Angela Biscouto
Consultora pedag�gica do Sistema de Ensino Aprende Brasil
Como ser� a escola brasileira quando a pandemia passar? Estaremos melhor preparados caso novas pandemias apare�am no futuro, daqui a cinco ou 20 anos? � dif�cil n�o tentar adivinhar de que formas absorveremos os impactos e as li��es deste momento t�o complexo para a educa��o brasileira. No entanto, em termos de educa��o, nenhuma transforma��o � r�pida ou indolor. As feridas abertas por tantas adapta��es e tantas perdas ao longo do �ltimo ano ainda n�o est�o sequer fechadas. Sua cicatriza��o � ainda um horizonte distante e ser� preciso pensar primeiro no presente que ainda persiste, antes de nos debru�armos sobre o futuro hipot�tico.
� justo lembrar que nenhum dos problemas enfrentados hoje pelas escolas deste pa�s � novo. O que a pandemia fez foi salientar as quest�es estruturais deficit�rias com as quais a escola brasileira sempre conviveu. Principalmente – mas n�o apenas – a escola p�blica. E, mesmo dentro da escola p�blica, muitas realidades distintas se sobrep�em. Para quem trabalha com educa��o, nada disso � novidade. No entanto, h� mais de um ano, esses problemas saltaram os muros das escolas e ficaram expostos ao restante da sociedade, que foi convocada a olhar para essas condi��es. A atual circunst�ncia pode gerar dois tipos de rea��o: 1) reconhecer as imperfei��es e tentar entender como � poss�vel minimiz�-las; ou 2) simplesmente apontar os erros, sem propor poss�veis maneiras de repens�-los.
Um dos tra�os mais marcantes desta pandemia � a capacidade de nos fazer refletir sobre a imperman�ncia de tudo aquilo que consider�vamos garantido. Uma constata��o, ali�s, j� preconizada por Zygmunt Bauman e sua modernidade l�quida: a �nica const�ncia � a inconst�ncia. As respostas n�o s�o certas na vida contempor�nea. Isso n�o se deve apenas � pandemia e se aplica a todos os aspectos de nosso cotidiano, inclusive � educa��o.

Fala-se muito, h� muito tempo, sobre revolu��o educacional. Dizem que � preciso mudar a educa��o, que precisamos de grandes mudan�as. Pois bem, essas grandes mudan�as chegaram. Mas as grandes mudan�as provocam inc�modo, levam tempo e demandam muito trabalho. Isso posto, todos os elementos envolvidos na forma��o de nossos jovens precisam considerar essa condi��o. A forma��o docente precisa olhar para essas incertezas; a organiza��o do espa�o f�sico deve compreender possibilidades antes desnecess�rias; a proposta curricular tem de identificar de que formas os diferentes saberes podem ser trabalhados em circunst�ncias diversas. Embora a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) fale sobre isso, nunca antes foi t�o urgente vivenciar essas reflex�es para que a escola esteja cada vez mais consonante com a multiplicidade que se apresenta.
Nesse cen�rio, construir pol�ticas p�blicas � parte de um processo muito mais profundo. Nossas crian�as apresentar�o marcas deste per�odo que est�o passando fora da escola. Ent�o, qualquer esfor�o precisar� contemplar essas cicatrizes. Quanto mais autonomia a escola tiver para lidar com suas pr�prias necessidades, melhor. Na pesquisa Vozes docentes, realizada pela rede Conectando Saberes, 97% dos professores afirmam que gostariam de participar da constru��o de pol�ticas p�blicas de seus munic�pios. Isso acontece porque h� quest�es que s�o muito particulares de cada um dos rinc�es do Brasil. H� que se rever pontos como merenda escolar, transporte, perman�ncia desses alunos na escola. N�o se trata apenas de evitar que eles evadam ou que percam um ou dois anos letivos, mas, principalmente, de garantir uma aprendizagem efetiva e de qualidade. Antes de desenhar pol�ticas para uma futura pandemia, � fundamental olhar para a pandemia atual. Tentar entender que segmentos da legisla��o e da documenta��o escolar n�o cabem em uma escola que se depara com o inesperado e, assim, agir juntos, como sociedade, para melhorar essas especificidades.
� uma caracter�stica da educa��o desconstruir-se e reconstruir-se continuamente. Por isso, uma das maiores armadilhas neste momento � imaginar que, quando tudo passar, nossos alunos voltar�o a viver a escola que viviam antes de 2020. Aquela escola n�o existe mais. Talvez o mais importante seja entender que o que estamos vivenciando n�o � uma sala de espera para um futuro p�s-pand�mico, mas uma realidade concreta. Havia um jeito de educar antes da pandemia, h� um jeito de educar agora, e haver� um terceiro jeito de educar no amanh�.
Talvez seja preciso entender que, caso essa situa��o se repita no futuro, novamente n�o saberemos como agir. Porque seremos outros, o cen�rio ser� outro. E, se n�o podemos preparar uma mochila de emerg�ncia, podemos estar mais abertos a uma escuta ativa, um olhar comprometido, uma escolha atenta e verdadeiramente emp�tica. Essa atitude pode servir para uma pr�xima pandemia, mas tamb�m para receber os alunos de volta amanh� ou depois. Se, como disse Bauman, n�o h� certezas, precisamos estar preparados para agir com o cora��o pleno, mesmo na incerteza.