
O processo judicial de invent�rio desvenda as min�cias do patrim�nio acumulado por uma das mais expressivas lendas da hist�ria de Minas Gerais. Dona Beja, sepultada em 20 de dezembro de 1873, no cemit�rio da Igreja Matriz da ent�o comarca de Bagagem (atualmente Estrela do Sul), envolta em vestimentas de Nossa Senhora do Carmo como especificou em seu testamento, amealhou ao longo da vida joias, objetos de prata, m�veis, escravos, propriedades, animais, utens�lios em geral, que, em seu conjunto, somavam oito contos de r�is. A preciosidade hist�rica, que revela muito desta misteriosa mulher, foi retirada de uma entre dois milh�es de caixas que guardam, em galp�es espalhados por todo o estado, mais de 40 milh�es de processos judiciais. � algo equivalente a 300 quil�metros lineares de pilhas de at� um metro de papel.
H� de tudo. Muitos processos hist�ricos. Segundo determina��o do Conselho Nacional de Justi�a, todos anteriores a 1924 devem ser preservados. H� pe�as de valor inestim�vel. As “Cartas de liberdade”, escrituras de compra e venda de escravos do s�culo 19, cobran�as e execu��es da Fazenda Nacional e processos que se tornaram c�lebres pelas decis�es injustas, como o Caso Irm�os Naves s�o exemplos daqueles pin�ados, tratados e expostos no Museu da Mem�ria do Judici�rio, no Tribunal de Justi�a de Minas Gerais.Mas novas avalanches de processos chegam regularmente e se somam �s toneladas j� arquivadas pelos galp�es espalhados no estado. Segundo T�lio Almeida Pereira Fernandes, coordenador do Arquivo da Comarca de Belo Horizonte, s� na capital s�o coletados trimestralmente nas secretarias das varas sete mil ma�os, cada qual com 50 processos cada, ou seja, 350 mil processos. Nas seis varas da Fazenda Estadual, a coleta m�dia de 1.100 ma�os � bimestral, para evitar carga excessiva sobre o pr�dio da Pra�a da Liberdade. L� se v�o mais cerca de 55 mil para os arquivos.
O volume de processos que chegam aos galp�es, s�o tamb�m, em parte, resultado da judicializa��o em todas as esferas da vida do brasileiro. Segundo os �ltimos dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justi�a (CNJ) relativos ao ano base de 2014, foram naquele ano 28,88 milh�es de novos processos em todo o pa�s, 1,1% a mais do que em 2013. Destes, quase 2 milh�es dizem respeito � justi�a estadual de Minas.
DESPESAS Com a rapidez que os conflitos se transformam em processos, os galp�es v�o se entupindo quando as decis�es transitadas em julgado encerram as pend�ncias. E novos espa�os t�m de ser criados. Em Belo Horizonte, diante da impossibilidade de o Centro Operacional do TJMG receber novos processos, h� quatro anos foi adquirido um novo galp�o no Bairro Camargos. “Mas este novo galp�o tamb�m j� lotou. E foi necess�rio alugar dois novos galp�es no Bairro Industrial, em Contagem, que abriga parte do acervo excedente de Belo Horizonte e tamb�m das outras comarcas de maior porte no estado”, explica T�lio Almeida Pereira Fernandes. Embora na capital mineira a maior parte dos galp�es seja de propriedade da Justi�a Estadual, os gastos s� com aluguel para espa�os de armazenamento dos processos judiciais somam, em todo estado, R$ 432 mil m�s, R$ 5,184 milh�es ao ano.
Nos galp�es, empilham-se em andares e prateleiras incont�veis o relato sobre a hist�ria das disputas judiciais do Brasil col�nia ao Brasil do s�culo 21. Processos recentes se misturam � papelada hist�rica ainda n�o tratada: alguns processos, como o mais antigo sob a guarda do Centro Operacional do TJMG, a execu��o pela Fazenda Nacional em 1850 do cidad�o Domingos Ferreira Lopes, se deterioram esquecidos em arm�rios. Ao mesmo tempo, a elimina��o dos processos sem interesse hist�rico � bem mais lenta e segue as normas definidas pelo CNJ. Em 2015, a meta para o descarte de um milh�o em Minas foi superada: 1.014.772 foram triturados pela coleta seletiva da Associa��o dos Catadores de Papel, Papel�o e Materiais Reaproveit�veis de Belo Horizonte (Asmare). Nos seis primeiros meses deste ano, 338 mil tiveram igual destino.
Esfor�o de moderniza��o

“A implanta��o do processo eletr�nico em 29 comarcas de entr�ncia especial em Minas Gerais j� representa, 50% de todas as a��es c�veis propostas no estado”, sustenta Bittencourt. Desde a sua implanta��o, em julho de 2014, foram 440.853 a��es por meio eletr�nico. S� entre janeiro e junho deste ano, nessas 29 comarcas que concentram o maior volume do estado, foram distribu�dos em meio eletr�nico 176.428 processos de compet�ncia c�vel. Segundo Bittencourt, nas 267 comarcas de primeira e segunda entr�ncia que ainda usam o processo de papel foram distribu�dos, no mesmo per�odo, 179.968 processos.
Embora o TJMG seja, no pa�s, aquele que tem hoje o maior n�mero de processos eletr�nicos na Justi�a comum, esta � ainda uma longa caminhada. A partir do pr�ximo setembro, o cronograma de implanta��o vai abranger mais 10 comarcas de segunda entr�ncia de maior volume processual. Depois destas, outras 78 comarcas ser�o alcan�adas pela mudan�a do papel para o meio digital. A estimativa de Bittencourt � de que at� o fim de 2017, 85% das novas a��es c�veis propostas sejam em meio eletr�nico.
Pelo momento, contudo, os primeiros passos para o processo judicial eletr�nico no estado est�o longe de dar solu��o aos galp�es abarrotados de arquivos. � que a maior parte do volume de a��es eletr�nicas ainda est� longe do tr�nsito em julgado. Por isso, ainda n�o est�o em fase de arquivamento.
Mito e hist�ria

Conta a hist�ria que em princ�pio do s�culo 19 chegaram a S�o Domingos de Arax�, procedentes de Formiga, Anna Jacintha e a sua m�e, que era solteira, Maria Bernarda. Recebeu o apelido de “Beja” por um namorado, em refer�ncia � sua beleza, comparada ao “beijo”, flor silvestre comum na regi�o ou ao p�ssaro “beija-flor”. Entre 14 e 15 anos, Beja foi sequestrada pelo ouvidor Joaquim Ign�cio Silveira da Mota, que chegara a Arax� proveniente da Vila Boa Capital, prov�ncia de Goi�s. Tomado de paix�o pela adolescente, o ouvidor, que era casado, fugiu com ela e instalou-a, como amante, em luxuoso palacete em Paracatu do Pr�ncipe. Educou-a como uma dama segundo os costumes da Corte, cobrindo-a de joias, sedas e luxos. Teria sido por influ�ncia de Beja que o ouvidor, perseguido pelo governo de Goi�s, usou sua influ�ncia pol�tica na Corte para reintegrar o atual Tri�ngulo Mineiro aos seus antigos limites sob a jurisdi��o de Minas.