Ana Clara Brant*
Diamantina – O brasilianista brit�nico Kenneth Maxwell, um dos maiores especialistas em Inconfid�ncia Mineira, j� esteve em praticamente todas as cidades hist�ricas de Minas Gerais, e chegou a morar durante tr�s meses em Ouro Preto, na d�cada de 1960. Mas faltava uma em especial no curr�culo: Diamantina, onde est� desde quinta-feira, j� que � um dos convidados do Festival de Hist�ria (fHist), que termina hoje. O trajeto entre Belo Horizonte e o antigo Arraial do Tijuco j� o encantou, sobretudo na chegada ao ber�o de JK e Chica da Silva. Mas o professor, que � fundador do Programa de Estudos do Brasil da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, n�o deixou de reparar nas condi��es da estrada e na dist�ncia. “� longe, n�? Imagine naquela �poca dos inconfidentes. Mas estou fascinado”, comentou. E n�o poderia haver lugar mais apropriado em Diamantina para uma conversa sobre Tiradentes, conspira��es e pol�tica. A convite do Estado de Minas, Maxwell foi conhecer a resid�ncia de um importante expoente da Inconfid�ncia: o diamantinense padre Rolim. Enquanto percorria o casar�o no n�mero 14 da Rua Direita, que hoje abriga o Museu do Diamante, Kenneth Maxwell, falou de suas impress�es sobre a cidade, a hist�ria e, sobretudo, a Inconfid�ncia Mineira e seu mais recente projeto, O livro de Tiradentes, que acaba de ser lan�ado pela Companhia das Letras e pela editora Penguin.
O que o senhor est� achando do Festival de Hist�ria?
� realmente muito interessante a iniciativa. O mais bacana � que estou tendo a oportunidade de conhecer pessoalmente v�rios pesquisadores e historiadores que s� conhecia por nome. E poder trocar ideias � extremamente prof�cuo tamb�m.
J� que estamos aqui na casa do padre Rolim, qual a relev�ncia dele para a Inconfid�ncia Mineira?
Ele foi importante para o movimento porque era um personagem importante para Diamantina e para o Distrito Diamantino. Era uma figura rica, bem relacionado na regi�o e muito ativo. Conseguiu arranjar muitos apoios por aqui. Mas ele escapou, foi procurado e, por causa disso, temos documentos que fazem uma descri��o f�sica do padre Rolim. O que � raro. N�o temos muitas informa��es nesse sentido dos inconfidentes. Temos esse relat�rio, como se fossem aqueles relat�rios da pol�cia para prend�-lo, e tem essa descri��o. Parece que ele tinha at� uma cicatriz no rosto, pelo que me lembro.
O senhor afirmou na sua confer�ncia inaugural no fHist que ap�s o trabalho de O livro de Tiradentes, a Inconfid�ncia Mineira se tornou at� mais importante que quando o senhor publicou A devassa da devassa. Por qu�?
J� escrevi alguns livros sobre o assunto e, nesse novo, tive que buscar documentos na Fran�a, Inglaterra, Espanha, Portugal e descobrir todas as liga��es entre eles. � bem diferente do que foi A devassa da devassa, que est� completando 40 anos. Nesse novo livro, contei com v�rias pessoas, estudantes, pesquisadores como Bruno Carvalho, que est� aqui em Diamantina (um dos organizadores de O livro de Tiradentes e professor de estudos brasileiros e estudos urbanos na Universidade de Princeton, nos EUA), e que ajudou nessa edi��o em portugu�s, que � novidade. � uma tradu��o de um livro em franc�s, originalmente escrito em ingl�s.
O que esse livro traz de t�o importante?
Agora, � a primeira vez que os brasileiros ter�o a oportunidade de ler em portugu�s o que os conspiradores mineiros estavam discutindo. O livro � �nico tamb�m porque foi publicado na Fran�a em 1788, dois anos ap�s a declara��o da independ�ncia dos Estados Unidos. E a edi��o foi proclamada por Benjamim Franklin, que chegou a Paris para tentar arranjar apoio para a Revolu��o americana. Mas este livro, o Recueil, foi comprado por Jos� Alvares Maciel (estudante brasileiro que vivia em Coimbra), em Birmingham, na Inglaterra, em 1787, que o levou para o Brasil no mesmo navio em que estava o visconde de Barbacena, que seria o novo governador de Minas. Olhe a ironia. Na verdade, existiam duas c�pias do Recueil em Minas Gerais em 1788. A c�pia trazida por �lvares Maciel e uma outra, de Jos� Pereira Ribeiro. A c�pia de �lvares Maciel � aquela que ficou conhecida como O livro de Tiradentes. Tiradentes tinha essa c�pia com ele, no Rio de Janeiro. Logo depois de ser preso, em maio de 1789, ele a deu para um dos membros dos Drag�es da Independ�ncia, Xavier Machado, que a levou de volta para Vila Rica (atual Ouro Preto). � a c�pia que se encontra hoje na cole��o do Museu da Inconfid�ncia. A outra c�pia, pelo que parece, foi destru�da pelos conspiradores de Minas, antes de ser apreendida. Mas o que importa � que as pessoas v�o poder compreender um pouco mais o que os conspiradores mineiros queriam.
O que os conspiradores debatiam? E qual � a rela��o e influ�ncia da revolu��o americana no movimento mineiro?
O grupo era claramente republicano, mas o que esse texto revela � que foi uma revolu��o constitucionalista tamb�m. Eles queriam criar uma Constitui��o em Minas Gerais e h� v�rias indica��es nesse livro que comprovam isso. Os conspiradores de Minas viram o sucesso da Revolu��o Americana e seus textos constitucionais como modelos do que eles queriam alcan�ar para o Brasil. O recueil foi publicado na Fran�a, em franc�s, em 1778, e foi dedicado a Benjamin Franklin. O livro cont�m os documentos constitucionais fundadores dos Estados Unidos (entre eles, a declara��o de independ�ncia propriamente dita e as constitui��es de seis dos 13 estados).
Tiradentes � uma figura controversa. Qual foi o real papel dele nessa hist�ria?
Ele foi a figura central da Inconfid�ncia Mineira. Houve v�rios grupos envolvidos na conspira��o. Havia os chamados ativistas, ligados aos militares. O pr�prio chefe dos Drag�es estava envolvido e v�rios outros representantes das For�as Armadas e oficiais da �poca tamb�m estavam. E foi isso que provocou um grande susto no visconde de Barbacena. Quando a den�ncia foi feita, ele viu que as For�as que estavam encarregadas de proteg�-lo estavam envolvidas na conspira��o. E Tiradentes seria o respons�vel por tirar o governador e execut�-lo.
Mas ele foi realmente um her�i?
Sem d�vida. E foi considerado assim pelos mineiros muito antes do que se possa imaginar.
O que foi mais complicado para produzir O “livro do livro”, como o senhor o apelidou?
Era necess�rio formar uma equipe para fazer a pesquisa. Precisava de uma pessoa expert na hist�ria norte-americana no momento da independ�ncia, bem como uma pessoa que sabe franc�s e conhece a hist�ria francesa. E outro que conhecesse a hist�ria brasileira, mas soubesse falar franc�s e ingl�s, que � o caso do Bruno Carvalho. Tivemos o Gabriel Rocha, um estudante brasileiro, imigrante que mora em Nova Jersey, que tamb�m fala muito bem franc�s e portugu�s. E depois, descobrimos que a J�nia Furtado e a Helo�sa Starling (professoras e historiadoras da UFMG) estavam pensando em fazer o mesmo tipo de estudo. Combinamos de unir for�as e as convidamos para fazer um capitulo. � uma obra coletiva.
E qual � a expectativa sobre a repercuss�o desse trabalho, j� que ele j� est� sendo muito comentado?
Ainda � muito recente. Vamos aguardar... Amanh� (segunda), vou at� Ouro Preto com o Bruno Carvalho fazer uma apresenta��o da obra no Museu da Inconfid�ncia, onde est� a c�pia do Recueil des loix constitutives des �tats-Unis de l’Am�rique que pertenceu a Tiradentes. Estamos trabalhando h� muito anos. E eu estou mais interessado em mostrar essa hist�ria da circula��o de ideias dos EUA para a Fran�a e para o Brasil. E � importante dizer que isso mexeu com um buraco negro na hist�ria norte-americana, na hist�ria da Europa, e na pr�pria hist�ria do Brasil. E aconteceu entre a revolu��o americana, em 1776, a francesa, em 1789, e a Constitui��o americana, que foi em 1787.
Por que essa parte dos mineiros se tornou t�o intelectual e t�o engajada nos movimentos pol�ticos?
Nessa �poca, os mineiros iam estudar em Coimbra, Portugal. E uma parte teve a forma��o em Montpellier, na Fran�a, onde se encontrava a melhor universidade de medicina na �poca; era o centro do Humanismo franc�s, e da modernidade. O pr�prio �lvares Maciel foi para Birmingham, na Inglaterra, que foi o centro do Iluminismo brit�nico, e de todas as inova��es de manufatura. Tudo isso contribuiu para a forma��o desses estudantes e seu engajamento. N�o havia universidade no Brasil e eles iam estudar na Europa. Os inconfidentes, inclusive, queriam criar uma universidade em Minas. Era uma das propostas da conjura��o.
Como come�ou o seu interesse pelo Brasil?
Eu conheci o Brasil primeiro por meio de filmes. Lembro do Orfeu negro, de Marcel Camus, em 1962. Toda aquela revela��o de cores e aquela coisa tropical. Mas o primeiro brasileiro com quem tive contato pessoalmente foi o S�rgio Buarque de Hollanda (soci�logo e historiador). Eu era estudante em Harvard. Meu professor, o norte-americano Stanley Stein, foi um brasilianista que escreveu v�rios livros sobre S�o Paulo, Minas, Rio, fez um estudo muito interessante sobre as fazendas de caf� do s�culo 19. E ele era amigo do S�rgio Buarque. O S�rgio foi visitar a Universidade de Princenton, na d�cada de 1960, e levou com ele o filho, que era o Chico Buarque. Olhe o privil�gio (risos).
O senhor come�ou muito bem ent�o o seu primeiro contato com o Brasil...
Pois �. Eu me lembro do Chico, um rapaz extremamente bonito, t�mido, de 17 anos, l� no escrit�rio do Stanley. Esses foram os primeiros brasileiros que encontrei na vida. Sou ingl�s, mas fiz o doutorado nos Estados Unidos e isso foi j� no primeiro ano. Antes, a minha imagem do Brasil era meio fantasiosa, s� por meio de filmes, m�sicas.
Por que tanto interesse pelo Brasil e por Portugal?
Comecei a conviver com o professor Stanley e acabei ganhando uma bolsa para o Brasil, sem nem me programar para isso. Eu estava pensando em escrever um livro sobre a independ�ncia no Brasil e a forma��o do Imp�rio brasileiro. Fui para o Brasil por volta de 1967. Depois, retornei para a Europa, no momento em que a ditadura ficou mais dura aqui. Ao mesmo tempo, a revolu��o portuguesa estava acontecendo e passei a me debru�ar sobre o assunto. E s� voltei ao Brasil um bom tempo depois, para lan�ar A devassa da devassa.
Mas como foi o per�odo em que o senhor morou no Brasil?
Morei no Rio e nessa �poca fui conhecer Ouro Preto, onde acabei passando tr�s meses, por volta de 1966. E acabei trabalhando tamb�m em Belo Horizonte, no Arquivo P�blico Mineiro. Gostei muito da experi�ncia e comecei a estudar mais as quest�es que me interessavam no pa�s.
J� que o senhor conhece tanto os mineiros, inclusive os do passado, o senhor conseguiu descobrir algo de peculiar no nosso povo?
(Risos). A �nica coisa que posso dizer � que os mineiros t�m um jeito e caracter�sticas pr�prias. Voc� pode refletir sobre o que estou dizendo. Estou sendo um pouco mineiro, n�o �? (risos).
A rep�rter viajou a convite do fHist