
Pela casa dela j� passaram centenas de ju�zes, desembargadores, promotores, procuradores e advogados de todo o Brasil. Todos com o mesmo objetivo: adquirir a vestimenta preta, at� os calcanhares, que simboliza poder para quem a usa. Aos 81 anos de idade, a costureira Aristel Anna Bavosi acumula 69 deles dedicados � confec��o das becas e togas usadas por profissionais do direito durante as sess�es de julgamento. Tempo que d� a ela a experi�ncia de saber na ponta da l�ngua a diferen�a entre os v�rios tipos de veste talar – nome jur�dico da “capa preta” – e a agilidade para confeccionar os modelos mais simples no mesmo dia e os mais complexos em tr�s dias.
A paix�o e a habilidade para fazer a roupa parecem mesmo estar no sangue. Ela herdou a tarefa do pai e do av�, um alfaiate italiano que chegou ao Brasil na d�cada de 1930 e se instalou inicialmente no Rio de Janeiro. Para sustentar a fam�lia, confeccionava batinas para integrantes da Igreja Cat�lica. Pouco tempo depois, foram os padres de Belo Horizonte que come�aram a usar as vestes costuradas em uma loja alugada na Rua Esp�rito Santo com Avenida Amazonas, no Centro da capital, para onde a fam�lia se mudou. Para as becas e togas, foi um pulo. A propaganda boca a boca trouxe os primeiros magistrados – e a transfer�ncia da loja para um im�vel em frente ao F�rum Lafayette, na Avenida Augusto de Lima.
O trabalho aumentou tanto que o pai de Aristel passou a ajudar o patriarca da fam�lia. Em meio �s agulhas, linhas e crepe negra, Aristel tomou gosto pela costura e, aos 12 anos, confeccionou as primeiras gravatas e capelos. Desde ent�o n�o parou mais, e, com a morte do av�, aos 100 anos, e do pai, aos 90, assumiu sozinha o of�cio. Nos v�rios caderninhos anotados de pr�prio punho, ela mant�m intactos os nomes dos clientes, telefones e medidas de todos eles. S�o recorda��es de uma tarefa que ela se enche de orgulho.
“Para mim, � uma emo��o ver um juiz, um desembargador, com uma toga que eu fiz. Sinto-me muito bem, e nesses anos todos penso quanta gente importante j� passou por aqui”, diz a costureira � reportagem, entre l�grimas. Mas ela logo sorri quando se refere aos mais jovens, que vestir�o a roupa pela primeira vez. Ela sempre escuta que acham a capa “feia”, mas que � preciso us�-la. “Eles tamb�m me agradecem, contam da felicidade de ter passado em um concurso, da luta e dificuldade para estudar”, recorda. Av� de dois advogados, um deles j� precisou usar uma beca feita por ela.
HORA EXTRA Nem mesmo uma cirurgia nos olhos fez com que Aristel Bavosi alterasse a rotina de trabalho. Somente neste ano, ela j� fez 23 togas, 22 para promotores e uma para um jovem juiz, aprovado recentemente em um concurso para o Tribunal de Justi�a do Mato Grosso. Procurada pela m�e do rapaz – que precisava da toga com urg�ncia para o filho tomar posse no t�o sonhado cargo –, n�o se furtou a fazer hora extra para entregar a roupa a tempo. “A alegria dele por ter passado no concurso e por poder vestir a toga valeram a pena a correria”, afirma.
Entre as recorda��es que guarda da profiss�o, Aristel Bavosi ressalta o carinho e a simplicidade com que � tratada pelos “poderosos” que a procuram atr�s de uma toga. E uma em especial a deixou emocionada: h� alguns anos, foi procurada para fazer uma capa preta e capelo para o ex-vice-presidente Jos� Alencar, falecido em mar�o de 2011. A roupa foi usada por ele em uma homenagem na cidade natal, Ub�, na Zona da Mata mineira. “Foi uma surpresa para ele, e me emocionou porque eu gostava muito dele”, recorda Aristel.
Mas a hist�ria de quase 90 anos de corte e costura da fam�lia Bavosi um dia chegar� ao fim. M�e de quatro filhos – tr�s homens e uma mulher –, nenhum deles receber� o legado de Aristel. “Eles nunca tiveram interesse em aprender a fazer as togas, mas isso n�o me deixa triste n�o”, afirma a costureira, que nega qualquer ressentimento. Atualmente, apenas uma pessoa da fam�lia – uma sobrinha – a ajuda quando pode.