
O Minhoc�o � um dos pontos mais famosos de S�o Paulo. Uma via elevada que serpenteia o centro da cidade, desenhando um caminho entre pr�dios populosos, e faz parte do sistema que conecta o leste ao oeste da cidade.
O nome oficial da via � Elevado Presidente Jo�o Goulart. Mas as pessoas preferem cham�-lo pelo apelido, Minhoc�o, uma refer�ncia � lenda de um ser m�tico gigante que vagava por florestas da Am�rica do Sul.
Por mais que domine a cidade pelo seu tamanho, o Minhoc�o tamb�m abriga um n�mero crescente de pessoas.
Abaixo da via elevada, cada vez mais fam�lias sem-teto erguem suas tendas, expulsas das suas casas pelo aumento dos alugu�is.

Muitos outros t�m de se contentar com cobertores que lhes s�o entregues pela prefeitura.
No inverno, fica mais dif�cil a cada dia.
As autoridades de S�o Paulo estimam que cerca de 34 mil pessoas estejam dormindo nas ruas em 2023, enquanto n�meros da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) estimam em cerca de 50 mil.
A popula��o sem-teto aumentou mais de 31% desde a pandemia e o n�mero de fam�lias que dormem na rua aumentou 111% no mesmo per�odo, segundo a prefeitura.
Com um n�mero crescente de pessoas precisando de ajuda, as estrat�gias tradicionais de cozinhas comunit�rias e abrigos est�o aqu�m do esperado.
Portanto, este ano a cidade apresentou uma nova solu��o tempor�ria: a microcasa.

A primeira vila de microcasas foi constru�da pr�xima �s margens do Rio Tiet�, no bairro do Canind�, na zona norte da capital Paulista.
Lar de uma das primeiras favelas de S�o Paulo, hoje o local abriga cerca de 20 fam�lias, cada uma morando em uma caixinha que parece um cont�iner e mede 18 m².
Uma pra�a com um parquinho para crian�as d� um ar comunit�rio ao local. As crian�as brincam enquanto os pais, sentados em bancos, as observam.
O objetivo � construir mil casas desse tipo em toda a cidade at� o final do ano, abrigando 4 mil pessoas.

“� uma forma de cuidar das pessoas a partir do conhecido conceito internacional housing first (moradia primeiro, em tradu��o livre), oferecendo habita��o como o primeiro passo para ajud�-las a se reerguerem”, explica Carlos Bezerra J�nior, secret�rio de Assist�ncia e Desenvolvimento Social da Prefeitura de S�o Paulo, respons�vel pelo projeto.
Daniela Martins, de 30 anos, apresenta sua microcasa.
Ela divide a cama de casal com o marido Rafael, de 32 anos, e a filha Sofia, de 4 anos. Na parede oposta, h� um ber�o para o beb� Henri, de 3 meses.
A cozinha de canto tem um pequeno fog�o, uma pia e uma geladeira. Ao lado, fica um banheiro simples.
A pandemia de covid-19 atingiu duramente a fam�lia. Rafael perdeu o emprego como vendedor e o trabalho de Daniela como faxineira acabou.

Eles viveram em um abrigo por oito meses antes que essa oportunidade surgisse.
“Este � um lugar onde estamos tentando voltar a viver em sociedade, a sermos humanos de novo, sabe?”, diz Rafael. “Queremos apenas uma vida normal. Muitos empregadores pensam que as pessoas que vivem em abrigos s�o pessoas m�s”.
O estigma que acompanha a perda de uma casa torna muito mais dif�cil a recupera��o de uma fam�lia, dizem especialistas de institui��es de caridade para moradores de rua.
“Tradicionalmente, quem vive nas ruas � em sua maioria homens, com alguns problemas mentais e familiares”, diz Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de S�o Paulo.
“Agora, estamos falando de fam�lias inteiras vivendo nas ruas. Ent�o, claramente a quest�o � habita��o. E a ideia de que a administra��o municipal est� se mobilizando para abordar o tema � uma boa not�cia”.

No entanto, diz ela, as microcasas n�o s�o a solu��o perfeita.
“H� muitas cr�ticas ao formato, � concentra��o de casinhas agrupadas no mesmo local, formando guetos”, explica.
Ela critica a falta de planejamento urbano e pensa que poderia ser feito um melhor uso das habita��es j� existentes — muitas vezes abandonadas —, para torn�-las tamb�m habit�veis.
O Brasil � um pa�s famoso por sua desigualdade e imensas favelas. Mas mesmo nelas — grandes �reas de habita��es improvisadas constru�das frequentemente por posseiros — tornaram-se inacess�veis para muitos.
“Claro que � gr�tis para o primeiro que ocupa, mas n�o � gr�tis para o segundo, para o terceiro ou para o 10º”, afirma Raquel Rolnik, referindo-se � moradia nas favelas.
“Eles tamb�m se baseiam em atividades comerciais – uma atividade que fornece o que n�o � entregue no mercado formal. E isso num contexto de total aus�ncia de uma pol�tica habitacional”.

A segunda maior favela de S�o Paulo chama-se Parais�polis, nome que a moradora Eliane Carmo da Silva, que mora em um quarto apertado com mofo crescendo nas paredes, considera ir�nico.
A casa dela fica num pequeno beco fora da avenida principal, no piso t�rreo, com pelo menos mais dois andares constru�dos de maneira improvisada acima dela.
Eliane e o marido pagam R$ 350 por m�s por um espa�o suficiente para abrigar uma cama de casal, um fog�o e uma geladeira.
Esse valor � mais do que eles podem pagar atualmente. A neta deles, Rennylly Victoria, tem uma doen�a card�aca, e o pouco que ganham vai para a medica��o que a mant�m viva.
Embora o propriet�rio seja compreensivo, est� cada vez mais dif�cil sobreviver, apesar de receberem alimentos e ajuda de institui��es de caridade locais.
“Este m�s, tivemos que usar o dinheiro do aluguel para comprar os rem�dios”, explica Eliane, acrescentando: “Nunca vou deix�-la morrer”.
Ela tamb�m n�o deixar� sua ambi��o morrer. “No momento, pagar o aluguel n�o nos permitiria sobreviver. Sem doa��es, as coisas seriam incrivelmente ainda mais dif�ceis”, diz ela.
"Meu sonho � ter minha pr�pria casa, � claro - trabalhar para ganhar dinheiro e avan�ar."