
Uma fala machista e um beijo no rosto sem consentimento resultaram no m�s passado na condena��o de um homem a 1 ano e 8 meses de pris�o, em regime fechado, por importuna��o sexual.
O caso de Santa Cruz do Rio Pardo (a 346 km de S�o Paulo), se soma ao crescente n�mero de a��es protocoladas na Justi�a desde entrada em vigor de uma lei, em setembro de 2018, que tornou crime pr�ticas como passada de m�o, apalpada maliciosa, abra�o indesejado, beijo sem permiss�o, masturba��o em p�blico e ass�dio no transporte, com penas de at� cinco anos de cadeia.
Somente no primeiro semestre deste ano foram distribu�dos 164 processos de importuna��o sexual no estado de S�o Paulo, segundo levantamento do Tribunal de Justi�a paulista. O n�mero � 53% maior que o do mesmo per�odo de 2022, quando 107 a��es foram protocoladas.
Dados no Brasil
Conforme o �ltimo Anu�rio Brasileiro da Seguran�a P�blica, publicado em 20 de julho, todos os estados brasileiros apresentaram alta no n�mero de registros de importuna��o sexual em 12 meses. A maior varia��o aconteceu no Esp�rito Santo, de 194,3% —indo de 53 ocorr�ncias em 2021 para 156 em 2022.
Na senten�a do m�s passado no interior paulista, o juiz Igor Canale Peres Montanher disse n�o ter tido d�vidas quanto � pr�tica de importuna��o sexual.
"N�o se mostra vi�vel que, numa sociedade estruturada, ordenada e fundada no Estado democr�tico de Direito, possamos normalizar um indiv�duo qualquer, andando na rua, dar um beijo numa mulher desconhecida, simplesmente porque a achou bonita", escreveu em sua senten�a.
No caso de Santa Cruz do Rio Pardo, a v�tima aguardava o marido no local de trabalho dele, quando o r�u se aproximou e disse palavras machistas. Em seguida, puxou a m�o da mulher e a beijou no rosto sem consentimento, dizendo que seu real desejo era beij�-la na boca, conforme descreve o TJ.
O processo � mantido em segredo de Justi�a e o r�u pode recorrer em liberdade.
� crime e deve denunciar
A Lei 13.718/18, que est� completando cinco anos, foi uma resposta ao caso de um homem preso ap�s ejacular em uma mulher em um �nibus na avenida Paulista, na capital. Ele foi liberado pouco depois, ap�s um juiz avaliar que n�o tinha havido estupro, mas sim importuna��o ofensiva ao pudor. A decis�o gerou pol�mica.
At� 2018, n�o havia no ordenamento jur�dico brasileiro crimes para situa��es que n�o eram de estupro e tamb�m n�o poderiam ser consideradas simples contraven��es penais, como o caso da masturba��o no �nibus, em que agressor muitas vezes sa�a da pol�cia antes da v�tima, explica a delegada Jamila Jorge Ferrari, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher no estado de S�o Paulo.
A lei estabeleceu um crime que era necess�rio, afirma a policial, que j� viu as mais variadas desculpas de agressores at�nitos com a not�cia de que n�o sairiam da delegacia, como a de que n�o estavam em s� consci�ncia por causa de uso de rem�dio controlado.
"H� toler�ncia social muito grande para viol�ncia contra mulheres, e isso faz com que homens sintam � liberdade de tomar qualquer tipo de conduta", afirma Carmela Dell'Isola, coordenadora da Comiss�o das Mulheres Advogadas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de S�o Paulo, refor�ando a import�ncia da lei, que tem a aus�ncia de consentimento como ponto central.
"A liberdade sexual � protegida. Se n�o h� consentimento, h� importuna��o sexual", diz.
Dell'Isola lembra que n�o h� situa��es que justifiquem a importuna��o, como o consumo de �lcool pela v�tima ou a roupa que ela estava vestindo.
A advogada Priscila P�mela dos Santos, que defende mulheres v�timas de viol�ncia sexual, considera que o aumento no n�mero de casos na Justi�a reflete que cada vez mais v�timas est�o tomando conhecimento da lei.
Ainda assim, ainda h� vergonha de ir a uma delegacia de pol�cia dar queixa. "Elas se sentem culpadas, mas a culpa � deles", afirma Santos, que diz ter clientes em tratamento psicol�gico por causa do trauma pela importuna��o.
Mesmo com o amparo policial e jur�dico existente, � comum v�timas que n�o sabem o que fazer na hora ou se d�o conta da viol�ncia depois, como explica a delegada Ferrari.
Outras vezes, n�o conseguem denunciar o caso porque o agressor, desconhecido, sumiu.
Foi o que aconteceu com a atriz Gal Spitzer, 40. No �ltimo dia 29 de julho, como faz em todo fim da apresenta��o da pe�a "Ex Bom � Exumado", em cartaz no Teatro Ruth Escobar, na Bela Vista, sentou-se com o elenco no palco para que pessoas da plateia pudessem fazer selfies. At� que um casal subiu e o homem "deixou a m�o descer pelas suas costas" quando se aproximou dela para a foto.
"Na hora travei e fiquei constrangida pela mulher dele", conta a atriz. "Encolhi e tirei sua m�o. Mesmo assim ele deitou a cabe�a em cima da minha para fazer a selfie."
Gal se recolheu em sil�ncio no camarim depois e diz que apenas a t�cnica de som da pe�a percebeu a importuna��o. Ela s� tornou a hist�ria p�blica tr�s dias depois, quando publicou um v�deo em suas redes sociais contando o que havia acontecido.
"Achei que era minha responsabilidade com as pessoas que me acompanham", afirma a atriz sobre o v�deo.
Um delegado de Sorocaba (a 99 km de SP) assistiu � grava��o e procurou a atriz, aconselhando que ela desse queixa de importuna��o sexual. Mas ela n�o sabe quem � o homem que praticou o crime.
Especialistas afirmam que quando v�m a p�blico casos como o que envolveu o cantor MC Guim� e o lutador Cara de Sapato, expulsos da �ltima edi��o do BBB 23 (Big Brother Brasil) por suspeita de importuna��o sexual —e que foram parar na pol�cia—, encorajam den�ncias de pessoas comuns.
"Mulheres n�o devem ter vergonha de registrar boletim de ocorr�ncia, porque a pol�cia vai atr�s", orienta a delegada.
Bares devem acolher v�timas
No in�cio de agosto, o governo estadual lan�ou o protocolo "N�o se Cale", em que estabelecimentos, como bares e restaurantes, dever�o prestar aux�lio a pedidos de socorro ou suspeita de ass�dio, viol�ncia ou importuna��o sexual.
A solicita��o de ajuda poder� ser feita tanto verbalmente quanto em gesto com as m�os.
De acordo com o protocolo, profissionais que ser�o capacitados no estado dever�o acolher a v�tima em espa�o reservado e seguro –longe do agressor–, oferecer acompanhamento at� o carro da pessoa ou ve�culo por ela acionado para sair do local.
Caso haja necessidade, a pol�cia ou socorro m�dico poder�o ser acionados, respeitando a decis�o da v�tima.
Entenda os crimes
Estupro
- O que �: Constranger algu�m, mediante viol�ncia ou grave amea�a, a ter conjun��o carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso (art. 213 do C�digo Penal e lei 20.015 de 2009)
- Pena: Reclus�o de 6 a 10 anos
Importuna��o sexual
- O que �: Praticar contra algu�m e sem a sua anu�ncia ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a pr�pria lasc�via ou a de terceiro (art. 215-A do C�digo Penal e lei nº 13.718, de 2018); diferentemente do crime de estupro, nos casos de importuna��o n�o h� rela��o sexual, mas a pr�tica de qualquer ato libidinoso contra a v�tima
- Pena: Reclus�o de 1 a 5 anos, se o ato n�o constitui crime mais grave
Ass�dio sexual
- O que �: Constranger algu�m com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condi��o de superior hier�rquico ou ascend�ncia inerentes ao exerc�cio de emprego, cargo ou fun��o (art. 216-A do C�digo Penal e lei nº 10.224, de 2001)
- Pena: Deten��o de 1 a 2 anos
Gesto para pedir ajuda
- Palma da m�o aberta e voltada para fora
- Dobrar o polegar ao centro da palma
- Fechar os outros dedos sobre o polegar, em refer�ncia a situa��es de amea�a ou coa��o
Como denunciar
- No caso de urg�ncia, ligue para o 190
- Se preferir, procure uma Delegacia de Defesa da Mulher
- Para atendimento multiprofissional, em S�o Paulo, v� a Casa da Mulher Brasileira (r. Vieira Ravasco, 26, Cambuci, tel.: 3275-8000) — local funciona 24 horas todos os dias. A mulher tem acesso a delegacia, Minist�rio P�blico, Tribunal de Justi�a e alojamento provis�rio se n�o puder voltar para casa.
- Na Ouvidoria das Mulheres, por meio de um formul�rio online.
- Projetos como Justi�a de Saia, MeTooBrasil e Instituto Survivor d�o apoio jur�dico e psicol�gico para as mulheres v�timas de abuso e viol�ncia dom�stica
Fontes: C�digo Penal e Pol�cia Civil de S�o Paulo