Bras�lia - Em tempos de telefones criptografados e aplicativos de autodestrui��o de torpedos a complicar a vida de investigadores, alguns dos alvos da Opera��o Lava-Jato, a maior investiga��o de corrup��o da hist�ria do pa�s, foram pegos porque vacilaram na tarefa de esconder os crimes dos quais s�o acusados. Houve quem fizesse prova contra si em depoimento, entregasse o c�mplice por mensagem e at� deixasse que as c�meras de seguran�a instaladas em casa gravassem o pr�prio flagrante.
Embasaram o pedido de pris�o do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, primeiro a colaborar com os investigadores em troca de redu��o de penas. Tamb�m permitiram a identifica��o do doleiro Alberto Youssef, cujo esquema, mais tarde confessado por ele, lavava dinheiro sujo para dezenas de pol�ticos e empres�rios brasileiros. At� Antonio Palocci, ministro forte das eras Lula e Dilma, caiu na rede dos investigadores porque um dia, sem imaginar as consequ�ncias, algu�m bobeou e escreveu mais do que devesse.
Conhe�a os casos de quem vacilou na Lava-Jato:
‘Primo, que primo?’
Foi monitorando as liga��es de um BlackBerry do doleiro Adib Charter, dono do Posto da Torre, em Bras�lia, a partir de julho de 2013, que surgiram fortes evid�ncias de uma imensa rede de lavagem de dinheiro. Nas liga��es telef�nicas, todos chamavam o principal operador do esquema de “primo”. Mas, afinal, quem era ele? A dica veio num fat�dico telefonema, no qual um dos investigados se referiu ao personagem misterioso como “Beto”.
Ao saber da novidade, tr�s delegados correram � sala de escutas da Pol�cia Federal, como contou o jornalista Vladimir Netto no livro Lava Jato - O juiz S�rgio Moro e os bastidores da Opera��o que abalou o Brasil. Eles n�o tiveram mais d�vidas ao ouvir a voz de “Beto”. Era Alberto Youssef, cliente antigo de investiga��es de corrup��o e que j� havia sido grampeado outras vezes.
Um deles, Igor Rom�rio de Paula, tinha sido controlador de voo e conhecia o falar do doleiro desde que ele voava sobre o Paran� com produtos contrabandeados. N�o fosse aquela liga��o, o desenrolar do maior caso de corrup��o do Pa�s talvez teria sido outro. O doleiro foi o segundo delator da opera��o. Entregou dezenas de pol�ticos e empres�rios, e detalhou minuciosamente como se desviava dinheiro da Petrobras.
Fam�lia unida
O ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa nem estava entre os primeiros presos da Lava Jato, em 17 de mar�o de 2014. Aposentado, levava uma vida confort�vel, e acima de suspeitas, como consultor. Ao “pescar” uma nota fiscal de R$ 250 mil na conta de e-mails de Alberto Youssef, a PF descobriu que o ex-dirigente da estatal havia ganhado uma Land Rover blindada do doleiro.
Foi por causa desse primeiro trope�o que os investigadores pediram mandados de busca e apreens�o em endere�os de Paulo Roberto. Um segundo o levaria para a cadeia e para a dela��o premiada. Quando policiais foram vasculhar a Costa Global, empresa que o ex-diretor abrira na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, perguntaram ao chefe de seguran�a do edif�cio se percebera algo estranho. Assim se descobriu que as duas filhas e os dois genros dele tinham acabado de sair do local, levando bolsas cheias de documentos e dinheiro em esp�cie.
A opera��o se deu enquanto os policiais buscavam as chaves do escrit�rio na casa do ex-diretor. A tentativa de ocultar provas foi registrada pelo circuito interno de TV. O flagrante, em v�deo, foi decisivo para que o juiz S�rgio Moro, da 13.ª Vara, em Curitiba, mandasse prender Paulo Roberto tr�s dias depois.
As investiga��es mostraram que n�o s� ele, mas as filhas, os genros e a mulher estavam envolvidos em corrup��o e lavagem de dinheiro. Sob risco de ver toda a fam�lia processada e presa, o ex-diretor fez o primeiro acordo de colabora��o da Lava Jato.
Cachorrada
Policiais interfonaram �s 6h01 de uma quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015, numa casa da Rua Fala Amendoeira, na Barra da Tijuca, no Rio. Quem atendeu foi L�lia Loureiro Esteves de Jesus, que, ao saber do mandado de busca e apreens�o, avisou que prenderia os cachorros antes de abrir. Ela n�o foi ao canil. Encheu um volumoso pacote com dinheiro e pap�is comprometedores, atravessou o quintal correndo, ultrapassou um obst�culo pr�ximo � piscina e escapuliu por uma sa�da lateral.
Os agentes da PF j� se preparavam para invadir o im�vel quando, �s 6h09, o port�o foi aberto pelo marido de L�lia, Guilherme Esteves de Jesus, suspeito de operar propinas pagas pelo Estaleiro Jurong Aracruz ao ex-diretor da Petrobras Renato Duque e ao ex-gerente executivo Pedro Barusco, ambos da �rea de Servi�os.
A “limpeza” poderia ter dado certo, n�o fossem as dificuldades do investigado ao tentar explicar o paradeiro da mulher que atendera � campainha. Primeiro disse que s� as filhas estavam em casa. Depois alegou que a esposa tamb�m estava ali, mas n�o soube precisar em que canto. Houve buscas, infrut�feras, pela desaparecida, at� que os policiais descobriram 11 c�meras de seguran�a espalhadas pela �rea externa.
O casal havia se esquecido de apagar as cenas, que registravam a tentativa de esconder provas. Numa delas, Esteves aparece escondido atr�s de uma moita, conversando com a mulher, antes de ela escapulir pelo port�o. Os dois acabaram denunciados por crime de embara�o �s investiga��es.
Opera��o Miami
Enquanto Marcelo Odebrecht era preso no Brasil, em 19 de junho do ano passado, a secret�ria Maria L�cia Guimar�es Tavares estava em Miami. Havia sido convocada para uma reuni�o com o executivo Luiz Eduardo Soares, seu chefe no Setor de Opera��es Estruturadas, a “divis�o de propinas” da empreiteira. O objetivo era prestar contas de “pixulecos” pagos a pol�ticos e agentes p�blicos.
�quela altura, com a Lava Jato em seu encal�o, a empresa tentava apagar os registros de que aquele departamento um dia existira. Maria L�cia levou consigo pastas com planilhas e codinomes que indicavam os benefici�rios do esquema.
Poderia ter deixado tudo por l�, longe das vistas da Pol�cia Federal, mas voltou para o Brasil com o material e o deixou em casa, na Bahia, por oito meses, at� que os investigadores bateram � sua porta com mandados de pris�o e de busca e apreens�o.
Era 22 de fevereiro deste ano, e come�ava a 23.ª fase da Lava Jato, batizada de Opera��o Acaraj�. Levada para a cadeia, ela foi a primeira e mais decisiva colaboradora da Odebrecht. Contou o que sabia, levando a c�pula do conglomerado a capitular e partir para a chamada “dela��o do fim do mundo”, com 77 executivos.
Sinceric�dio
O deputado An�bal Gomes (PMDB-CE) j� estava suficientemente enrolado na teia da Lava Jato quando prestou um depoimento � Pol�cia Federal em 27 de agosto do ano passado. Havia sido acusado por Paulo Roberto Costa de lhe oferecer suborno de R$ 800 mil para, quando diretor de Abastecimento da Petrobras, facilitar um acordo que liberou R$ 62 milh�es para empresas de praticagem (condu��o de navios em portos).
Pela intermedia��o do neg�cio, o deputado teria dividido com tr�s parceiros propina de R$ 6 milh�es. A oitiva para a PF seguia o script dos advogados at� que o congressista cometeu um inesperado sinceric�dio. Admitiu ter recebido de “amigos” e “parentes” doa��es de R$ 100 mil na campanha de 2014, mas que as declarou � Justi�a eleitoral como sendo dinheiro dele pr�prio.
Justificou que preferiu oficializar as contribui��es assim porque as quantias eram “pequenas”. O tiro no p� rendeu piadas de procuradores e uma den�ncia a mais contra Gomes, por fraude eleitoral. A acusa��o s� n�o foi aceita pelo Supremo Tribunal Federal porque os ministros entenderam que, al�m da confiss�o, eram necess�rias mais provas.
Ele n�o escapou, no entanto, de virar r�u por corrup��o pelo suposto recebimento de dinheiro das empresas de praticagem. Este m�s, o deputado e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), um de seus principais aliados, foram denunciados por ganhar propina, disfar�ada de doa��es eleitorais, em troca de viabilizar a contratos da Petrobras com a empreiteira Serveng.
Enigma � romana
A Lava Jato passou meses tentando decifrar os codinomes lan�ados nas planilhas que discriminavam as propinas da Odebrecht. Primeiro achou ser o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, nascido em G�nova, o “italiano” que recolhia milh�es ilegalmente para o PT. Pista falsa. Foi uma incauta mensagem de 2009, enviada pelo ex-presidente do grupo Marcelo Odebrecht, atualmente preso em Curitiba, ao ent�o diretor de Rela��es Institucionais, Alexandrino Alencar, o que contribuiu decisivamente para implicar Antonio Palocci.
“Vc marcou alguma coisa com o Italiano na 2ª? Se n�o, vou ligar para Brani hoje para tentar marcar”, escreveu o executivo. Brani era o apelido de Branislav Kontic, principal assessor do ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil nas eras Lula e Dilma.
Odebrecht tamb�m recorreu ao diminutivo em e-mails enviados diretamente ao auxiliar de Palocci. Ao analisar as comunica��es e outras provas, o juiz S�rgio Moro se convenceu e mandou Palocci para a cadeia. Foi em 26 de setembro, na Opera��o Omert�, 35.º fase da Lava Jato.
Morto pela boca
Pol�ticos, em geral, fazem o diabo para evitar exposi��o em comiss�es parlamentares de inqu�rito (CPIs). O ex-presidente da C�mara e deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), num epis�dio decisivo, n�o agiu como exemplar convencional de sua esp�cie.
Mesmo sem ser convocado, decidiu ir espontaneamente � comiss�o que investigava corrup��o na Petrobras, em mar�o de 2015. Era um ambiente de cordialidade, preparado pelos aliados para poup�-lo de perguntas embara�osas. Mas ele pr�prio afirmou: “N�o tenho qualquer conta em qualquer lugar que n�o seja a que est� declarada em meu Imposto de Renda”.
Foi por causa da declara��o, ap�s a Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR) indicar o contr�rio, que ele passou a responder a um processo de quebra de decoro parlamentar por “mentir publicamente”.
Em setembro �ltimo, foi cassado, perdeu o foro privilegiado e seu processo foi enviado � Justi�a Federal no Paran�. No m�s seguinte, o juiz S�rgio Moro mandou Cunha para a pris�o. A justificativa de que as contas na Su��a eram trustes, movimentados por terceiros respons�veis por gerir seu patrim�nio, n�o colou nem com os procuradores da Lava Jato e nem com os seus pares no Congresso.
Ele ‘deu a Elza’
“Gato gordo” da Lava Jato, no jarg�o dos policiais, o ent�o presidente da C�mara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), dedicava boa parte de suas declara��es p�blicas a negar que movimentava dinheiro no exterior.
Era outubro de 2015 e Jo�o Augusto Henriques, considerado o operador do PMDB, revelara em depoimento prestado no m�s anterior ter aberto uma conta na Su��a para pagar propina ao peemedebista. Contou que o dinheiro teria vindo de um contrato da Petrobras relativo � compra de um campo de explora��o no Benin, �frica. O Minist�rio P�blico su��o rec�m-enviara � Procuradoria-Geral da Rep�blica (PGR) investiga��es apontando as contas secretas do deputado.
Quando o vasto material veio � tona, um detalhe chamou aten��o: Cunha fornecera o nome da pr�pria m�e como contrassenha a ser usada em consultas ao banco Julius Baer. Entre os procedimentos de seguran�a, a institui��o, especializada em gerir fortunas, exigia que o cliente respondesse a uma pergunta secreta para acessar o servi�o de help desk (suporte t�cnico) quando necess�rio. O peemedebista optou por “O nome de minha m�e”. A resposta: “Elza”.