
Uberl�ndia – Era uma casa muito sonhada, mas n�o tinha laje, n�o tinha muro, n�o tinha piso, n�o tinha quintal, n�o tinha privacidade, n�o tinha gra�a, n�o tinha nada. E o que � pior: pegava fogo. Podia ser apenas uma par�dia da m�sica do poeta e compositor Vinicius de Moraes, mas � a realidade vivida hoje pelas fam�lias do conjunto habitacional Shopping Park, em Uberl�ndia, no Tri�ngulo Mineiro, empreendimento de R$ 144 milh�es, financiado pela Caixa Econ�mica Federal (CEF) com recursos do programa federal Minha casa, minha vida e erguido sob a responsabilidade da prefeitura. A reportagem do Estado de Minas percorreu a p� durante um dia inteiro o conjunto – inaugurado durante a gest�o do ex-prefeito Odelmo Le�o (PP) em 2011–, que abriga 3.632 fam�lias de baixa renda, todas numerosas, com muitas crian�as e portadores de defici�ncia.
Os problemas s�o muitos e as reclama��es generalizadas. Para come�ar, as casas, geminadas, n�o t�m parede at� o teto. Elas acabam num forro – n�o h� laje –, o que faz com que o vizinho escute tudo que se passa ao lado. Em algumas delas, o quintal � desnivelado, com barrancos de at� quatro metros de altura, impossibilitando o uso do terreno pelas fam�lias. O forro no interior cobre todo o teto e esconde a rede el�trica, que, segundo os moradores, � feita de material de baix�ssima qualidade. Em muitas resid�ncias, as l�mpadas n�o se acendem ou se aquecem demais e queimam com frequ�ncia. Das tomadas e do chuveiro saem fogo, a energia cai quando mais de um aparelho el�trico � ligado ao mesmo tempo e h� muitos relatos de pequenos inc�ndios. As caixas de energia n�o t�m tampas e a fia��o est� exposta.


No caso mais grave, em 12 de setembro, uma idosa de 78 anos, C�lia de Jesus Silva, morreu asfixiada. Sua casa est� fechada desde o inc�ndio, mas por uma fresta no muro � poss�vel ver o estado em que o im�vel ficou. Do lado exterior n�o h� nenhum sinal de fogo ou fuma�a, mas � poss�vel ver de longe que o forro do teto da casa derreteu completamente e alguns fios est�o pendurados. Como todas as casas s�o geminadas, o fogo atingiu a resid�ncia ao lado, tamb�m fechada desde ent�o.
O medo de novos inc�ndios ronda as fam�lias, principalmente as que t�m filhos pequenos ou idosos e doentes. O Corpo de Bombeiros de Uberl�ndia ainda n�o concluiu o laudo sobre as causas do fogo, mas para os moradores o problema � a instala��o el�trica feita pelas construtoras respons�veis pela obra, Marca Registrada, El Global, Emcasa e Castroviejo. At� mesmo uma audi�ncia p�blica na C�mara de Uberl�ndia foi realizada para tratar desse problema espec�fico. Semana passada todas as empreiteiras foram denunciadas, juntamente com a prefeitura e a CEF, pelo procurador federal Cl�ber Eust�quio Neves, em uma a��o civil p�blica que pede repara��o imediata dos problemas do conjunto habitacional e a proibi��o para que projetos similares ao do Shopping Park sejam implantados em outras localidades.
Arremedo
Em sua a��o, o procurador classifica as resid�ncias como “arremedo de casas” e afirma que elas n�o t�m o “m�nimo padr�o de dignidade e n�o observam regras t�cnicas de constru��o definidas pela Associa��o Brasileira de Normas T�cnicas (ABNT), fator decisivo para o rebaixamento do n�vel de vida das fam�lias do conjunto”. O procurador tamb�m pede a implanta��o imediata no local de servi�os essenciais. No conjunto s� existe uma escola municipal e uma creche, ambas com capacidade reduzida. “Esses arremedos foram inaugurados com grande pompa pelos pol�ticos locais sem que existissem no local escolas, postos de sa�de e outros equipamentos sociais.”
As casas t�m cerca de 40 metros quadrados de �rea constru�da e teriam custado �s empreiteiras R$ 39,7 mil cada. Elas foram financiadas pela CEF em 10 anos com presta��es subsidiadas que variam de R$ 50 a R$ 160. Os lotes onde foram constru�das as resid�ncias pertenciam � iniciativa privada e foram adquiridos pelas empreiteiras. A prefeitura foi a respons�vel pela sele��o das fam�lias, vistoria para a libera��o de habite-se e tamb�m pela execu��o das obras de pavimenta��o da via de acesso ao conjunto e da implanta��o da adutora de �gua e da esta��o de esgoto, obras que, segundo a atual gest�o, custaram aos cofres p�blicos cerca de R$ 1 milh�o.
Caixa admite problemas
A Caixa Econ�mica Federal (CEF) admitiu, por meio de nota, que 600 unidades habitacionais do residencial Shopping Park foram entregues faltando portas, pias, vasos sanit�rios e outros equipamentos. A justificativa do banco � que o conjunto foi invadido na fase de assinatura dos contratos e que temendo novas invas�es os propriet�rios se mudaram para as resid�ncias. Inauguradas h� cerca de dois anos, muitas das casas continuam sem os equipamentos, mas de acordo com a CEF isso ser� resolvido este m�s.
A CEF informou ainda que est� fazendo muros de arrimo nas resid�ncias em que h� risco de desabamento com a chegada do per�odo de chuvas. Sobre os quintais desnivelados, o banco confirma que foram entregues im�veis com terreno desse tipo e sem muro de arrimo. De acordo com a institui��o alguns propriet�rios aplainaram os seus lotes e removeram os taludes (cortes inclinados em barrancos para evitar desmoronamento) e n�o constru�ram muro de arrimo para conten��o do desn�vel por essa interven��o. “Com esse tipo de interven��o, criou-se barranco inst�vel, e ao n�o conseguir construir o muro de arrimo antes da temporada de chuvas, esses barrancos podem vir a p�r em risco de desmoronamento casas vizinhas dos fundos.”
Sobre as reclama��es da p�ssima qualidade do material usado no acabamento das casas, principalmente da parte el�trica, a CEF disse que o banco e as construtoras est�o recebendo reclama��es dos moradores pessoalmente, por telefone ou e-mail, e que uma das empreiteiras j� iniciou a troca de bocais de luz das unidades do empreendimento. Segundo a nota, se os problemas forem de responsabilidade das construtoras eles ser�o reparados e os gastos cobrados das empresas.
O secret�rio de Habita��o de Uberl�ndia, Delfino Rodrigues, disse que a atual gest�o acertou com o banco a realiza��o de uma vistoria em todas as casas do conjunto para levantamento dos problemas para serem reparados. Segundo ele, a CEF vai arcar com as despesas e, se for constatada culpa das empreiteiras, elas ser�o acionadas para custear os gastos. Disse ainda que a prefeitura tem direito a recursos de um fundo especial de R$ 2,1 milh�es para a capacita��o social e t�cnica de fam�lias do Minha casa, minha vida e que o recurso n�o foi aplicado pela gest�o passada. “Estamos concluindo os projetos sociais para o conjunto e logo vamos come�ar a implant�-los.” O ex-secret�rio de Habita��o de Uberl�ndia vereador Felipe Atti�, respons�vel pela implanta��o do conjunto, n�o foi localizado. A reportagem ligou em seu gabinete e em seu celular, mas ele n�o retornou as liga��es.
Segunda-fase
O programa Minha casa, minha vida come�ou em 2009 como o objetivo de reduzir o d�ficit habitacional brasileiro. Na primeira fase, at� 2010, um milh�o de moradias foram constru�das. A segunda fase come�ou em 2011 e vai at� 2014, com a promessa de construir 2 milh�es de unidades, 60% delas voltadas para fam�lias de baixa renda. Segundo dados do Minist�rio das Cidades, em Minas foram investidos R$ 16 bilh�es para a contrata��o de 253 mil casas, com 139,6 mil entregues. Na �rea urbana, o programa � dividido por tr�s faixas de renda mensal: at� R$ 1,6 mil, at� R$ 3,1 mil e at� R$ 5 mil.