�tico. “N�o acho que ainda seja o fim do mundo. A gente ainda tem cerca de dois meses para se preparar e lidar com essa crise clim�tica. N�o est� tudo perdido, mas o rel�gio est� fazendo tic-tac”, afirma a bi�loga.

O El Ni�o tem sido uma preocupa��o para o governo federal, afirma � BBC News Brasil o presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renov�veis (Ibama), Rodrigo Agostinho.

"O El Ni�o, de fato, pode trazer um per�odo de seca notadamente na regi�o Norte do pa�s e isso pode ter implica��es no agravamento dos problemas dos inc�ndios florestais”, diz.

“A chegada do El Ni�o est� sendo um processo bastante r�pido e est� sendo monitorada pelos t�cnicos do PrevFogo (Sistema Nacional de Preven��o e Combate aos Inc�ndios Florestais).”

Agostinho afirma que o Ibama tem mantido contato com as principais ag�ncias de meteorologia do pa�s para acompanhar o avan�o do fen�meno clim�tico e se organizar para enfrentar os poss�veis impactos.

Ele aponta que o or�amento do instituto aumentou 113%, em rela��o ao ano anterior. Recentemente, o �rg�o abriu edital para a contrata��o de brigadistas.

“A previs�o � de um aumento de aproximadamente 18% de brigadistas em rela��o a 2022, com atua��o de 2.101. Destes, 1.385 atuar�o na Amaz�nia Legal (AM, AP, AC, RR, MT, RO, TO, MA), ou seja, um aumento de 15% do n�mero de brigadistas previstos nos estados em compara��o ao ano passado”, diz nota do instituto, que informa que 57% das brigadas ser�o compostas por ind�genas e quilombolas.

Segundo o instituto, desde janeiro deste ano houve aumento das medidas aplicadas pela fiscaliza��o federal para controlar o desmatamento na Amaz�nia.

O Ibama afirma que ocorreu um aumento de 179% dos autos de infra��o, 128% dos embargos, de 107% das apreens�es e 203% das destrui��es de equipamentos usados em crimes ambientais, entre janeiro e maio, na compara��o com a m�dia para o mesmo per�odo nos �ltimos quatro anos.

O presidente do instituto frisa � BBC News Brasil que uma das principais preocupa��es no atual per�odo s�o as �reas da Amaz�nia que foram desmatadas nos �ltimos anos.

“De fato, elas podem sofrer bastante com os inc�ndios florestais”, diz Agostinho.

Fogo e desmatamento

O fogo costuma fazer parte de uma das etapas do processo de desmatamento no bioma. Isso porque a queima � considerada o meio mais r�pido e barato para remover a biomassa que fica do material desmatado. Em alguns casos, o fogo se espalha de forma descontrolada, se tornando um inc�ndio florestal, avan�a pela mata e atinge grandes propor��es.

Isso ocorre, segundo estudiosos, principalmente para a expans�o da �rea de agropecu�ria por grandes propriedades.

A reportagem procurou setores do agroneg�cio para comentar sobre as a��es de desmatamento no bioma, mas eles optaram por n�o comentar o caso.

Esses inc�ndios ocorrem principalmente no per�odo de seca, que normalmente come�a por volta de maio e se estende at� outubro – o per�odo exato varia conforme cada regi�o.

No ano passado, os registros de focos de calor (que costumam representar inc�ndios) na Amaz�nia foram os maiores em mais de uma d�cada, segundo dados do Inpe, que faz esse monitoramento via sat�lite desde 1998.

Em 2022, foram registrados 115 mil focos de calor na Amaz�nia, segundo o Inpe. O dado mais recente que atingiu marca superior a essa foi 2010, quando foram 134,6 mil focos de calor no bioma.

A diferen�a, apontam os pesquisadores, � que houve uma forte seca em 2010, que intensificou as queimadas. J� em 2022, segundo os especialistas, n�o foi considerado um per�odo de seca no bioma.


Gráfico sobre mecanismos do El Niño
(foto: BBC)

O efeito El Ni�o

Em meio a esses problemas dos �ltimos anos, a Amaz�nia encara o risco de enfrentar um El Ni�o intenso.

No come�o de junho, cientistas americanos afirmaram que o fen�meno clim�tico j� havia come�ado a afetar o planeta.

Segundo especialistas do Escrit�rio Nacional de Administra��o Oce�nica e Atmosf�rica dos Estados Unidos (NOAA, na sigla em ingl�s), esse fen�meno aumentar� as temperaturas no mundo, que, nos �ltimos anos, j� vem crescendo como resultado das mudan�as clim�ticas.

Chefe de previs�es de longo prazo da ag�ncia brit�nica de meteorologia, Adam Scaife disse no come�o de junho que a previs�o � de que a temperatura do planeta atinja um pico no final deste ano.

"Um novo recorde de temperatura global no pr�ximo ano � definitivamente poss�vel. Depende do tamanho do El Ni�o. Um El Ni�o em grande escala at� o final deste ano confere uma alta probabilidade de que teremos um novo recorde global de temperatura em 2024”, afirmou Scaife.

Para especialistas, o per�odo do El Ni�o deve causar diversos problemas na Amaz�nia.

O bioma sofre com os impactos das mudan�as clim�ticas e, desde o in�cio dos anos 2000, tem ficado mais seco e quente, segundo os estudos.

“Com o El Ni�o, a floresta perde ainda mais �gua e entra em um d�ficit h�drico. S� esse efeito j� tende a matar muitas �rvores da regi�o, parte da biomassa daquela floresta morre s� por esse efeito da seca intensa”, diz o pesquisador Luiz Arag�o, do Inpe.

Com o cen�rio de seca, o fogo entra na floresta com mais intensidade. “De todos os inc�ndios na Amaz�nia, 95% s�o causados por humanos. Primeiro derrubam a floresta, como para fazer pastagem, normalmente esperam a madeira secar bastante e jogam fogo. � um ciclo de degrada��o”, explica Nobre.


Fogo na Amazônia
Na Amaz�nia, a imensa maioria dos inc�ndios s�o causados por a��o humana, apontam os especialistas (foto: Getty Images)

A bi�loga Erika Berenguer ressalta que � prov�vel que parte do material derrubado durante o intenso desmatamento da Amaz�nia no ano passado ainda n�o tenha sido queimada.

“Esses �ltimos meses foram de chuva, ent�o, n�o tinha como colocar fogo. Ent�o, o que normalmente ocorre � que o produtor rural espera chegar a esta��o seca, deixa a biomassa da floresta derrubada pegando sol, espera por semanas ou meses at� ficar bem seco e, a�, acende o fogo”, explica Berenguer.

As consequ�ncias

H� diversas consequ�ncias que podem ser causadas pelo El Ni�o na Amaz�nia. Uma delas � o duro impacto nas emiss�es de di�xido de carbono, em raz�o da possibilidade de in�meras mortes de �rvores, o que intensifica o efeito estufa.

“Os organismos decompositores dessas �rvores liberam carbono para a atmosfera. Uma �rvore que morre mesmo sem qualquer tipo de interfer�ncia, envelheceu e morreu, tem carbono contido em sua biomassa, que equivale a cerca de metade de seu peso, e que ser� emitido para a atmosfera por meio desse processo de decomposi��o”, explica Arag�o.

J� o desmatamento causa a morte for�ada das �rvores, que s�o derrubadas pela a��o humana. S� isso j� emitiria carbono com a decomposi��o. E como o fogo tamb�m � usado nesse processo, para acabar com a biomassa que est� na �rea desmatada, ocorre ent�o a combust�o do material, o que aumenta ainda mais a libera��o de di�xido de carbono e outros gases como mon�xido de carbono e metano.

“Quando o fogo entra na floresta, adiciona emiss�es diretas de carbono, em rela��o ao emitido pelo desmatamento, porque vai queimar a mat�ria org�nica que est� morta no solo, como peda�os de troncos, folhas e tamb�m algumas �rvores”, detalha Arag�o.

Esses processos contribuem para o aumento das emiss�es do CO², que intensificam as mudan�as clim�ticas globais, intensificando eventos extremos de seca e chuva.


Floresta sendo queimada na Amazônia
Os impactos do El Ni�o na Amaz�nia tamb�m s�o problema de sa�de p�blica, alertam especialistas (foto: Getty Images)

No per�odo do El Ni�o de 2015/2016, por exemplo, um estudo apontou que a intensa seca e os inc�ndios florestais mataram ao menos 2,5 bilh�es de �rvores e cip�s apenas no Baixo Tapaj�s, uma parte da floresta que foi epicentro dos efeitos do fen�meno clim�tico na Amaz�nia naquela �poca.

Os pesquisadores calcularam quanto carbono foi liberado na atmosfera em consequ�ncia da morte dessas bilh�es de �rvores: 495 milh�es de toneladas de CO² — valor maior que o liberado pela floresta em um ano inteiro de desmatamento.

E descobriram ainda que as �rvores continuaram a morrer e a liberar mais carbono na atmosfera por causa da seca provocada pelo El Ni�o anos depois do fen�meno clim�tico.

Esse estudo, intitulado “Tracking the impacts of El Ni�o drought and fire in human-modified Amazonian forests" (monitorando os impactos da seca e inc�ndios do El Ni�o em florestas amaz�nicas com interfer�ncia humana), foi publicado no peri�dico cient�fico PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America) em julho de 2021.

Berenguer foi a principal autora do estudo. Ela ressalta que os poss�veis impactos do El Ni�o na Amaz�nia v�o al�m da floresta e devem afetar milh�es de pessoas.

“N�o � s� uma discuss�o ambiental sobre as emiss�es de CO2 com a floresta queimando e a perda de biodiversidade. � tamb�m um problema de sa�de p�blica. Isso aumenta a busca por atendimento m�dico por problemas respirat�rios. Muitas crian�as s�o internadas, o que acaba tirando muitos pais de seus postos de trabalho”, diz Berenguer.

“Al�m disso, h� avi�es que enfrentam dificuldades para pousar em alguns lugares, a fuma�a tamb�m vai para outras regi�es do pa�s, entre outros problemas.”


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