S�o Paulo - Ao se sentar na cadeira do Bar�o de Rio Branco, fundador da diplomacia do Brasil republicano, o embaixador Mauro Vieira enfrentar� a agenda interna mais pesada para o Minist�rio das Rela��es Exteriores nos �ltimos 20 anos. Habituado ao trabalho nos bastidores e � sombra das principais autoridades da casa, Vieira n�o encontrar� maior desafio do que convencer a presidente Dilma Rousseff a observar o Itamaraty com apre�o e a listar a pol�tica externa brasileira entre as prioridades de seu segundo mandato.
O Itamaraty tradicionalmente reflete a personalidade do chanceler. Sob a lideran�a de Vieira, parecer� mergulhado em �guas mornas, enquanto o novo ministro e seus principais auxiliares atuar�o silenciosamente nos bastidores do governo e no exterior. Um velho observador de sua carreira o define como um "peixe de �guas profundas".
N�o � toa, Vieira escolheu dois colaboradores diretos de sua total confian�a e de ampla aceita��o pela casa. O embaixador S�rgio Danese, um dos mais experientes e preparados de sua gera��o, ser� o secret�rio-geral das Rela��es Exteriores - segundo cargo da hierarquia do Itamaraty. O chefe de gabinete de Vieira ser� o embaixador J�lio Bitelli, que atuou na equipe que escrevia os discursos de Fernando Henrique Cardoso no Pal�cio do Planalto e, mais tarde, na de Marco Aur�lio Garcia, assessor internacional de Luiz In�cio Lula da Silva e de Dilma Rousseff.
Danese e Bitelli trabalharam com Vieira na Embaixada do Brasil em Buenos Aires. Nos �ltimos anos, Danese conduzia a Subsecretaria das Comunidades Brasileiras no Exterior, e Bitelli era embaixador em Tunis (Tun�sia). O trio ter� a miss�o de recuperar o or�amento do Itamaraty neste per�odo de ajuste nas contas p�blicas.
Celso Lafer, ex-chanceler de FHC e de Itamar Franco, sublinha ser Mauro Vieira um diplomata experiente, com bom conhecimento da casa, e ter vindo do comando das duas mais importantes embaixadas brasileiras - Buenos Aires, de 2004 a 2010, e Washington, de 2010 ao fim de 2014. "Mauro conhece os ambientes pol�tico, social e econ�mico do Pa�s, o que � um ativo importante para o reposicionamento e a valoriza��o do Itamaraty."
Surpresa
Dilma surpreendeu todos os implicados diretamente na escolha de seu chanceler em 31 de dezembro, v�spera da posse de seu segundo mandato. O ent�o ministro Luiz Alberto Figueiredo esperava permanecer no posto, mas foi frustrado apenas 30 minutos antes do an�ncio oficial do nome de Vieira. O ministro da Defesa, Celso Amorim, contava com uma recondu��o � cadeira de Rio Branco, com as b�n��os de Lula, e n�o escondeu sua decep��o na cerim�nia de transmiss�o do cargo, no dia 2.
Mauro Vieira, por sua vez, aspirava o posto de Marco Aur�lio Garcia, assessor especial da Presid�ncia para Assuntos Internacionais desde 2003, que n�o pretendia continuar no governo no segundo mandato de Dilma. Ao ser chamado a Bras�lia, no dia 31, deduziu que sua miss�o seria acompanhar o vice-presidente dos EUA, Joe Biden, representante de seu governo na posse. Mas foi nomeado chanceler.
A decis�o de Dilma, na leitura de um embaixador experiente, revelou sua habilidade para descartar a sugest�o do ex-presidente Lula sem desapont�-lo totalmente. Nem ao favorito do l�der petista. Vieira � tido em alta conta por ambos. O chanceler � leal amigo de Amorim h� mais de 30 anos. Em 1985, quando foi designado secret�rio executivo adjunto do Minist�rio de Ci�ncia e Tecnologia, Vieira resgatou Amorim do ostracismo ao sugerir seu nome ao ent�o ministro da pasta, Renato Archer. Amorim assumiu o posto de secret�rio de Assuntos Internacionais, no qual se manteve at� 1988. Em 2003, ao ser nomeado chanceler pela segunda vez - a primeira fora com Itamar Franco -, Amorim designou Vieira como chefe de gabinete, mesmo depois de ele ter exercido a mesma fun��o com os embaixadores Osmar Chohfi e Luiz Felipe Seixas Corr�a, os �ltimos secret�rios-gerais das Rela��es Exterior do governo FHC.
O ex-chanceler tamb�m foi o respons�vel pela nomea��o de Vieira como embaixador em Buenos Aires - decis�o avalizada por Lula. Ao ver abortado seu projeto de continuar no posto no primeiro mandato de Dilma, no fim de 2010, Amorim indicou Vieira para Washington. O posto estaria vago com a designa��o do embaixador Ant�nio Patriota para o comando do Itamaraty. Na �poca, a perman�ncia de Vieira na capital americana foi avaliada como tempor�ria. Vieira e Patriota n�o tinham um conv�vio f�cil. O embaixador, por�m, assumiu essa posi��o estrat�gica por quatro anos.
Garcia ficou no governo e dever� manter sua influ�ncia na formula��o de pol�ticas para a Am�rica Latina. Mas caber� a Vieira conciliar a sobreviv�ncia do Mercosul � necessidade, destacada por Dilma em seu discurso de posse, de ampliar a inser��o comercial do Brasil. Ele dificilmente se chocar� com Garcia nessa tarefa. O assessor de Dilma foi uma das autoridades petistas cativadas pelo chanceler: era seu h�spede frequente quando embaixador na Argentina.
Tanto em Bras�lia como em Buenos Aires e em Washington, Vieira valeu-se do que mais soube fazer ao longo de sua carreira: cativar figuras relevantes para sua atua��o e montar uma rede de contatos de primeira qualidade.Na capital argentina, tornou-se interlocutor frequente do casal Kirchner e dos governadores de prov�ncias - todas visitadas por ele. Em Washington, teve o mesmo cuidado de explorar os contatos com governadores estaduais e em circular pelo Capit�lio.
Sua atua��o nos EUA, por�m, foi prejudicada pelo desinteresse da presidente no aprofundamento das rela��es bilaterais. "O desempenho de Mauro Vieira refletiu a pol�tica brasileira sobre os EUA, desinteressada em maior coopera��o e em projetos conjuntos", afirmou Peter Hakim, presidente honor�rio do Di�logo Interamericano. "� mais f�cil ser um Rubens Barbosa no governo de FHC do que um Vieira no governo de Dilma", completou, referindo-se ao embaixador brasileiro em Washington entre 1999 e 2004, gest�o que deu prioridade � pol�tica externa.