
“O tema nunca esteve, de fato, na agenda dos l�deres do Congresso Nacional. Por isso, o processo de influ�ncia nos parlamentos brasileiros continua fora do alcance da sociedade, sempre nas antessalas, sem que se saiba quais s�o as redes de influ�ncia montadas no Parlamento e qual � o volume de recursos envolvidos na atividade”, considera Manoel Leonardo, que coordena estudo financiado pelo Instituto de Pesquisa Econ�mica Aplicada (Ipea) sobre o lobby e a representa��o dos interesses na C�mara dos Deputados. Al�m de tornar as rela��es entre institui��es e grupos de interesse mais transparentes, a regulamenta��o do lobby melhoraria o processo de presta��o de contas e atribui��o de responsabilidades na esfera p�blica. “A regulamenta��o tamb�m igualaria as chances de diferentes segmentos da sociedade para exercer influ�ncia sobre o Poder Legislativo”, considera o pesquisador.
A atividade em si n�o necessariamente est� relacionada � corrup��o. Se transparente e sob o escrut�nio da sociedade, dentro de regras claras, a press�o de grupos e segmentos para a defesa de seus interesses � leg�tima. “Mas o lobby pode degenerar para uma rela��o corrupta entre interesses e pol�tica e � mais f�cil de isso ocorrer quando ningu�m sabe quem influencia, como influencia e por que influencia”, acrescenta Manoel Leonardo Santos.
Exatamente por isso, a rea��o de muitos parlamentos diante de esc�ndalos mundo afora � de regulamentar ou arrochar as regras para aumentar a transpar�ncia da atividade de lobby. Nos anos 1950, nos Estados Unidos, apenas 38 estados tinham, em graus variados de rigor, leis regulamentando a atua��o de grupos de press�o. Mas o esc�ndalo de Watergate nos anos 1970 provocou rea��es dos parlamentos em v�rios estados. Calif�rnia, Arizona, Minnesota, Kansas e West Virginia aprovaram regula��es sobre as atividades de lobby, de modo que, em 1988, todos os 50 estados j� tinham leis aprovadas. Diferentemente desse cen�rio, no Brasil a resposta do Congresso Nacional tem sido, historicamente, a prega��o de uma reforma pol�tica a cada novo esc�ndalo. Reforma que nunca avan�a em quest�es que teriam import�ncia – como o financiamento das campanhas – para controlar o poder de press�o sobre os agentes pol�ticos.
Propostas
H� esfor�os isolados na C�mara e no Senado para aprovar a regulamenta��o da atividade de lobby. O mais recente parte do senador Walter Pinheiro (PT-BA). “A proposta � boa, mas dificilmente entrar� na agenda. Quem vai encamp�-la em meio ao tiroteio que atinge a classe pol�tica? Uma parte dos que est�o l� se beneficia do financiamento de campanha e aceita as press�es desses financiadores. Outra parte atua como intermediadora de interesses privados. Falta um l�der que aproveite este momento para trazer o tema ao centro da pauta”, avalia Manoel Leonardo dos Santos.
Ao desinteresse da maioria do Parlamento pela vota��o de uma legisla��o sobre o lobby soma-se a falta de consenso sobre como deve ser essa regulamenta��o. A radiografia das tentativas malsucedidas ao longo das tr�s �ltimas d�cadas para a regulamenta��o da atividade no Congresso Nacional aponta, nos �ltimos 21 anos, para 16 propostas t�o diferentes umas das outras que as regras indicadas oscilam entre extremos. Ora as propostas se aproximam da legisla��o norte-americana, a mais r�gida entre o seleto grupo de pa�ses do mundo que regulamentaram o lobby; ora se identificam mais com o padr�o da Uni�o Europeia, mais flex�vel e com menor controle sobre a atividade.
“As propostas revelam vis�es muito diferentes dos legisladores sobre a atividade de lobby e, por consequ�ncia, de como e em que medida ela deve ser regulada. Al�m disso, uma grande omiss�o � comum entre elas: nenhuma apresenta dispositivo que preveja que o �rg�o de controle e fiscaliza��o da atividade ofere�a a possibilidade de cadastro, de apresenta��o de relat�rios de atividades e de gastos on-line”, afirma o pesquisador.
O peso da regulamenta��o
Com base em um �ndice internacional elaborado pelo The Center for Public Integrity, que avalia, em v�rios parlamentos do mundo, o n�vel de regulamenta��o do lobby em termos de transpar�ncia e de responsabiliza��o de lobistas que transgridem as regras, os dois pesquisadores analisaram o teor de 12 das 16 propostas legislativas que tramitaram no Congresso Nacional entre 1984 e 2015.
Quanto maior a regulamenta��o do lobby para um determinado Parlamento, maior a nota obtida nesse �ndice, que varia de 0 a 100 pontos e aborda oito dimens�es relacionadas ao controle da atividade de lobby. Por meio dessas notas, � poss�vel comparar o n�vel de regula��o proposta por cada proposi��o que tramitou no Congresso Nacional nos �ltimos trinta anos com as legisla��es em vigor de outros parlamentos do mundo. “Modelos com alto grau de regulamenta��o t�m a vantagem de oferecer informa��es bastante detalhadas sobre as atividades de lobby, o que torna as rela��es entre grupos de interesses, lobistas e parlamentares mais transparentes e acess�veis � sociedade”, consideram os pesquisadores. Por outro lado, t�m a desvantagem do alto custo da atividade, o que pode alimentar a percep��o para grupos de interesse menores ou sem recursos que n�o t�m acesso � possibilidade de fazer lobby. Estados Unidos e Canad� est�o entre os pa�ses do mundo em que a atua��o dos lobbies nos legislativos t�m o mais alto grau de regulamenta��o. “Pelo menos dois motivos ajudam a explicar essa op��o: a import�ncia hist�rica dos grupos de interesses no processo de tomada de decis�o, que tem alto grau de competi��o por influ�ncia, � um deles”, afirma Manoel Leonardo Santos, que anota ainda a revis�o e a expans�o da regulamenta��o da atividade nos Estados Unidos depois de grandes esc�ndalos pol�ticos.
Os extremos
Entre as 12 proposi��es analisadas para tratar do tema apresentadas ao Congresso Nacional, a do deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) � a que apresenta o mais alto grau de regulamenta��o e, nesse sentido, se aproxima da legisla��o vigente nos Estados Unidos. Trata-se do Projeto de Lei 1.202, de 2007, que entra, portanto, em sua terceira legislatura e que voltou a tramitar depois de pedido de desarquivamento feito pelo autor. Segundo o cientista pol�tico Manoel Leonardo Santos, o projeto de Zarittini apresenta alta cobertura na defini��o da atividade de lobby, na exig�ncia de apresenta��o dos gastos dos contratantes de lobistas, no estabelecimento de quarentena de ex-parlamentares e servidores p�blicos para o exerc�cio da atividade e no registro individual de cada lobista. Por outro lado, tem baixa cobertura para a publica��o de gastos individuais do lobista na atividade, a divulga��o on-line dos servi�os e na defini��o de san��es para os casos de transgress�o das normas definidas para o lobby.
No outro extremo do ranking da regulamenta��o est� o Projeto de Lei 6.928, apresentado em 2002 pela ent�o deputada federal Vanessa Graziotin (PCdoB – AM), hoje senadora. “A proposta dela, que foi apensada a um outro projeto de lei, limita-se � defini��o da atividade que caracteriza um lobista, ao controle do cadastro e ao acesso p�blico �s informa��es”, considera o cientista pol�tico. A proposi��o de Graziotin se aproxima de pa�ses como a Pol�nia, a Alemanha e o Parlamento Europeu, que apresentam legisla��es que v�o pouco al�m da exig�ncia do registro dos lobistas. “Embora os dados dos cadastros sejam p�blicos, seus gastos, suas atividades, as mat�rias que acompanham e o per�odo de quarentena n�o figuram nos seus diplomas normativos”, afirma o cientista pol�tico. A atividade � percebida como democracia participativa – e acesso de grupos de interesse ao legislativo. Na Uni�o Europeia, por exemplo, os grupos de interesse s�o vistos como especialistas. “L�, o desenho institucional promove o envolvimento direto entre setores organizados da sociedade e os tomadores de decis�o. Existe uma rela��o quase simbi�tica entre grupos de interesse e o governo, o que minimiza a percep��o da desconfian�a e os esc�ndalos”, considera Manoel Leonardo Santos.
LOBBY COMPARADO
Os n�veis de regulamenta��o da atividade em parlamentos mundo afora e as propostas legislativas apresentadas no Brasil (em pontos*)
Estados Unidos: 62
Carlos Zarattini (PL 1202/07): 51
Canad�: 50
Walter Pinheiro (PRC 203/01): 48
Jo�o Herrmann Neto (PRC 158/09): 45
Francisco Rodrigues (PRC 103/07): 45
Geraldo Resende (PL 1713/03): 45
Hungria: 45
Substitutivo Colnago ao PL 1292/07: 43
Ronaldo Vasconcellos (PRC 87/00): 40
Marco Maciel (PL 6132/90): 38
Jos� Fortunati (PRC 83/96): 35
Austr�lia: 33
Pol�nia: 27
Mendes Ribeiro (PRC 14/11): 23
Francisco Dias (PRC 337/85): 19
Alemanha: 17
Parlamento Europeu: 15
Vanessa Grazziotin (PL 6928/02); 14
(*) A an�lise dos pesquisadores ainda n�o incluiu a proposta mais recente, do senador Walter Pinheiro (PT-BA)
Contagem de pontos
Parlamentos e propostas legislativas ganham uma pontua��o de 0 a 100, que reflete o grau da regulamenta��o. Quanto maior a pontua��o, mais r�gida � a regulamenta��o, considerando as seguintes dimens�es:
1) Defini��o de lobista
2) Registro individual
3) Divulga��o de gastos individuais
4) Divulga��o de gastos do contratante
5) Servi�os eletr�nicos on line
6) Acesso p�blico �s informa��es
7) Poder do �rg�o/ag�ncia respons�vel pelo controle da atividade e san��es previstas para o descumprimento da legisla��o por parte dos lobistas cadastrados
8)Mecanismos de quarentena antes que legisladores/servidores p�blicos se registrem como lobistas.
Debate internacional
As iniciativas de regulamenta��o do lobby se desenvolveram, em particular nas democracias liberais, em torno de duas grandes quest�es: a preocupa��o com a desigualdade de for�as entre grupos de interesses poderosos e setores da sociedade menos organizados e com menos recursos; e a percep��o de que h� condutas anti�ticas e corruptas dos lobistas e dos agentes p�blicos.
Fonte: 2015, Manoel Leonardo Santos e Lucas Cunha.