Andrey Albuquerque Mendon�a
Professor de humanidades digitais, filosofia,
cultura, consumo e religi�o na ESPM-SP
O Natal �, certamente, a festividade mais importante do cristianismo. Considerando os n�meros atuais, podemos dizer que uma em cada quatro pessoas que vivem em nosso planeta de 8 bilh�es de habitantes � crist� e, portanto, celebra a data. Embora lembremos que, nem entre os crist�os, a data � um consenso, pois os ortodoxos celebram entre os dias 5 e 6 de janeiro, enquanto a data mais conhecida seja 25 de dezembro.
Hoje, sabemos que a festa pouco tem de crist�, e menos ainda possui liga��o com o Sul Global. Religi�es pr�-crist�s celebravam o solst�cio de inverno e o deus Sol ao final de dezembro, na esperan�a de que o inverno n�o fosse eterno e, em seguida, a primavera trouxesse o renascimento da vida. Logo, como no hemisf�rio sul, saudamos a chegada do ver�o com diversos s�mbolos natalinos tradicionais, como Papai Noel, �rvores enfeitadas, frio, lareiras, entre outros, que n�o fazem sentido em nossa realidade clim�tica.
Contudo, se nos afastarmos dos dogmas e discuss�es religiosas, podemos pensar numa espiritualidade, fora da institui��o, que nos d� um sentido para celebrar o Natal, neste e nos pr�ximos anos. Penso que a primeira intui��o natalina � que a vida pode ser uma d�diva, um presente. E, qui��, possamos reclamar menos a respeito do que nos falta e ser mais gratos pelo que temos. Dessa forma, poder�amos iluminar nossa vis�o, por vezes emba�ada pelo narcisismo, enxergar nossos privil�gios e, ao mesmo tempo, o desamparo em que se encontram milh�es de pessoas. Iguais a n�s perante a lei, mas desprovidas da humanidade que nos sobra e que poder�amos compartilhar.
A segunda intui��o a respeito da espiritualidade natalina versa sobre o bin�mio abund�ncia e escassez. � comum, nesta �poca do ano, vermos lojas, magazines, mercados e as vendas por canais digitais dispararem. Sair para fazer compras, em geral, se torna uma aventura estressante, pois muitos detalhes devem ser preparados com aten��o.
Enfeites, presentes, comida e bebida fartas numa bela mesa tornaram-se s�mbolos importantes numa era de hiperconsumo (termo cunhado pelo fil�sofo franc�s Gilles Lipovetsky).
Todavia, na atual crise econ�mica enfrentada pela maior parte da popula��o brasileira, a imagem de abund�ncia n�o passa de uma vaga lembran�a. N�o necessariamente do que se viveu, apenas do que se viu em campanhas publicit�rias veiculadas nos aparelhos de televis�o que ficam � mostra em nossas cidades. Dados do segundo inqu�rito nacional sobre seguran�a alimentar, em 2022, apontam que 33 milh�es de brasileiros e brasileiras vivem em situa��o de fome. Para essas pessoas n�o haver� Papai Noel, presentes ou ceia, restar� apenas a desola��o causada pela fome.
Se o Natal n�o recuperar em n�s a esperan�a de uma sociedade mais justa, se n�o despertar em n�s solidariedade e compaix�o, se n�o retirar de nossos olhos o v�u do narcisismo, quaisquer tra�os de espiritualidade morrer�o. Se � verdade que o nascimento de uma crian�a palestina, h� 2 mil anos, reuniu o humano, o divino e a natureza (representados no pres�pio), quem sabe haja Natal.