A poucos dias do an�ncio dos nomes da Comiss�o da Verdade respons�veis por desvelar os segredos guardados nos por�es da ditadura militar (1964-1985), um pouco das hist�rias escondidas pela repress�o foi trazido � luz por uma entrevista concedida em 1993 pelo general Ernesto Geisel ao Centro de Documenta��o e Pesquisa (CPDOC) da Funda��o Getulio Vargas (FGV). Quarto presidente a ocupar o Pal�cio do Planalto depois do golpe de 31 de mar�o de 1964, o "Alem�o" confirmou que o regime � �poca n�o s� praticava a tortura, como foi o respons�vel direto pelas mortes do jornalista Vladimir Herzog, em 1975, e do oper�rio Manuel Fiel Filho, em 1976. Geisel chegou a confirmar aos historiadores Maria Celina D’Ara�jo e Celso Castro que, ao contr�rio da vers�o oficial difundida � �poca, Fiel Filho foi, sim, morto por militares: "Num fim de semana, ele (o ent�o comandante do Ex�rcito em S�o Paulo, general Ednardo D’�vila Mello) n�o estava em S�o Paulo e mataram o oper�rio".
O material recolhido pelos pesquisadores, e que deve ser analisado pela Comiss�o da Verdade, re�ne mais de 36 horas de grava��es que tra�am um panorama da hist�ria recente do pa�s. Parte j� foi publicada no livro Dossi� Geisel, mas v�rios trechos permanecem in�ditos - como a confiss�o do assassinato de Fiel Filho pelo Ex�rcito. Maria Celina diz ao Estado de Minas que, mais importante do que os depoimentos dos comandantes militares coletados pela institui��o - que encerram um ciclo at� porque muitos morreram -, � avan�ar na reconstitui��o dos aparelhos de terror do Estado.
"Os militares, inclusive Geisel, defenderam a repress�o, mas o regime de terror de Estado teve participa��o ativa da m�dia e de empres�rios. Essa � a hist�ria que falta levantar. Espero que a Comiss�o da Verdade avance nesse sentido", pressiona Celina. Geisel, explica ela, tentou driblar e desmantelar a esquerda e a extrema direita durante o seu governo. "Teve �xito no primeiro combate, pois a esquerda se desmantelou, mas a extrema direita se manteve ativa e operante at� o atentado no RioCentro, em 30 de abril de 1981, durante o show do 1º de Maio", esclarece. Faltaria ouvir, portanto, empres�rios que est�o vivos e podem esclarecer o funcionamento das masmorras.
"A sociedade que participou dessa repress�o precisa e deve ser ouvida, como ocorreu na Alemanha p�s-Hitler e como ocorre hoje na Espanha em rela��o � ditadura de Franco." Celina est� convencida de que, assim, a hist�ria ser� resgatada e de que a anistia estar� em xeque e poder� ser revista. "O governo do general Jo�o Baptista Figueiredo foi o governo dos �rg�os de intelig�ncia e o texto da Lei de Anistia levou em conta essa realidade". A historiadora n�o v� esse resgate da mem�ria como sinal de revanche, mas como dever de Estado, em nome da verdade hist�rica.
Falta de comando
Maria Celina contou que n�o se surpreendeu na manh� de 1993, quando Geisel defendeu a tortura, porque "o fez em nome da corpora��o, do Ex�rcito". Descendente de alem�es, o general, que nasceu em Bento Gon�alves (RS) em 3 de agosto de 1907, teve forma��o luterana e guardava profundo respeito � hierarquia. Ao defender a tortura, tratou de dizer que um grupo de militares aprendeu as t�ticas na Inglaterra durante o governo de Juscelino Kubistchek de Oliveira e que, para evitar mal maior, a tortura se justificava. A confiss�o, dita em tom seco, tenta justificar a pr�tica ainda negada pelos militares, e ser� alvo da revis�o hist�rica da Comiss�o da Verdade. "Acho que a tortura em certos casos torna-se necess�ria, para obter confiss�es', defendeu Geisel aos pesquisadores.
O general, apesar de manter a vis�o corporativa da tropa, disse a historiadora, n�o se recusou a falar de temas cruciais, como as mortes, durante o seu governo, do jornalista Vladimir Herzog e do oper�rio Manuel Fiel Filho. Atribuiu os dois enforcamentos nas depend�ncias da repress�o em S�o Paulo � aus�ncia de comando e diz que o general Ednardo D’�vila Mello, do II Comando Militar em S�o Paulo, teria abandonado a tropa para atender a convites da alta sociedade de S�o Paulo. "Ele ia passear no fim de semana, fazendo vida social, e os subordinados dele, majores, faziam o que queriam. Ele n�o torturava, mas, por omiss�o, dava margem � tortura".
Confiss�es da caserna
Os depoimentos de generais, almirantes, brigadeiros, coron�is e tenentes tomados pelos pesquisadores do CPDOC/FGV deram origem aos livros Vis�es do golpe: a mem�ria militar sobre 1964; Os anos de chumbo: a mem�ria militar sobre a repress�o e A volta aos quart�is: a mem�ria militar sobre a abertura, todos coordenados e organizados por Maria Celina com Celso Castro e Gl�ucio Soares. J� trechos do depoimento do general Ernesto Geisel deram origem ao Dossi� Geisel, livro editado pela FGV, que est� esgotado. Apenas para pesquisadores, a FGV franquia o acesso aos depoimentos fonogr�ficos e � transcri��o completa do depoimento do general, morto em 1996. O testamento em que fala abertamente da vida pessoal e militar e de suas impress�es sobre o Brasil e a pol�tica foi revisado, p�gina por p�gina, pelo pr�prio general at� 1996, quando morreu em 12 de setembro, v�tima de c�ncer. A filha, Am�lia Lucy Geisel, tamb�m historiadora, foi quem deu aval para a FGV divulgar o documento.
Publicidade
Documentos revelam mortes � sombra dos militares 48 anos ap�s o Golpe Militar
Em trechos in�ditos de um depoimento hist�rico, o ex-presidente Ernesto Geisel defende a tortura e confirma que o Ex�rcito matou Vladimir Herzog e o oper�rio Manuel Fiel Filho
Publicidade
