Governos passam, o Estado e as institui��es ficam. Esse preceito, por si s�, j� deveria bastar para impedir o presidente da Funda��o Palmares, S�rgio Camargo, de banir 5,3 mil livros da institui��o, mais da metade do acervo da entidade. O dirigente se d� o direito de fazer sua cruzada ideol�gica para censurar autores cl�ssicos respeitados e a diversidade cultural t�o necess�ria para qualquer pa�s democr�tico, sem fazer ampla consulta � sociedade civil. Pelas redes sociais, S�rgio Camargo vem usando o termo “livramento” para justificar sua decis�o de doar obras que, segundo ele, passaram por “rigorosa avalia��o”, e cont�m “domina��o marxista” e “pervers�o sexual”.
N�o s�o apenas livros de autores considerados de esquerda, como Karl Marx, Antonio Gramsci, Eric Hobsbawm, Nelson Werneck Sodr� e Caio Prado Jr que est�o na mira. H� tamb�m obras de outros autores importantes, como o soci�logo e economista alem�o Max Weber – um dos maiores intelectuais da hist�ria –, o economista brasileiro Celso Furtado, o escritor brit�nico H.G. Wells e o autor russo Nikolai G�gol e sua obra-prima “Almas mortas”, um dos maiores cl�ssicos da literatura mundial.
Na quarta-feira, o juiz Erik Navarro Wolkart, da 2ª Vara Federal de S�o Gon�alo (RJ), concedeu liminar a uma a��o popular movida pelo advogado Paulo Henrique Lima, militante de movimento negro e de um coletivo da Universidade Federal Fluminense, e determinou que Camargo n�o fa�a a doa��o dos livros, sob pena de multa de R$ 500 para cada item doado. O magistrado foi claro: a decis�o do presidente da Palmares deve passar “por uma discuss�o mais ampla e plural”, porque pode haver “les�o irrepar�vel aos valores das comunidades negras e da sociedade brasileira como um todo”.
O juiz afirmou tamb�m, com argumentos exemplares: “A multiplicidade de pensamentos, ideias e opini�es, ainda que diametralmente opostas, serve para a constru��o de uma sociedade reflexiva, plural, questionadora e inclusiva, cabendo a cada leitor examinar tudo e reter o que entender pertinente, ap�s uma an�lise cr�tica a respeito. Livros e escritos pertencem mais a quem os l� do que aos pr�prios autores ou detentores dos volumes. Para tanto, livre acesso � vasta cole��o de obras parece fundamental”.
Mesmo assim, S�rgio Camargo insiste e diz que vai recorrer: “A Palmares apresentar� recurso contra a liminar. Caso seja vitoriosa, far� a doa��o das obras marxistas, bandid�latras, de pervers�o sexual e de bizzarias (sic). Descobertas ap�s triagem no acervo, tais obras contrariam e corrompem a miss�o institucional da funda��o, definida por lei”, escreveu ele em seu perfil no Twitter.
Essa “queima” de livros que Camargo quer fazer tem tristes precedentes na hist�ria da humanidade, desde tempos remotos, como o inc�ndio da c�lebre biblioteca de Alexandria, no Egito, a destrui��o de manuscritos astecas e maias durante a coloniza��o da Am�rica e os ataques da Inquisi��o espanhola. E a pr�pria literatura tamb�m denuncia essa atrocidade. Tr�s obras referenciais tratam de livros queimados: o cl�ssico “Dom Quixote” (Miguel de Cervantes), “Fahrenheit 451” (Ray Bradbury) e “O nome da Rosa” (Umberto Eco). Todas essas obras ficar�o para a posteridade, para o bem da sociedade.