Regina Beatriz Tavares da Silva
P�s-doutora em direito da bio�tica pela Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, doutora e mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de S�o Paulo. Fundadora e presidente da Associa��o de Direito de Fam�lia e das Sucess�es (ADFAS).
Colabora��o de Emily Costa Diniz, bacharelanda em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de S�o Paulo e associada da ADFAS
ecente e espantosamente, um c�o foi nomeado pela Se��o de Minas Gerais da Ordem dos Advogados do Brasil para o cargo de diretor de uma coordenadoria dessa entidade. A nomea��o est� registrada na Portaria 22/2023, assinada pela presidente da Comiss�o de Direito Animal (CDA) da OAB/MG.
Por mais curiosa que possa parecer a decis�o da OAB/MG, hoje em dia h� quem entenda que pets podem ter os mesmos direitos que t�m os humanos, com natureza jur�dica diferente daquela que sempre foi dada aos animais – de estima��o ou n�o. Chega-se ao c�mulo de falar-se em “fam�lia multiesp�cie”, ou seja, fam�lia de v�rias esp�cies, formada por pessoas humanas e animais de estima��o.
H�, inclusive, projeto de lei que considera a comunidade formada por seres humanos e seus animais de estima��o como entidade familiar (PL 179/2023, de autoria do deputado Matheus Laiola – Uni�o-PR, em tramita��o na C�mara dos Deputados).
Em nosso ordenamento jur�dico atual animais se enquadram na categoria de bens m�veis dotados de movimento pr�prio, isto �, s�o diferentes das coisas em geral porque t�m vida e se movem com suas pr�prias for�as, como regula o C�digo Civil (CC, art. 82). Por esse motivo, os animais de estima��o n�o s�o dotados de personalidade jur�dica, embora mere�am toda a prote��o, como manda a Constitui��o Federal de 1988 (art. 225, inciso VII) e estabelece a Lei 9.605/1998, alterada pela Lei 14.064/2020, inclusive proibindo os maus tratos, que s�o considerados crime inafian��vel, com pena de reclus�o de 2 a 5 anos.
Importante reiterar que aquele movimento pela fam�lia multiesp�cie chegou ao ponto de nomear-se um pet como presidente de uma coordenadoria do �rg�o que regula as atividades da classe advocat�cia, a OAB, no caso a se��o de Minas Gerais. Algo que choca quem tenha ou n�o conhecimento jur�dico, porque animal n�o raciocina e n�o fala, de modo que n�o ter� como tomar decis�es na Comiss�o dessa Se��o da OAB.
Mas, o que vale � o bom senso do Poder Judici�rio, como se v� em ac�rd�o recente, do final de 2022, quando a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justi�a (STJ), ao julgar sobre o prazo para que um tutor ou dono de um animal de estima��o promovesse a a��o contra o ex-c�njuge, para obter o aux�lio no pagamento de suas despesas, considerou que os pets n�o se equiparam � pessoa humana.
Essa n�o � primeira vez que os tribunais julgam casos em que o animal de estima��o permanece com um dos membros do ex-casal, que busca aux�lio do outro, ou, mesmo, a��es em que aquele que n�o fica com o pet procura a Justi�a para ver e ter o animal de sua estima em sua companhia em certos dias da semana. O primeiro ac�rd�o do STJ sobre animais de estima��o � de 19/06/2018, tendo como caso o direito de visitas a pets em separa��o de um casal.
Os tribunais consideram, via de regra, que os animais de estima��o devem continuar a conviv�ncia com as duas pessoas que formaram um casal e adotaram ou adquiriram o animal de estima��o, porque ambos t�m afei��o pelo pet, assim como devem ser sustentados por quem tem melhores condi��es financeiras, mesmo que o pet fique na companhia do outro.

Os debates sobre esse tema ocorrer�o no 5º Congresso Internacional da ADFAS que reunir� palestrantes nacionais e da pen�nsula ib�rica, com interessantes compara��es entre o sistema jur�dico brasileiro e os de outros pa�ses.
No caso julgado no final de 2022 pelo STJ, ap�s mais de quatro anos da separa��o de um casal, a ex-companheira, que permaneceu com a posse dos seis c�es adquiridos durante a uni�o est�vel, pleiteou indeniza��o pelos gastos que teve com os pets ap�s a dissolu��o da rela��o amorosa, bem como aux�lio monet�rio mensal para o custeio das futuras despesas cotidianas.
Formou-se relevante precedente no sentido de que a rela��o entre os donos ou tutores e os animais de estima��o est� inserida no direito de propriedade. Todos os ministros consideraram que os animais de estima��o t�m natureza na lei de bens semoventes, mas as diverg�ncias se deram quanto ao fundamento da pretens�o reparat�ria, se na veda��o ao enriquecimento il�cito ou se no direito de propriedade, o que impacta em diferentes prazos prescricionais.
Votaram vencidos pela aplica��o do prazo prescricional de 10 anos o ministro Ricardo Villas B�as Cueva, relator original, e a ministra Nancy Andrighi. O voto vencedor, pela aplica��o do prazo prescricional de tr�s anos, foi proferido pelo ministro Marco Aur�lio Bellizze, relator para o ac�rd�o, acompanhado dos ministros Moura Ribeiro e Paulo de Tarso Sanseverino.
Conforme o voto da ministra Nancy Andrighi, que considerou a copropriedade dos animais de estima��o ap�s a separa��o, o prazo prescricional para o ajuizamento da a��o seria de 10 anos (CC, art. 205), pois a pretens�o reparat�ria estaria baseada nos direitos de propriedade em condom�nio.
No entanto, nos termos do voto do ministro Marco Aur�lio Bellizze, designado como relator para o ac�rd�o, por ter pensamento igual ao da maioria de julgadores, foi entendido que, ap�s a separa��o de um casal, sem que seja regulada a destina��o dos animais de estima��o em escritura p�blica ou em senten�a judicial, a propriedade dos pets passa a ser exclusiva de quem fica com a sua posse. Por isto, foi aplicado o prazo prescricional de tr�s anos para a propositura da a��o indenizat�ria (CC, art. 206, § 3º, IV), uma vez que baseada no instituto do enriquecimento sem causa.
O mais importante � que, em sua fundamenta��o, todos os ministros entenderam n�o ser poss�vel aplicar ao caso a analogia com as normas do Direito de Fam�lia. Afastaram, portanto, a aplica��o do prazo prescricional de dois anos referente � a��o para receber presta��es alimentares em atraso (C�digo Civil, art. 206, § 2º).
Por�m, todos os ministros n�o descartaram a possibilidade de pedidos judiciais que se refiram ao sustento de animais de estima��o ap�s a dissolu��o de um casamento ou de uma uni�o est�vel. Assim, houve consenso no STJ quanto � compreens�o de que os animais de estima��o n�o s�o pessoas, tampouco equipar�veis � pessoa humana, embora mere�am uma prote��o especial, pois n�o s�o meras “coisas inanimadas”.