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Estado de Minas AMAZ�NIA

Comunidades driblam a seca morando em canoas

Estiagem extrema ao longo do Rio Negro tem provocado deslocamentos de fam�lias para viver em barcos ancorados em bancos de areia no leito do rio


19/10/2023 04:00
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 Carlos Silva, Pescador
"A gente s� vai em casa para pegar farinha, quando est� acabando, vasilhas e cuidar das galinhas e dos cachorros. A volta para l� � s� quando o rio encher. Isso deve ser fim de novembro, come�o de dezembro" Carlos Silva, Pescador, mora em canoa-casa




Novo Air�o (AM) – Na borda de um dos maiores arquip�lagos fluviais do mundo, fam�lias ribeirinhas inteiras se mudaram para dentro de canoas para ficarem mais perto de �gua. A seca extrema nesse ponto da Amaz�nia, que deixou o Rio Negro num n�vel nunca visto na hist�ria recente, vem produzindo deslocamentos for�ados e modos de vida e habita��o inimagin�veis para um lugar t�o �mido e t�o marcado por cursos d’�gua em tempos normais.
 
O arquip�lago fluvial de Anavilhanas, entre Manaus e Novo Air�o (AM), tem mais de 400 ilhas e 60 lagos, no curso do rio Negro. Segundo t�cnicos do Instituto Chico Mendes de Conserva��o da Biodiversidade (ICMBio), que administra o Parque Nacional de Anavilhanas, � o segundo maior arquip�lago do tipo no mundo.
 
A seca hist�rica provoca impactos diretos no arquip�lago. Produz mais ilhas e bancos de areia, drena a �gua, altera a paisagem, faz desaparecerem igarap�s e isola comunidades ribeirinhas. S�o 54 em torno do parque, vivendo principalmente da pesca de subsist�ncia no arquip�lago.
 
A reportagem esteve no arquip�lago na ter�a-feira e constatou que, al�m de todos esses efeitos, a estiagem extrema vem provocando deslocamentos de fam�lias em dire��o � �gua. Grandes canoas ancoradas em bancos de areia viraram casas, um modo de vida que j� dura meses para algumas fam�lias – e que deve durar at� dezembro, segundo a previs�o dos pr�prios ribeirinhos.
 
As canoas-casas est�o a uma hora de barco de Novo Air�o. A reportagem encontrou oito fam�lias vivendo dessa forma. "Eu nunca morei assim, em canoa", afirma Carlos Alberto da Silva, 53, um dos moradores de uma das embarca��es. "Essa � a pior seca. Antes a �gua entrava at� perto da comunidade."
 
As fam�lias que se mudaram para os barcos de madeira, cobertos com uma estrutura com lona, s�o da comunidade Renascer, que est� a mais de quatro quil�metros em linha reta do banco de areia que virou o novo endere�o dos ribeirinhos. A comunidade ficou isolada com a descida do rio. � alcan�ada por pequenas embarca��es, mas em percursos que duram horas. Os moradores ficaram sem acesso a �gua e sem boas condi��es para o deslocamento para a pesca de jaraqui e tucunar�. Por isso, a solu��o encontrada foi se mudarem para canoas encalhadas em bancos de areia na borda do arquip�lago fluvial de Anavilhanas.
 
As fam�lias que t�m casas mais distantes na comunidade – e, portanto, mais isoladas, desde o momento zero da estiagem prolongada – est�o h� mais tempo nas canoas, h� mais de dois meses. O pescador Carlos Silva est� h� um m�s com a fam�lia na canoa que virou sua casa. Ele, a mulher, um enteado, a esposa e tr�s crian�as dormem em redes na canoa.
 
A �gua que consomem � pot�vel, fruto de uma doa��o. Mas nem sempre foi assim. Antes eles consumiam a �gua do pr�prio rio Negro, sem filtragem ou tratamento. Como a �gua pot�vel est� acabando, os gal�es devem ser reabastecidos novamente no Negro. "A gente s� vai em casa para pegar farinha, quando est� acabando, vasilhas e cuidar das galinhas e dos cachorros", diz Silva. "A volta para l� � s� quando o rio encher. Isso deve ser fim de novembro, come�o de dezembro."
 
Em outras secas, a fam�lia improvisou um barraco na boca do canal que conduz � comunidade. Desta vez, o rio desceu tanto que foi necess�rio transformar canoas em casa, para proximidade ao curso d’�gua. Uma filha de Silva vive em outra canoa, distante 20 minutos de caminhada pelo banco de areia que surgiu. A embarca��o que ela ocupa � ladeada por outras tr�s canoas-casas. Na ter�a-feira, ela foi at� a comunidade para uma recarga no celular. Ontem, estava previsto um novo deslocamento, at� Novo Air�o, para recebimento do Bolsa Fam�lia – por isso h� a necessidade do celular carregado.


O deslocamento at� a comunidade, feito uma ou duas vezes ao m�s, exige quase um dia inteiro dos ribeirinhos. Eles saem cedo, por volta das 8h, e chegam de volta �s canoas por volta das 15h. "Em casa, tinha �gua limpa at� ali perto. Mas tenho medo de que algu�m adoe�a l� e a gente n�o conseguir sair", afirma Silva. Plaquinhas de energia solar, doadas � fam�lia garantem um ponto de luz na canoa. As crian�as fazem tarefas escolares entregues por um barqueiro que as recolhe na escola na comunidade.
Cacimbas

A seca impacta pequenas e grandes comunidades ribeirinhas que vivem da simbiose com o arquip�lago. � o caso da comunidade Sobrado, que fica a 40 minutos de barco de Novo Air�o, entre a cidade e os bancos de areia onde est�o as canoas usadas como casas. O igarap� aos fundos secou, e h� moradores vivendo a uma dist�ncia de mais de cinco quil�metros do ponto central da comunidade. O Rio Negro, � frente, j� n�o oferece condi��es de banho.
 
Fam�lias recorrem a cacimbas para tentar extrair �gua com m�nimas condi��es de uso. Essas cacimbas s�o estruturas de madeira em forma de quadrado pr�ximas a olhos d’�gua, de forma a represar a �gua e barrar sedimentos.
 
Boa parte de Sobrado, onde vivem 129 fam�lias, � servida com um po�o artesiano. Mas j� come�a a faltar �gua no po�o. "Quem mora em igarap� usa cacimba todo ano. Nem todo mundo tem po�o, e tem mais gente usando cacimba na seca deste ano", diz Aldeni Teixeira da Silva, 38, integrante da Associa��o dos Produtores Agr�colas da Comunidade do Sobrado e guia de turismo. "Nunca teve seca como esta. Apareceu uma praia no meio do rio que nunca aparecia. O que era canal virou praia. A gente nunca imaginava isso", afirma Teixeira. O que resta de �gua no igarap� est� impr�prio para uso. S�o po�as de �gua parada, carregada de sedimentos, com peixes em decomposi��o, f�tida.
 
A seca impacta a rotina no Parque Nacional de Anavilhanas. Passaram a ser mais frequentes atividades ilegais como pesca esportiva e ca�a de quel�nios, em raz�o da maior facilidade de captura desses animais. "Todas as comunidades est�o com dificuldade de acesso a �gua pot�vel", afirma Enrique Salazar, analista ambiental do ICMBio em Anavilhanas. "Quem tem po�o est� com �gua barrenta."


N�vel mais baixo

Novo Air�o est� a 200 km do centro de Manaus. As duas cidades s�o banhadas pelo Rio Negro. Na �ltima segunda-feira, um recorde foi batido: o rio atingiu seu n�vel mais baixo na capital, 13,59 m, em 120 anos de medi��o pelo Porto de Manaus. E o rio segue vazando, uma mostra do prolongamento da seca. Ontem, a medi��o apontava um n�vel de 13,38 m.
 
A estiagem extrema, mais duradoura e sem previsibilidade, vai prolongar a perman�ncia da fam�lia de Silva e de outras fam�lias nas canoas ancoradas em bancos de areia na borda de Anavilhanas. Jean, 14, um dos filhos de Silva, � um dos moradores da canoa. Ele passa os dias nos bancos de areia.
 
"Voc� prefere morar na comunidade ou aqui na praia, na canoa?", pergunta o rep�rter.
"Aqui", ele responde.
"Por qu�?"
"Porque l� � triste", diz o adolescente.
"E por que � triste?"
"Porque n�o tem ningu�m”.  (Folhapress)






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