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Estado de Minas

Gilmar Mendes critica decis�o sobre Renan e deixa no ar possibilidade de impeachment

Confira entrevista com o ministro do STF


postado em 11/12/2016 06:00 / atualizado em 11/12/2016 07:41

Ana Dubeux, Denise Rothenburg, Leonardo Cavalcanti e Paulo de Tarso de Lyra

(foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil)
(foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil)

Mesmo a 10.000km de dist�ncia, em Estocolmo, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes foi um dos protagonistas da crise que elevou a temperatura de Bras�lia � m�xima pot�ncia na �ltima semana — um daqueles eventos capazes de serem inclu�dos em livros de hist�ria, tal a capacidade de repercuss�o entre os poderes da Rep�blica.

Em meio � decis�o do presidente do Senado, Renan Calheiros, em desobedecer a liminar do ministro Marco Aur�lio Mello, Gilmar Mendes criticou diretamente o magistrado, deixou no ar a possibilidade de impeachment do colega de tribunal. “Na verdade fiz blague, dizendo que temos pago um pre�o muito alto por conta de idiossincrasias, toda hora ao longo dos anos”, disse Gilmar, em entrevista por telefone, na tarde da �ltima quinta-feira. “Mas quando atuamos como se fossemos seres �nicos e onipotentes, causamos problemas institucionais graves.”

Ele lembra outros casos de assuntos que deveriam ser discutidos pelo plen�rio, mas que acabaram tendo liminares apresentadas anteriores. Dentre eles, est�o partilha dos royalties do petr�leo; cria��o de novos partidos e desfilia��es; aborto de anenc�falos; e abertura de comiss�o na C�mara para analisar impeachment do presidente Temer. Confira a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva concedida ao Estado de Minas:

Por que a decis�o do plen�rio Supremo sobre Renan foi t�o criticada?

Tinha a impress�o de que essa era a decis�o que seria tomada quando o julgamento fosse encerrado. Tanto � que o decano, Celso de Mello, que tinha votado como manda a maioria, tamb�m fez essa ressalva. � o que Constitui��o permite. O que a Constitui��o diz? Recebida a den�ncia contra o presidente da Rep�blica – e ele s� responde por casos de crime cometido durante o mandato – ele ser� afastado por seis meses. A rigor, isso n�o deveria afetar o mandato, nem a elei��o para presid�ncia da C�mara e Senado. Esse sempre foi o meu referencial. Era desej�vel que o constituinte tivesse escrito isso, mas ele n�o escreveu, n�o colocou isso. E h� formas especiais de perda dos mandatos e dos cargos do presidente da C�mara e do Senado.

Teve uma rea��o da sociedade em rela��o ao presidente do Senado n�o acatar de imediato a decis�o da liminar. Isso n�o prejudica a imagem do Supremo?

� uma quest�o que vem se tornando muito delicada nos �ltimos anos, em fun��o talvez at� da sobrecarga e da dificuldade de se fazer julgamentos no plen�rio do Supremo. N�s montamos inclusive o sistema para turmas, por conta dessas dificuldades. As exig�ncias de submeter as quest�es de preliminares ao plen�rio, antes da decis�o, t�m sido flexibilizadas, n�o v�m sendo cumpridas. Cada vez mais os ministros decidem monocraticamente aquilo que, na exig�ncia legal, deveria ser decis�o do plen�rio, como no caso dessa ADPF. O que aconteceu � que a lei exigia que o tema fosse levado ao plen�rio, e a decis�o foi tomada monocraticamente na segunda-feira. Poderia ter esperado at� quarta-feira, e ter sido pautada no plen�rio. Mas preferiu-se conceder a decis�o monocraticamente. E, assim, a Mesa do Senado exigiu que fosse cumprido aquilo que est� na legisla��o, e que a decis�o fosse tomada pelo plen�rio. N�o se deveria executar uma decis�o que era prec�ria, que n�o atendia aos requisitos legais. Ent�o, me parece que a multiplica��o dessas decis�es que o Supremo tem tomado monocraticamente � uma clara viola��o � lei. E tem acontecido cada vez mais, e, inclusive, com a nova composi��o isso se tornou mais frequente.

Ainda assim, essa decis�o, tida como desobedi�ncia para alguns, n�o pode soar mal para o cidad�o comum? O presidente do Senado n�o atender a um oficial de Justi�a n�o � ruim?
N�o conhe�o as circunst�ncias do caso. Agora, no caso espec�fico, volto a dizer: a lei exige o pronunciamento do plen�rio, at� por causa da gravidade da situa��o. Era a decis�o do Supremo, n�o de um ministro individualmente. Essa ADPF gerou uma s�rie de sobressaltos. Ela foi pautada num dia qualquer, quando o ministro Teori Zavascki tinha o pedido de afastamento do Eduardo Cunha. O julgamento n�o se deu naquele momento, porque o ministro Teori trouxe seu despacho e a sua decis�o para referendo, naquele mesmo dia, e que ficou prejudicada a situa��o. Houve o in�cio do julgamento, teve pedido de vista e, logo ap�s, uma escaramu�a entre o relator e o ministro Toffoli, por conta do pedido de vista do processo n�o ter sido enviado ao gabinete do ministro Toffoli. Ent�o vem um novo pedido ou a reitera��o do pedido ao gabinete, e isso se decide monocraticamente? O que me parece � que h� uma confus�o. N�s, do Supremo, dever�amos ser os primeiros a cumprir o que est� no nosso regimento.

O senhor pediu o impeachment do ministro Marco Aur�lio?
Na verdade fiz blague, dizendo que temos pago um pre�o muito alto por conta de idiossincrasias, toda hora, ao longo dos anos. Se fizer um levantamento na hist�ria, o tribunal � chamado para apagar inc�ndios causados por essas posi��es. Embora cada ministro tenha uma carga de poder imenso, o que importa � a institui��o, o colegiado. Devemos reparar na jurisprud�ncia do tribunal e seguir essa jurisprud�ncia. Quando atuamos como se f�ssemos seres �nicos e onipotentes, causamos problemas institucionais graves.

Foi o que aconteceu, ministro?
� o que tem acontecido. Ao longo dos anos, temos v�rios casos de repeti��o disso. Seja l� qual fen�meno mental que estimule esse tipo de atitude, de fato, isso tem se repetido. N�o � um bom exemplo.

Por que o ministro Marco Aur�lio agiu dessa forma, ent�o?
N�o vou fazer psicografia da alma e nem psicologia nesse momento. Cada qual que responda por suas responsabilidades. Agora, pode se ter espa�os para essas idiossincrasias em outros ambientes, n�o no tribunal. Podemos at� errar, o plen�rio corrige, quando n�o sabemos ainda jurisprud�ncia e tudo mais. Por�m, quando conhecemos a jurisprud�ncia e a clareza dos textos, temos que observ�-los. A legisla��o n�o deixa d�vidas de que as liminares t�m que ser decididas pelo plen�rio, porque estamos suspendendo atos legais. Portanto, � muito dif�cil justificar essa atitude. A lei permite sess�es em caso de urg�ncia. Qual era urg�ncia de fazer na segunda-feira, e n�o na quarta-feira? Na quarta, seria a decis�o do colegiado, e talvez o plen�rio n�o referendasse, como acabou n�o referendando

Uma exposi��o desnecess�ria para o Supremo e para os ministros?
Certamente, poder�amos ter passado sem esse incidente. Considerando a nossa tradi��o, a for�a do Supremo ao longo dos anos. � algo que no Brasil, sobretudo, e no mundo todo, tem uma representatividade. Agora, tenho a impress�o que devemos tirar proveito dessa decis�o e fazermos uma profunda autocr�tica. Temos tido decis�es realmente extravagantes em rela��o � lei e ao regimento. T�m liminares que deveriam ter sido submetidas ao plen�rio e que n�o foram. Acredito que dever�amos fazer um invent�rio e trazermos tudo isso, para evitarmos exatamente esse tipo de situa��o.

Mas haveria necessidade do impeachment?
Claro que, a qualquer hora, algu�m contrariado pode pedir um impeachment do presidente do Supremo, ou de algum membro. E o Senado em geral arquiva e tudo mais. � preciso levar isso a s�rio quando se age com ilegalidade, de forma sist�mica, repetida. Porque n�o � dado ao ministro do Supremo causar tamanha inseguran�a jur�dica, seja l� em que nome for a t�tulo de imaginar que seja. Claro que podemos criar um clima de hermen�utica. Mas este caso � um caso de ilegalidade aritm�tica, porque, se a lei exige que a decis�o liminar seja tomada por seis votos, e algu�m decide sem urg�ncia tomar a decis�o, por um voto, estamos falando de uma ilegalidade. N�o se pode imputar inconsci�ncia, inexperi�ncia ou analfabetismo jur�dico. Ent�o, alguma provid�ncia tem que se tomar, para benef�cio de todos e da institui��o. Tem que se refletir nesse sentido, se nunca foi discutido, tem que ser discutido.

Como isso deve ocorrer?
Fazer valer as leis. Tenho impress�o que esse tipo de pr�tica foi alimentada pelo excesso de processo e da dificuldade de colocar esses processos em pauta. Em geral, concede uma liminar, coloca o processo � disposi��o do plen�rio, mas ele n�o � chamado, por conta das dificuldades de pautas. E isso foi alimentando, nesses casos espec�ficos, uma s�rie de pr�ticas heterodoxas, ilegais vamos dizer assim. Se passou a conceder liminar sem a necess�ria urg�ncia, sem cumprir portanto a lei e sem submeter a plen�rio. Esse caso mesmo, se n�o fosse a crise s� seria submetido a plen�rio no ano que vem.

Mesmo estando fora (em Estocolmo), o senhor atuou de maneira decisiva nessa crise.
Na verdade, tenho um posicionamento muito claro. As coisas que estou dizendo nesta entrevista, j� disse no plen�rio. Esse � um jogo institucional muito complexo, com diferentes players. A Corte n�o est� jogando sozinha no cen�rio pol�tico. E isso come�a a ter rea��es. Eu tenho sido uma das vozes recomendando cautelas. Por exemplo, quando n�s vemos agora a C�mara discutindo esse pacote das 10 medidas, aprovar medidas restritivas ao Judici�rio e ao Minist�rio P�blico com mais de 400 votos, percebemos que h� um desconforto e um certo inc�modo a esse empoderamento e a essa aliena��o, vamos dizer assim, do aparato judicial, da pr�pria pol�cia e do Minist�rio P�blico.

O senhor chegou a conversar com algum integrante do Senado?
N�o.

O Supremo levou em conta o fato de o Renan ser um pilar de susten��o do governo Temer?
N�o sei se essa considera��o foi feita pelo tribunal. Acho que tribunal se limitou a fazer uma an�lise quanto � legalidade da medida. Agora, claro que, quando se discute esse tipo de tema, n�o se pode tomar decis�es no sentido de que se fa�a justi�a, ainda que o mundo pere�a. Tem que se considerar todas as consequ�ncias. Quem toma a decis�o tem que, de fato, saber se ser� capaz de execut�-la. Tenho dito sempre: n�o devemos acender f�sforo pra ver se tem gasolina no tanque. Porque voc� pode colher como resultado, o que se assemelha ao que foi colhido neste caso, uma explos�o. E suspens�o de um presidente da C�mara, Senado e de uma Assembleia Legislativa, �rg�os representativos da comunidade, s�o decis�es graves. Pois estamos afetando o pr�prio poder, a coordena��o do poder, o equil�brio do poder. Temos de fazer uma an�lise mais sofisticada.

O protagonismo do Judici�rio n�o atrapalha?
Temos v�rios problemas. Um deles talvez seja incontorn�vel, porque a Constitui��o abriu at� mesmo a possibilidade para associa��es e a��es sindicais fazer essas a��es diretas. Portanto, qualquer segmento mais representativo consegue levar ao Supremo os temas mais delicados do ponto de vista da constitucionalidade. Por outro lado, tamb�m se previu que o Supremo fa�a o controle da omiss�o legislativa, e, por isso, este � um tema de embate, pois a toda hora se reclama que o Congresso deixou de legislar. No �mbito do Supremo, � quase que inevit�vel aquilo que chamo de judicializa��o da pol�tica. Por�m, isso se estendeu para todos os ambientes judiciais – do vereador ao prefeito, e do deputado estadual ao governador, todos reclamam das interven��es judiciais, a judicializa��o da sa�de p�blica, as recomenda��es que v�m do Minist�rio P�blico para essa ou aquela diretriz de abuso de autoridade.

O Congresso est� sendo omisso?
O pr�prio Congresso foi cedendo espa�o, por exemplo, ao aprovar a Lei da Ficha Limpa em 2010. Pressionado pela opini�o p�blica e por determinados grupos, o Congresso aprovou uma lei bastante ruim, com grandes d�ficits sist�micos, mas que empodera ainda mais o Minist�rio P�blico e os ju�zes. Basta uma decis�o de segundo grau para que algu�m seja afastado da pol�tica, se torne ineleg�vel. N�s temos tido casos bizarros. Recentemente, no Mato Grosso, o Tribunal de Justi�a se reuniu em um s�bado para confirmar a condena��o de um prefeito e tir�-lo do processo eleitoral porque precisava da decis�o de segundo grau antes das elei��es. S�o casos abusivos que v�o se verificando em fun��o da lei da Ficha Limpa. Isso gera no estamento pol�tico tamb�m um tipo de rea��o que, agora, come�a a se aperceber. Acredito que isso precisa ser devidamente coordenado, criando normas procedimentais em nome de maior seguran�a jur�dica, criando essa an�lise por parte dos atores do Minist�rio P�blico e Judici�rio em geral.

Mas, por conta do protagonismo desse atores, isso n�o parece ser cada mais imposs�vel?
Eu tinha a impress�o que, no plano do Supremo e Congresso, isso se pode fazer primeiro com a observ�ncia das regras j� existentes. Juiz do Supremo n�o pode ficar violando as regras procedimentais �bvias, nenhum juiz deveria poder faz�-lo. Se queremos que as nossas decis�es sejam observadas, elas t�m que se pautar com um grau de legitimidade e razoabilidade. Eu reparo que esse � um problema que se aprofundou porque, a toda hora, se ouvem prefeitos dizendo que os promotores querem administrar a cidade e tomam medidas. Em Bras�lia, o governador Rollemberg, querendo adotar OSs para a sa�de, teve dificuldade porque os promotores assumiram posi��es corporativas a favor dos sindicatos, m�dicos, param�dicos, e contra diretrizes de quem tem legitimidade democr�tica.

O que amplia o desgaste geral.
Todo esse processo leva a um desgastamento da legitimidade e provoca rea��es como essa que vimos na C�mara. Quando se tem uma alternativa, uma resposta vem equivocada, mas que tem um efeito simb�lico enorme. Quando voc� tem mais de 400 votos em um projeto de lei ordin�rio, significa que, se aquele conte�do tivesse sido submetido sob forma de emenda constitucional, poderia ter virado a emenda constitucional.

A sociedade foi para as ruas criticar o Congresso por tentar desfigurar as medidas.
� normal. A sociedade n�o quer ser complacente com malfeitos, corrup��o e coisas do tipo. Agora, � preciso contar a hist�ria inteira para a sociedade. Em geral, a sociedade recebe tamb�m o tema filtrado. Em rela��o �s 10 medidas, elas foram concebidas, talvez, em um laborat�rio. As pessoas n�o levaram em conta que elas passariam por um processo cr�tico ou consideraram que diante do empoderamento de determinados segmentos, principalmente a pluralidade dos atores da Lava-Jato, elas seriam aprovadas. No que diz respeito ao habeas corpus, basta consultar qualquer advogado com alguma experi�ncia, que ele diria que o projeto acabava com o habeas corpus no Brasil. Talvez fosse o AI-5 nosso, em rela��o ao habeas corpus em tempos modernos, porque praticamente n�o se daria mais liminar em habeas corpus a n�o ser que o sujeito estivesse preso. N�o se daria mais habeas corpus para anular processos, trancar inqu�ritos e coisas do tipo.

Mas a pr�pria justi�a n�o est� resistindo a conceder habeas corpus?
Nesse epis�dio da Lava-Jato, o Supremo foi econ�mico na concess�o de habeas corpus. Mas os tribunais de baixo, o TRF do Rio Grande do Sul e o STJ, salvo engano meu, n�o concederam nenhum habeas corpus. Isso mostra n�o que tudo esteja certo na Lava-Jato, mas que h� um temor, n�o de um juiz de baixo, mas da opini�o p�blica. � bom que o cidad�o saiba que, quando o juiz tem medo de conceder habeas corpus, o seu direito est� sendo amea�ado.

Qual a avalia��o do senhor sobre o foro privilegiado?
Eu vejo ainda com muita dificuldade, porque h� uma desconfian�a rec�proca na rela��o dos poderes com o Judici�rio. Seria muito f�cil se tiv�ssemos essa tradi��o e a despolitiza��o da Justi�a, o que est� longe de ocorrer entre n�s. Imagine o poder que um governador tem na Justi�a do seu estado. N�o faz muito tempo, a ex-corregedora, Eliana Calmon, denunciava que as a��es de improbidade n�o andavam no Rio de Janeiro contra os pol�ticos, apontando um pacto entre o Judici�rio e os pol�ticos locais. Portanto, esse poder pode existir no abuso, nesse, ou naquele sentido. � normal que os pol�ticos tenham desconfian�a e que possam ser expostos a um processo injusto, isso pode ocorrer. O nosso problema, hoje, no Supremo, � que o foro foi ultradimensionado, ele abrange todos os parlamentares. Mais de um ter�o do Congresso � investigado, o que dificulta enormemente a tarefa do Supremo, afinal n�s somos 11. Os processos ficam com um relator, tendo em vista rela��es de contin�ncia, conex�o, preven��o... Tem o ministro Teori, com a Lava-Jato, praticamente tem que dedicar todas as suas for�as, a� � complex�ssimo. A persistir esse quadro, n�o vejo que o Supremo tenha condi��es de continuar com essa compet�ncia. Nem mesmo qualquer tribunal.

Isso provoca uma falha sist�mica?
A justi�a criminal como um todo, no Brasil, � muito falha, muito deficit�ria. N�s demoramos 12 anos, em m�dia, para colocar algu�m no j�ri, algu�m que matou, confessadamente. N�s temos uma falha geral no sistema de justi�a criminal. Se a gente quisesse dar a fun��o priorit�ria a um tema de reforma judici�ria seria para a Justi�a criminal como um todo. Ent�o, tamb�m n�o vamos imaginar que, passando os processos para primeiro grau, vamos ter uma din�mica muito diferente. Vamos ter os mesmos fen�menos de prescri��o, de demora e tudo mais.

Esse debate aconteceu no mensal�o

No caso do mensal�o, a gente tem um bom exemplo. O processo andou no Supremo, mas os processos filhotes que foram mandados para o primeiro grau praticamente ficaram parados, um dia estar�o prescritos. N�o se pode fazer esse contraponto a partir das refer�ncias do juiz S�rgio Moro de que a primeira inst�ncia funciona e o Supremo ou outros tribunais n�o funcionam. Em geral, se fizerem um balan�o honesto, a justi�a criminal como um todo, no Brasil, � extremamente falha. Eu, como presidente do CNJ, visitei v�rios estados do Brasil acompanhando como est� a realidade do sistema prisional e criminal. Eu encontrei, em Jaboat�o dos Guararapes, em Pernambuco, um n�mero imenso de processos para serem prescritos, at� de homic�dio. � o processo mais grave para a comunidade em geral e � o que tem, por conta das dificuldades como composi��o dos jurados, organiza��o do j�ri, maior demora no julgamento. Tanto � que, na nossa �poca, fizemos mutir�o para fazer j�ri, al�m de reuni�o com os promotores. Esse tema tem que ser tratado de uma forma completa. N�o pode ficar nesse manique�smo de que o Supremo � mau e a primeira inst�ncia � boa, porque n�s vamos encontrar v�rios casos de prescri��o de crimes graves porque n�o houve andamento correto dos processos.

O Supremo se enfraqueceu nesse epis�dio do Renan? Nas redes circulou um cartaz com dizer: STF, S� Tem Frouxo.
Isso � absolutamente normal. Uma das fun��es da jurisdi��o constitucional, em muitos casos, � ter capacidade de adotar uma postura contra o majorit�rio. A popula��o, em geral, por conta at� das informa��es que voc�s da imprensa trazem, n�o tem filtro, n�o tem mecanismos mais sofisticados de fazer avalia��o do processo. Ela opera em uma l�gica bin�ria, est� certo ou errado, sou a favor ou contra o bandido. A Justi�a � mais complexa que isso. � normal que isso ocorra. � preciso que n�s expliquemos que, tamb�m por isso, � que se d�o garantias aos ju�zes, diferente do que se d� at� ao sistema pol�tico, porque muitas vezes ele vai ter que enfrentar esse tipo de situa��o.

O senhor j� foi questionado algumas vezes
Eu me lembro que, na minha presid�ncia, eu tive que conceder dois habeas corpus ao Daniel Dantas e fui achincalhado por isso. No final, se descobriu que o criminoso era o delegado e se viu todo o abuso cometido. O grande her�i da �poca era o juiz De Sanctis, que acabou at� merecendo puni��o por parte do CNJ. O tribunal tem que saber conviver com isso e, claro, � importante que voc�s tamb�m expliquem as decis�es e n�o se embalem por essa toada da m�dia das redes sociais. A popula��o, em geral, diante das informa��es, n�o sendo especializada, opera nessa l�gica bin�ria, certo ou errado. Em uma comunidade ativa como � a nossa, com todos esses meios de comunica��o, � compreens�vel isso. Agora, eu entendo, pior seria se o STF, a partir de um erro enorme daqueles, decidisse persistir no erro por coleguismo, companheirismo.

Isso n�o desmoraliza o STF em um momento t�o cr�tico quanto esse que estamos vivendo?

N�o, desmoralizaria o tribunal se ele tentasse implementar uma decis�o equivocada do ponto de vista jur�dico no crit�rio corporativo.
Outra decis�o que trouxe muita controv�rsia foi a que autoriza o aborto at� o terceiro m�s de gesta��o.
N�s temos que ser mais procedimentalistas. Temos que respeitar as regras b�sicas, inclusive as regras do processo. Uma mat�ria dessa, por exemplo, n�o poderia ter sido decidido na turma. Se era para ser discutido o tema de fundo do aborto, tr�s meses, dois meses, seja l� o que for, ter�amos que decidir isso no plen�rio. Foi decidido na turma e passa a impress�o de que � uma decis�o que aproveita as circunst�ncias, o que tamb�m n�o � bom para o sistema judici�rio. N�s n�o fazemos precedentes a partir de esperteza, isso pode at� funcionar no mundo pol�tico.

O que houve?
Nesse caso, justi�a se fa�a ao ministro Marco Aur�lio, ele concedeu o habeas corpus apenas no fundamento do prazo excessivo da pris�o. Isso foi claramente colocado, mas tr�s ministros decidiram enfrentar o tema substancial, s� que a turma n�o tinha compet�ncia para isso. N�o deixa de ser ir�nico que alguns dos participantes da vota��o sobre a vaquejada, que consideraram que eventualmente quebrar o rabo do boi � muito danoso e afeta a dignidade de todas as pessoas e votaram pelo fim da vaquejada, agora est�o permitindo o aborto.

Como est� o processo em rela��o a cassa��o da chapa Dilma/Temer no TSE?
O processo ainda est� em andamento, � um processo muito demorado. O ministro Herman Benjamim est� acompanhando todos os casos e depoimentos, mas esse processo, certamente, s� vai ter andamento no ano que vem, a conclus�o � no ano que vem.

O senhor tem um prazo, uma ideia?
Eu espero que no primeiro semestre.

A situa��o do Brasil melhorou nesses seis meses?
Eu tenho a impress�o de que temos maior di�logo entre sistemas pol�ticos e um ambiente de liberdade. Estamos respirando e buscando solu��es. Certamente, vamos avan�ar. Todos os fatos que ocorreram nesses �ltimos anos s�o surpreendentes, mas muito surpreendente tamb�m � o fato de termos demorado muito com tantos �rg�os de controle para desvend�-los, descobri-los. Isso foi um dado realmente preocupante e, de fato, o pa�s chegou a frangalhos em termos de responsabilidade fiscal. Isso n�o s� no �mbito federal, como no �mbito dos estados. � o que est� havendo, hoje, de maneira mais expl�cita, no Rio de Janeiro, mas pelo menos outros 13 estados est�o atingidos fortemente pela crise. Porque n�s temos uma profunda crise ap�s todos esses anos e precisamos enfrentar com garantia, com responsabilidade, para super�-la.

Em rela��o � Odebrecht, j� h� quem diga que o Supremo ter� que ampliar muito a sua capacidade de an�lise t�cnica de processos.
Certamente, diante dos pedidos, o tribunal vai fazer os ajustes poss�veis e vai tentar fazer os devidos encaminhamentos. N�o haver� maiores dificuldades. Se for necess�rio, haver� a possibilidade de coloca��o de mais instrutores para trabalhar com o relator, ministro Teori. Mas vamos aguardar primeiro essa prometida enxurrada de nomes e de investiga��es.

O senhor � um cr�tico forte das 10 medidas e os promotores, integrantes da for�a-tarefa, chegam a dizer que o senhor � o carrasco da Lava-Jato. O senhor se sente ofendido?
N�o, eu fico muito orgulhoso de ter sido carrasco, por exemplo, dessas medidas como o teste de integridade, aproveitamento de prova il�cita, mas isso n�o tem nada a ver com a Lava-Jato. Quando discutimos a Lava-Jato no plen�rio, l� na turma, eu tenho apoiado o ministro Teori em v�rios casos que ele tem mantido as pris�es. Recentemente, estive no Senado com o juiz Moro. Agora, da� a subscrever as propostas da equipe da Lava-Jato, em mat�ria de legislador, eu prefiro os legisladores que temos.

Por qu�?
N�o vejo esses personagens como legisladores e, obviamente, j� estou muito velho para bater palma para maluco dan�ar. Quando percebo distor��es, eu aponto o que � da minha responsabilidade. N�o vejo que se deva empoderar ainda mais �rg�o j� empoderado como Minist�rio P�blico e o pr�prio Judici�rio. E eu sei da dificuldade de se conceder habeas corpus. Eu vejo os pr�prios colegas que ficam perplexos diante de determinados desafios porque precisa vir a repercuss�o na opini�o p�blica. Quando se pensa em tornar mais dif�cil a concess�o de habeas corpus, eu vejo isso com preocupa��o. Fico muito orgulhoso, eu gosto de traduzir, chamar as coisas pelo nome e assumir responsabilidade. N�o fiz cr�ticas pelas costas, disse as minhas diverg�ncias, agora no Senado, com o juiz Moro, face a face, dizendo as coisas com as quais eu n�o concordo. E sou um defensor, desde 2008 ou 2009, de uma nova lei de abuso de autoridade e n�o vejo que isso seja feito contra a Lava-Jato, isso se faz um favor para os cidad�os do Brasil.

O abuso de autoridade ficou para o ano que vem. O senhor enviou as sugest�es?
Eu enviei, entreguei sugest�es no dia e certamente ele as incorporou �s ideias. Mas eu acho que podemos discutir mais o projeto. Outra coisa � dizer que um dado projeto n�o pode ser aprovado. Eu acho que estamos com uma lei de abuso de autoridade de 1965, e n�s empoderamos as autoridades ao longo desses anos de maneira muito clara, o texto constitucional e a legisla��o refor�aram. Agora, questionar abuso de autoridade de promotor, de juiz e delegado n�o tem nada a ver com combate � criminalidade. O combate � criminalidade tem que se dar nos termos da lei, respeitando o princ�pio da legalidade, se n�o voc� equipara o juiz a um justiceiro qualquer, e isso n�o pode ocorrer. As coisas precisam ser bem definidas e que haja um novo estatuto sobre abuso de autoridade. Todos sofrem abuso de autoridade: aquele que fica na fila, que tem que contratar despachante, aquele que � atacado por um policial, que � atingido por apreens�es indevidas, invas�o de domic�lio.Tudo isso a lei tenta atender, portanto, n�o tem como foco opera��es policiais ou judiciais.


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