Na s�rie de reportagens especiais, iniciada em 23 de fevereiro, para marcar os 50 anos do golpe de 1964, que levou os militares ao poder no Brasil, o Estado de Minas conta nesta edi��o como atuou a Assembleia Legislativa de Minas Gerais durante os anos de chumbo. A reportagem de estreia trouxe o perfil e uma entrevista com o ex-governador Rondon Pacheco, que, em 1968, ent�o chefe da Casa Civil do governo Costa e Silva, participou da reuni�o de elabora��o do Ato Institucional nº 5, que fechou o Congresso e deu in�cio ao per�odo conhecido como anos de chumbo no Brasil. No domingo passado, o EM contou as hist�rias de dois ilustres mineiros: o cartunista Henfil e a artista pl�stica Yara Tupynamb�. O primeiro driblou a censura e passou mensagens cifradas por meio de seus desenhos. A segunda, nos tempos de exce��o na Universidade Federal de Minas Gerais, grafou em seu painel sobre a Inconfid�ncia Mineira, sob os olhos atentos dos militares, a frase encomendada pelo reitor afastado Gerson Boson : “Condi��o primeira para a cultura � a liberdade”.
Com uma maioria de parlamentares simp�ticos ao golpe, a Assembleia mineira se antecipou ao Ato Institucional nº 5, que, nos anos de chumbo da ditadura, cassou os mandatos de dezenas de pol�ticos no pa�s. Em 1966, o deputado Wilson Modesto Ribeiro (PTB) foi cassado pelo AI-2 e, em 1969, outros seis perderam os mandatos pelo AI-5: Raul Matosinhos de Castro Pinto e Ant�nio Pereira de Almeida, da Arena; e Raul Bel�m, An�bal Teixeira de Souza, Sebasti�o Fabiano Dias e S�lvio Menicucci, do MDB. “A Assembleia mineira foi a �nica do pa�s que cassou os seus pares, porque os deputados eram t�o adesistas que queriam dar uma satisfa��o ao regime”, explica o historiador Luiz Fernandes de Assis.
Foi na pris�o, para onde foi levado em 30 de mar�o de 1964, que Bambirra recebeu a visita de parlamentares na noite de 7 de abril daquele ano. Os colegas lhe comunicaram sobre o pedido de cassa��o e deram 24 horas para que apresentasse suas alega��es. “Decoro � dec�ncia, honradez, diz o dicion�rio. E por acaso n�o os tenho tido, n�o os tenho posto � prova? Quem mais do que eu nessa Assembleia tem tido mais decoro, mais dec�ncia, mais honradez? N�o digo que algu�m n�o os possua, mas n�o imputem a mim o que n�o fiz, n�o fa�o e n�o farei”, disse o parlamentar em sua defesa.
Clodesmidt Riani, que era presidente do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), foi preso dias depois no Rio de Janeiro. Riani tamb�m foi um dos mais perseguidos, pois era amigo de Jango e organizava a greve geral pela perman�ncia do presidente. Aos 94 anos, ele vive hoje em Juiz de Fora, onde recebe constantes homenagens.
Avisado por um colega deputado, Dazinho conseguiu escapar da pris�o quando ia para a Assembleia, que estava cercada � sua espera, mas foi capturado em seguida. Ele morreu em mar�o de 2007, aos 84 anos, em decorr�ncia da silicose, doen�a que adquiriu pelo trabalho na Mina de Morro Velho. Tornou-se deputado estadual por sua lideran�a no Sindicato dos Trabalhadores da Ind�stria da Explora��o do Ouro e Metais.
Os mandatos dos tr�s deputados foram reabilitados em 1994, quando, 30 anos depois do golpe, o Legislativo reconheceu o erro, admitindo que n�o houve quebra de decoro, mas, sim, uma decis�o pol�tica.
Pesadelo marcado na mem�ria
A jornalista Maria Auxiliadora Bambirra, de 74 anos, vi�va de do deputado Sinval Bambirra, conta que, em 30 de mar�o de 1964, esperava o marido para almo�ar, mas, no lugar dele, veio um jipe militar para avisar que ele havia sido conduzido para uma unidade do Ex�rcito na Gameleira, Regi�o Oeste de Belo Horizonte. Foram busc�-lo no Sindicato dos Tecel�es, no Bairro Lagoinha, dizendo para ele conversar com o General Guedes, mas quando saiu havia um cambur�o na porta � sua espera.
Bambirra era presidente da Federa��o dos Tecel�es de Minas e secret�rio do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT). Na Assembleia, era um dos deputados que pediram uma comiss�o parlamentar de inqu�rito (CPI) para investigar as a��es do Instituto Brasileiro de A��o Democr�tica (Ibad) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes), organismos formados pela elite civil e por militares, que tiveram papel importante na difus�o de um ambiente pr�-golpe. “Acho que o pedido de CPI foi uma das coisas que mais revoltaram a elite e, por isso, Bambirra foi o �nico deputado torturado”, afirmou a vi�va.
“Eles (os militares) sabiam que, para levar adiante o que queriam fazer, tinham de prender os l�deres, e foi o que fizeram. Desde 13 de mar�o a gente sabia que havia um movimento terr�vel e Jango estava em vias de cair. O sindicalismo ia entrar em greve geral, estava tudo engrenado para parar as rodovias, ferrovias, como forma de impedir o golpe”, lembra Maria Auxiliadora.
Para a vi�va de Sinval, o marido era o mais reformista dos tr�s deputados. Ela conta que ele era contr�rio � viol�ncia e defendia que as mudan�as viessem do Parlamento. Com a pris�o, teve in�cio um grande sofrimento. “Meu marido n�o gostava de falar sobre o que aconteceu dentro da pris�o. S� no finalzinho da vida come�ou a me contar. Quando saiu da pris�o tinha um co�gulo, porque estouraram os t�mpanos dele nas sess�es de tortura. Faziam simula��es de fuzilamento, era uma press�o psicol�gica que ele nunca esqueceu. Saiu de l� com les�o no c�rebro por causa das pancadas. Foi um pesadelo”, conta a jornalista.
Depois de um ano e meio preso, Bambirra conseguiu um habeas corpus e foi se abrigar na embaixada do M�xico. Ao lado dos padres Laje e Juli�o, se exilou naquele pa�s. “Cheguei meses depois, pois o Departamento de Ordem Pol�tica e Social (Dops) n�o soltava o passaporte da gente. De l� conseguimos um contato via Confedera��o Sindical Mundial e conseguimos levar o Bambirra para a Alemanha em novembro de 1966 para ser operado por causa das les�es”, conta Maria Auxiliadora. Bambirra fez a cirurgia de reconstitui��o do t�mpano em Berlim, mas nunca se recuperou totalmente. A jornalista, que esteve todo o tempo ao lado do marido, hoje pensa em escrever um livro com suas mem�rias.