Tortura durante a ditatura militar atingiu 1.843 presos pol�ticos

Uma guarita do tamanho de um colch�o, com piso �mido e as paredes internas pintadas de vermelho. Uma sala revestida de duratex, totalmente preta, de pequenas dimens�es, com temperatura baix�ssima, sem janelas e com um sistema de som que reproduzia barulhos intermitentes. Um grande sal�o, tamb�m vermelho, com diversos aparelhos de tortura pendurados nas paredes e espalhados pelo ch�o e sobre uma mesa. Foi em locais como esses que pelo menos 1.843 presos pol�ticos foram torturados durante o regime militar (1964/1985) no Brasil. N�o se sabe ao certo quantas depend�ncias abrigaram centros de tortura, pois os relatos das v�timas s�o muitas vezes imprecisos, at� mesmo em fun��o da situa��o de debilidade dos presos por causa da viol�ncia sofrida e tamb�m porque muitos foram levados encapuzados para aparelhos clandestinos e sem o conhecimento da defesa deles. Mas em relatos dos presos – colhidos pelo projeto Brasil Nunca Mais (BNM) nos inqu�ritos instaurados pelo Superior Tribunal Militar (STM) durante a ditadura – s�o citados pelo menos 246 locais, espalhados por diversos estados, a maior parte deles concentrada no Rio de Janeiro, em S�o Paulo e Minas Gerais. � o que mostra esta reportagem da s�rie sobre os 50 anos do golpe militar, que o Estado de Minas vem publicando desde 23 de fevereiro.

A Comiss�o Nacional da Verdade (CNV) j� pediu ao Minist�rio da Defesa que investigue as unidades das For�as Armadas que foram transformadas em centros de tortura no pa�s durante a ditadura. Relat�rio da CNV aponta sete depend�ncias militares usadas para este fim, uma delas em Belo Horizonte: o quartel do 12º Regimento de Infantaria do Ex�rcito, no Barro Preto, Regi�o Central. J� um estudo, ainda em andamento, coordenado pela professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e assessora da CNV, Helo�sa Starling, confirma a exist�ncia at� agora de 36 locais de tortura – incluindo �reas militares, delegacias e casas – em sete estados brasileiros. No entanto, outra pesquisa, feita pelo historiador Rubim Aquino, ja falecido, e lan�ada em 2010, aponta 212 endere�os onde os presos pol�ticos sofreram todo tipo de viol�ncia.

Os depoimentos dos presos pol�ticos apontam o Departamento de Ordem Pol�tica e Social (Dops) de S�o Paulo, a sede da Pol�cia Federal no Cear� e o Dops de Belo Horizonte, localizado na Avenida Afonso Pena, Regi�o Centro-Sul, onde funciona hoje uma delegacia de repress�o �s drogas, como os locais onde mais ocorreram torturas. O estado recordista de den�ncias � o Rio de Janeiro, seguido por S�o Paulo e Minas Gerais. A partir dos depoimentos dos presos foram listados ainda 6.016 tipos de tortura de toda a sorte, incluindo viol�ncia f�sica e sexual, uso de aparelhos el�tricos e mec�nicos e at� animais, como ratos, baratas, cobras e cachorros com a inten��o de obter informa��es e confiss�es dos detidos. Os anos 1969 e 1970 foram o auge da viol�ncia contra presos pol�ticos. Nesse per�odo, durante o governo do general Em�lio Garrastazu M�dici, foram colhidas 2.233 den�ncias de sev�cias de todos os tipos. A maioria das v�timas eram homens entre 22 e 35 anos.

Apesar dos n�meros serem expressivos, os dados sobre a tortura no Brasil est�o aqu�m da realidade, pois muitos presos eram orientados pelos pr�prios advogados a n�o denunciar a viol�ncia para tentar garantir a liberdade condicional ou a soltura, relata Marcelo Schneider, assessor do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e um dos integrantes do projeto de digitaliza��o de todo o acervo com os depoimentos dos presos, que estava em poder do conselho. “Esse conjunto de documentos � um resgate da mem�ria, um clamor pela transpar�ncia e um chamado � responsabilidade de todos os cidad�os para que esses fatos n�o sejam esquecidos e n�o se repitam”, defende.

As formas de tortura

»  1.843 pessoas foram torturadas durante o regime militar
» As viola��es ocorreram em 246 depend�ncias do Estado e clandestinas
» O auge das den�ncias de tortura aconteceu no per�odo de 1969 a 1970
» Nessa �poca, foram 2.233 casos de tortura
» A maioria dos torturados no Brasil eram homens entre 22 a 35 anos
» Ao todo, foram relatados pelo menos 6.016 tipos de tortura, classificados em nove categorias

Coa��es morais e psicol�gicas
Amea�a de viola��o sexual, amea�a de afogamento, amea�a de cortar orelha ou de cortar seios, cuspes no rosto, dan�as com urnas mortu�rias, ambiente de terror

Coa��es f�sicas
Pontap�, pancada nos l�bios com mangueira, pau loca (roda de palmat�ria), choques, murros, sev�cias, tortura na frente de familiares, �cido no corpo

Viol�ncia sexual
Introdu��o de objetos no �nus, entre eles velas, baratas, e bast�es de choque, org�os genitais furados com agulha, esmagamento de p�nis e test�culos

Castigos com instrumentos
Alicate para apertar e arrancar as unhas, cortes com giletes, marteladas nas juntas do corpo, queimadura de cigarro e com ma�arico, canivete por baixo das unhas

Tortura com aparelhos mec�nicos
Corda amarrada no pesco�o e nos test�culos, pau de arara, pendurado pelos p�s com os bra�os suspensos, pendurado pelos punhos com argolas, bra�os amarrados para cima nas grades

Tortura com aparelhos el�tricos
Cadeira do drag�o (era de madeira com assento met�lico), choques el�tricos no �nus, seio e vagina

Tortura contra sinais vitais
Afogamento, asfixia, esponja de �gua na boca, sal grosso na boca

Torturas complementares
�gua e sal para piorar o choque, ambiente gelado depois de uma sess�o de espancamento, inje��o de �ter, sab�o nos olhos

Torturas at�picas
Uso de baratas, ratos e cobras para amedrontar a v�tima, ingest�o de fezes, urina e �gua da privada

Locais de tortura em Minas
(Relatados pelas v�timas)

» Delegacia de Furtos e Roubos, que funcionava na Rua Uberaba, no Barro Preto, em BH
» Col�nia Penal Magalh�es Pinto, em Ribeir�o das Neves
» Dops, que funcionava na Avenida Afonso Pena, Bairro Funcion�rios, em BH
» Delegacia de Pol�cia de Cataguases, na Zona da Mata
» 11ª Delegacia, que funcionava no Bairro Serra, em BH
» Delegacia de Pol�cia de Al�m Para�ba, na Zona da Mata
» 10ª Delegacia de Policia, em BH
» 12º Regimento de Infantaria, na Rua Tenente Brito Melo, no Barro Preto, em BH
» Col�gio Militar, na Avenida Ant�nio Carlos, em BH
» 4ª Companhia de Informa��es, no Bairro S�o Francisco, em BH
» Penitenci�ria de Linhares, em Juiz de Fora
» 3ª Companhia do Batalh�o de Ca�adores de Uberl�ndia
» Delegacia de Pol�cia da Pampulha, em BH
» Companhia da Pol�cia Militar de Divin�polis
» 1º/4º RO 105, hoje 4º Grupo de Artilharia de Campanha, em Juiz de Fora