
O novo chanceler, Jos� Serra, enumera os erros da pol�tica externa dos 13 anos de governo do PT, anuncia que vai discutir uma “atualiza��o” do Mercosul em sua primeira viagem internacional, hoje, � Argentina, e assume um compromisso com a opini�o p�blica e os diplomatas: “Vamos turbinar o Itamaraty”.
Serra disse estar acertando com o ministro do Planejamento, Romero Juc�, como cobrir a car�ncia de R$ 800 milh�es do Itamaraty, que tem at� atrasado sal�rios e alugu�is e im�veis no exterior. Fora isso, h� d�vidas de R$ 6,7 bilh�es do Brasil a organismos e bancos internacionais, tema tamb�m em discuss�o.
Ele tamb�m prometeu abrir o Pa�s ao mundo e uma rela��o melhor com os Estados Unidos. “Nossa rela��o comercial com os EUA deve com certeza se tornar mais pr�xima e o grande investimento a� � a remo��o de barreiras n�o tarif�rias”, disse na noite de sexta-feira, em entrevista ao Estado na qual resumiu os desafios do governo Michel Temer: “N�o temos a op��o de fracassar. Tem que dar certo”.
O que � uma pol�tica externa “regida pelos valores do Estado e da Na��o”?
A pol�tica externa lida com os interesses nacionais num contexto mundial e vamos ter uma pol�tica de Estado, numa nova modalidade de pol�tica externa independente. Al�m de n�o se alinhar �s pot�ncias, ser� independente de partidos e de aliados desses partidos no exterior, diferentemente do que havia nos governos do PT.
O sr. n�o v� diferen�as entre a pol�tica externa de Lula e a de Dilma? O sr. chegou a ficar bem pr�ximo do chanceler de Lula, Celso Amorim, quando o sr. era ministro da Sa�de e ele embaixador em Genebra e atuaram juntos para a quebra de patentes de medicamentos contra a Aids.
Trabalhamos muito bem e de forma produtiva. Ali�s, o Celso deixou de fumar cachimbo por minha causa. Eu disse que ele n�o podia fumar cachimbo e ir a reuni�es antitabagismo e ele jurou que tinha deixado de fumar. Minha rela��o com o Celso foi muito boa. Depois, no Itamaraty, prefiro n�o analisar.
Uma cr�tica a Amorim era que ele era antiamericanista, mas o sr., pelo passado de UNE e de esquerda, tamb�m � visto assim.
N�o � bem assim, mas, de todo modo, n�o tenho condi��es agora de revisar a minha biografia e o que eu pensava a respeito. S� que tive uma experi�ncia pessoal que foi muito importante, quando passei parte do meu ex�lio nos Estados Unidos, nas Universidades de Princeton e Cornell, e comecei a conhecer a sociedade e a democracia americanas muito de perto. Daria uma outra entrevista eu contar o impacto que eu tive ao viver o cotidiano e junto � base da sociedade a democracia americana.
O sr. assume num momento em que o Brasil precisa revigorar as rela��es com Washington, depois que elas ficaram esgar�adas pela contamina��o ideol�gica no Brasil e pela espionagem da NSA at� da presidente...
NSA, o que � isso? Os EUA s�o uma pe�a essencial do mundo contempor�neo, embora j� n�o t�o dominante como no passado, pois voc� tem novos centros de poder e de economia, caso t�pico da China. Nossa rela��o com os EUA � secular e fundamental e deve com certeza se tornar mais pr�xima no com�rcio. O grande investimento a� � a remo��o de barreiras n�o tarif�rias. Eles t�m uma rede de prote��o n�o tarif�ria, na �rea fitossanit�ria, por exemplo, que exige negocia��o. Vamos trabalhar incessantemente nessa dire��o.
Uma eventual elei��o do republicano Donald Trump pode atrapalhar esse processo?
Prefiro n�o acreditar nisso...
No seu discurso de posse o sr. defendeu a reaproxima��o com parceiros tradicionais, como EUA, Europa e Jap�o. � o fim da pol�tica Sul-Sul?
Veja, se o Brasil � um pa�s continental, tem de ter rela��es com o mundo inteiro. N�s vamos levar adiante nossa rela��o com a �frica, mas n�o com base em culpas do passado ou em compaix�o, mas sabendo como podemos cooperar tamb�m beneficiando o Brasil. Ali�s, minha ideia � fazer um grande congresso no ano que vem entre Brasil e �frica, para discutir com�rcio, coopera��o e trocas, inclusive na �rea cultural, onde temos grande afinidade.
Quando fala em compaix�o, o sr. quer dizer que o Brasil n�o vai mais perdoar d�vidas de pa�ses africanos, como fez Lula?
Pedi um levantamento para definir o que ser� feito daqui em diante. O Brasil n�o � um pa�s que tem dinheiro sobrando, n�o somos um pa�s desenvolvido. N�o implica estabelecer rela��es predat�rias com nenhuma parte do mundo, mas temos que gerar empregos e combate � pobreza aqui dentro tamb�m.
Dilma disse em entrevista ser ignor�ncia uma pol�tica externa sem os vizinhos e sem os Brics.
A impress�o que eu tenho � de que ela n�o sabe o que est� dizendo. Entendo as dificuldades e at� esse certo desnorteamento e me sinto constrangido e pouco � vontade para debater com ela nessas condi��es.
Muitos elogiaram, mas muitos consideraram acima do tom diplom�tico suas notas contra o diretor da Unasul e os pa�ses “bolivarianos” que criticaram o processo pol�tico brasileiro. Foram acima do tom?
Foi um tom abaixo das agress�es feitas. Na minha primeira reuni�o no minist�rio eu disse que n�o ir�amos nem calar nem escalar. Essa � a linha. O que fizemos foi apontar o que n�o era verdadeiro. Dizer que a democracia est� atropelada no Brasil? Que n�o h� garantias democr�ticas? Basta qualquer um de fora passar uns dias aqui para ver que a democracia est� funcionando normalmente. Foi um processo traum�tico? Foi. Mas todo dentro da democracia e do previsto pela Constitui��o.
Como fica a rela��o com Venezuela, Cuba, Equador, Bol�via, Nicar�gua e El Salvador, que se manifestaram sobre o Brasil? E com o diretor da Unasul?
A tend�ncia � ir tendo relativiza��es. Ali�s, eu sou amigo do Ernesto Samper (da Unasul). Depois da nota, n�s j� nos falamos.
Por que a primeira viagem � para a Argentina?
Argentina � considerada por n�s para l� de priorit�ria. Entre os prop�sitos da viagem est� o debate sobre a atualiza��o do Mercosul, cria��o do mecanismo de a��o conjunta Brasil-Argentina e acertar uma confer�ncia regional sobre il�citos nas fronteiras, uma quest�o vital para o Brasil e para a Argentina.
Quando se fala nisso, pensa-se no Paraguai, que, ali�s, atuou para evitar notas oficiais contra o Brasil.
Uma a��o dessa natureza � invi�vel sem a colabora��o dos pa�ses, porque n�o se resolve na linha das fronteiras, mas no interior dos pa�ses. Estou convencido de que teremos a coopera��o da Argentina, do Paraguai, da Bol�via, da Col�mbia... O Paraguai � um pa�s que est� se modernizando e o chanceler deve vir aqui em breve.
O sr. falou em atualiza��o do Mercosul. O que significa isso, j� que o sr. � considerado inimigo do Mercosul?
N�o, n�o sou, mas o Mercosul � uma uni�o alfandeg�ria que terminou sendo um obst�culo a acordos bilaterais de com�rcio. Houve uns 500 acordos bilaterais nos �ltimos anos, mas o Brasil s� fez tr�s: com Israel, Palestina e Egito. � preciso aprofundar as condi��es da zona de livre com�rcio, porque ainda h� barreiras, e encontrar formas de flexibilizar as regras para permitir acordos bilaterais mundo afora.
Uma das cr�ticas � pol�tica externa do PT � que foi toda centrada no multilateralismo na OMC, que n�o deu certo, vetando o bilateralismo, que todos os demais fizeram. Isso vai mudar?
O multilateralismo poderia ter sido bom para o Brasil, mas, na medida em que Doha, da OMC, n�o avan�ou, ficou preso nisso, sem multilateralismo e sem acordos bilaterais. Mas, veja, n�o estou dizendo que vamos abandonar a OMC, apenas que vamos ter os p�s no ch�o.
O Brasil vai refor�ar rela��es com a Alian�a para o Pac�fico?
� uma grande prioridade. Rela��o Brasil-Chile sempre foi pr�xima e temos boa rela��o com Col�mbia e Peru. Queremos estreitar rela��es com o M�xico, que � da Alian�a para o Pac�fico e, assim como a Argentina, � prioridade n�mero 1.
Aproximar dos pragm�ticos e neutralizar os bolivarianos?
Posso ser sincero? N�o tem nada a ver com conjunturas pol�ticas. Tem a ver com estrat�gias mais permanentes.
Na era Lula-Amorim, o Brasil participava de negocia��es para a crise do Ir�, para a crise do Oriente M�dio... O sr. vai priorizar o com�rcio em detrimento da diplomacia, ou isso vai voltar?
Sem megalomania. Vamos participar pela paz, pelo entendimento, usando as vantagens comparativas que o Brasil possa ter, mas, repito, sem megalomania.
Com suas cr�ticas � pol�tica externa do PT, vem a� uma dan�a de cadeiras em cargos-chave da chancelaria e das embaixadas?
Vamos manter uma pol�tica gradualista de preenchimento de cargo e o mais importante � que n�s vamos turbinar o Itamaraty. Nesses anos todos, seja pelo jeito de fazer pol�tica externa, seja pelas dificuldades or�ament�rias mais recentes, houve certo des�nimo e ceticismo que comprometeram a autoestima do Itamaraty. Mas isso, eu prometo, ser� revertido.
Como, se o governo prev� um rombo de R$ 170,5 bilh�es?
A car�ncia imprescind�vel do Itamaraty � da ordem de R$ 800 milh�es e n�o precisa ser tudo de uma vez. Ent�o, o peso do Itamaraty nas finan�as p�blicas � insignificante e eu n�o posso atribuir sen�o ao descaso tudo isso que vinha acontecendo.
E as d�vidas com organismos e bancos internacionais?
Quem paga � o Planejamento e hoje (sexta-feira) passei um bom tempo com o ministro Romero Juc� discutindo isso. Ao todo, s�o R$ 3 bilh�es de d�vida com os organismos, mais R$ 3,7 bilh�es para os bancos (BID, Bird, FMI...)
Vai ter corte de embaixadas e consulados?
Eles criaram uns 60 postos e agora s�o 227. Ser� que tudo isso � necess�rio? Estamos vendo custo-benef�cio.
A concess�o de passaporte diplom�tico para o tal bispo evang�lico foi uma derrapada?
Eu n�o assino passaportes, seria ex�tico se assinasse. O problema � que a Igreja Cat�lica sempre teve dois passaportes diplom�ticos, as evang�licas reivindicaram a mesma coisa, e algum governo, acho que do Lula, concedeu. N�o cabe ao governo definir que uma igreja � mais ou menos importante que a outra.
O Itamaraty � um trampolim para sua candidatura em 2018?
Claro que n�o, n�o tem trampolim nenhum. Tudo o que eu quero � fazer uma boa administra��o aqui. Pode parecer uma declara��o de pol�tico tradicional, mas � verdadeira.
Seus filhos acreditam nisso?
Meus dois filhos, sim, principalmente o homem. As mulheres s�o mais desconfiadas.
E se o governo Michel Temer naufragar?
Os desafios s�o imensos, mas n�o temos a op��o de dar certo ou fracassar. Tem de dar certo, pelo Pa�s. O impeachment � doloroso e traum�tico, mas � uma quest�o de salva��o do Brasil.