
Bras�lia – A advogada-geral da Uni�o, ministra Grace Mendon�a, de 48 anos, a primeira mulher nomeada para a Esplanada pelo presidente Michel Temer, tem sob seu comando 120 advogados. Entre eles, h� um grupo espec�fico – que ela n�o revela quantos por uma quest�o de sigilo profissional – dedicados exclusivamente em analisar a Opera��o Lava-Jato. A tropa de elite tem uma miss�o especial: recuperar os R$ 20 bilh�es desviados pelo maior esquema de corrup��o investigado no pa�s. O n�mero torna-se ainda mais impressionante quando comparado com o total de recursos, escamoteados dos cofres p�blicos, que est�o sob investiga��o pela pasta de Grace: R$ 23 bilh�es. “� miss�o da Advocacia-Geral da Uni�o, como fun��o essencial de justi�a, zelar pelos cofres p�blicos federais e buscar reinserir nos cofres federais os recursos p�blicos que foram desviados”, afirma essa mineira de Janu�ria, brasiliense desde os 2 anos de idade, m�e de tr�s filhas.
Grace defende, para al�vio dos defensores das investiga��es a fundo do esc�ndalo da Petrobras, que os acordos de leni�ncia com as empresas envolvidas no caso sejam firmados pela pr�pria AGU, ao lado da Controladoria-Geral da Uni�o (CGU), Minist�rio P�blico Federal e Tribunal de Contas da Uni�o (TCU). Ela tamb�m negocia um projeto que, caso aprovado, poder� dar um f�lego aos estados endividados. O texto deve ser enviado ao Congresso esta semana e, como o Estado de Minas mostrou na edi��o de ontem, deve congelar a Lei de Responsabilidade Fiscal por tr�s anos.
A ministra, que teve papel primordial na decis�o do Supremo Tribunal Federal (STF) na confirma��o da nomea��o de Moreira Franco como ministro da Secretaria-Geral da Presid�ncia, � cautelosa quanto ao fim do foro privilegiado, alegando que ele � inerente ao cargo. E refuta a tese de que o benef�cio seja sin�nimo de impunidade. “O Supremo tem tentado cumprir o papel dele. Est� sobrecarregado? N�o tenha d�vida”, declarou. A seguir, os principais trechos da entrevista:
A AGU vai conseguir reaver parte dos recursos desviados e identificados na opera��o Lava-Jato?
� miss�o da Advocacia-Geral da Uni�o, como fun��o essencial de justi�a, zelar pelos cofres p�blicos federais e buscar reinserir nos cofres federais os recursos p�blicos que foram desviados. N�s temos, hoje, 120 advogados p�blicos envolvidos diretamente na �rea de prote��o ao patrim�nio p�blico e a probidade administrativa. S�o 120 advogados que atuam buscando reaver, para os cofres p�blicos, aqueles recursos indevidamente desviados. Seja de pessoa f�sica, pessoa jur�dica, n�o importa se � no �mbito da Opera��o Lava-Jato ou de qualquer outra a��o que tenha causado les�o aos cofres p�blicos.
Quantos advogados, hoje, est�o cuidando da Lava-Jato?
S�o 120 no pa�s todo, mas n�s temos uma for�a-tarefa da AGU que trabalha em conjunto, de uma maneira muito integrada � equipe, ao Minist�rio P�blico Federal.
Por que esse dinheiro ainda n�o foi recuperado?
Essas a��es ainda est�o em uma fase inicial. Tem todo um procedimento, tem um acerto de recursos que � poss�vel que se tenha algum tipo de questionamento, mas isso � miss�o da AGU. A partir do momento que se tem provas, elementos seguros e esse � um trabalho muito respons�vel que os advogados p�blicos desenvolvem. Isso � medida que esse trabalho vai sendo desenvolvido, ainda h� muito a se fazer, at� porque � uma atua��o cont�nua da nossa casa. Ainda n�o temos concretamente valores, mas temos alguns bloqueios, a��es nas quais magistrados autorizaram bloqueios de recursos.
Existe uma desconfian�a de investigadores do MP e da PF em rela��o � atua��o de um �rg�o do executivo na Opera��o Lava-Jato?
Acredito que n�o, porque os pap�is est�o muito bem definidos. A atua��o na seara c�vel � da AGU, buscar o retorno para esses cofres � miss�o da AGU, ent�o a AGU n�o est� invadindo ou usurpando a compet�ncia de qualquer outra institui��o envolvida nisso. O papel do Judici�rio � bem definido, o do Minist�rio P�blico tamb�m. A partir do momento em que desenvolvemos um trabalho em conjunto, na verdade, as for�as acabam se somando. Muito do que j� se desenvolveu foi com aux�lio e trabalho desenvolvido pelo Minist�rio P�blico.
A senhora � a favor do foro privilegiado?
Foro privilegiado tem previs�o constitucional, foi nosso legislador constituinte origin�rio que o estabeleceu. A premissa do foro privilegiado � beneficiar autoridade? N�o. A base do foro privilegiado � a prerrogativa relacionada ao cargo. Ele � inerente a determinados cargos que, diante da envergadura, do posicionamento no cen�rio nacional de determinados cargos, acaba por exigir uma prerrogativa, n�o um privil�gio propriamente dito. Quando se fala do foro privilegiado, tem-se, �s vezes, penso eu, uma vis�o um pouco distorcida, como se o foro privilegiado fosse igual a impunidade. Foro privilegiado � uma regra de atribui��o de compet�ncias.
Qual a diferen�a entre os processos de Lula e de Moreira Franco. Por que duas decis�es?
A AGU � uma institui��o que representa os tr�s poderes da Rep�blica: Executivo, Legislativo e Judici�rio. �s vezes, as pessoas n�o compreendem. Quando a Constitui��o diz l� no artigo 131 que compete � AGU promover a representa��o judicial e extrajudicial da Uni�o, estamos falando do Executivo, Legislativo e Judici�rio e a� ela vai colocar v�rgula e, na sequ�ncia, vai fazer o assessoramento jur�dico ao Poder Executivo. � compet�ncia da AGU, por for�a da Lei Complementar 73, de 1993, promover a defesa dos atos do presidente da Rep�blica, assim como tamb�m promover a defesa dos atos do presidente da C�mara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal. Um eventual ato que seja questionado de agentes dos poderes, a lei imp�e � AGU o dever de fazer a defesa. O presidente editou um ato que � o de nomea��o, a AGU tem a miss�o de fazer a defesa do ato. A AGU n�o fez a defesa do ministro a, b ou c, j� falando dos casos, fez a defesa do ato do presidente e justamente por ser seu dever. Foi a AGU que fez a defesa do ato de nomea��o que a ex-presidente Dilma fez em rela��o ao ex-presidente Lula, fez l� e tamb�m fez aqui.
E qual foi a diferen�a?
Uma situa��o f�tica ensejou o n�vel de argumenta��o jur�dica e de tese defendida e a outra, considerando a situa��o f�tica, outro n�vel de argumenta��o. N�o estamos defendendo o ministro a ou b, n�o � essa a discuss�o. No ato da ent�o presidente da Rep�blica, a AGU fez a defesa destacando que n�o se estava diante de um desvio de finalidade e promoveu a defesa do ato dela de nomea��o. A presidente da Rep�blica poderia, est� na Constitui��o a discricionariedade da escolha dela, n�o havia, naquele momento, nenhuma restri��o legal em rela��o � nomea ��o. Aqui, o agora ministro j� integrava o governo, l� n�o se tinha essa integra��o. N�o estou com isso dizendo que a defesa l� n�o foi feita, ela foi, s� que a base argumentativa � outra porque a situa��o f�tica � outra. � o ato de nomea��o de um ministro que j� ocupava uma secretaria, que passou a integrar um novo rol de atribui��es, que acabou culminando com uma reorganiza��o estrutural e a cria��o de um minist�rio, e com isso ele foi nomeado. Faculdade do presidente da Rep�blica de nomear, esse fundamento jur�dico � o mesmo, ele pode fazer sua escolha quando n�o existe nenhum tipo de restri��o legal quanto ao escolhido. Tanto em um quanto no outro, a AGU fez a defesa, s� que l� o ex-presidente n�o integrava o governo. Aqui , o atual ministro j� integrava o governo, l� voc� tinha uma situa��o que naquele momento ainda n�o se tinha declara��o de legalidade em rela��o aos di�logos e toda a discuss�o em rela��o � documenta��o que a AGU, ainda assim, fez a defesa. E aqui, voc� tinha a cita��o em dela��es cujo conte�do n�o veio a p�blico, n�o se tem uma certeza porque as cita��es precisam ser apuradas.
A senhora acabou criticada no epis�dio dos ent�o ministros Geddel e Calero...
L� n�o teve a��o da AGU. Na pr�tica, nada chegou na AGU, se teve algum n�vel de desentendimento ou diverg�ncia, isso n�o veio para a AGU, em nenhuma hip�tese. N�o existe a menor possibilidade que a AGU possa ou tenha um espa�o para construir um parecer para favorecer a, b ou c. Quando ela faz um parecer � estritamente dentro daquilo que a legisla��o estabelece, sempre no interesse p�blico. � compet�ncia da AGU dirimir conflitos entre �rg�os? Sim. A lei determina que a AGU resolva a diverg�ncia. S� no ano passado, a AGU dirimiu diverg�ncia em 64 casos, para voc�s verem que isso � normal, comum.
A senhora ficou constrangida de ser citada no caso do Geddel?
Fiquei constrangida, indignada, achei a fala totalmente leviana, fiz uma nota na �poca em que a informa��o foi colocada, achei de um n�vel de irresponsabilidade em rela��o � fala que envolveu a AGU. Ficou um disse que o outro disse, porque os dois mencionaram.
O governo vai apresentar um projeto com altera��es da lei de responsabilidade. Como se dar� esse debate com o Congresso?
Essa discuss�o acaba surgindo por for�a da situa��o dos estados. N�s temos um federalismo de coopera��o. E os estados j� v�m de longa data enfrentando um n�vel bastante sens�vel de dificuldades. Por raz�es de todas as ordens. Isso exige alguma postura da Uni�o no sentido de buscar algum tipo de aux�lio. N�o com o escopo de se conformar ou de concordar com eventual excessos no que concerne ao gasto de pessoal, de aposentados, eventuais excessos quantos aos limites. A ideia que � necess�rio se enxergar e olhar para a popula��o. � o momento de se buscar um tratamento diferenciado para esses entes da federa��o que est�o enfrentando essas dificuldades, a ponto de a popula��o sentir seja nas �reas de seguran�a p�blica, sa�de... O esfor�o todo vem sendo nesse sentido: construir solu��es juridicamente sustent�veis que permitam um tipo de ajuda aos estados.
Em rela��o a essas mudan�as na LRF, o governo se viu acuado diante do fato de que uma coisa pior pudesse acontecer no Rio?
N�o, � um governo muito consciente em rela��o ao seu papel dentro do federalismo. Se o nosso federalismo � de coopera��o, ent�o � preciso que o nosso governo, tenha consci�ncia do papel da Uni�o neste federalismo. De que forma a uni�o pode vir a ajudar a auxiliar os demais entes. Ali�s, o pr�prio Supremo Tribunal Federal em v�rios julgamentos vem destacando isso. O nosso federalismo precisa ser revisto, porque os estados precisam ter uma autonomia maior. Ent�o, em v�rios julgados do Supremo ele vem destacando, a Uni�o precisa de alguma forma ir al�m. Ajudar de maneira efetiva os estados, n�o somente no que se refere a recursos, mas com pol�ticas p�blicas mais integradas. Veja a quest�o da seguran�a p�blica agora, como fechar os olhos para uma realidade que muito embora um problema local, acabou imprimindo um �mbito nacional com muita clareza, ou seja, � preciso que se tenha pol�ticas muito bem integradas entre governos federal, estaduais e municipais. Porque com isso voc� fortalece um federalismo p�trio, ent�o n�o vejo porque um governo recuar. Vejo como um governo consciente em que a Uni�o tem um papel fundamental no fortalecimento do federalismo p�trio.
Quantos estados est�o em enormes dificuldades?
S�o poucos, menos de 10 com certeza. A maioria dos estados tem dificuldadess, mas est�o estabilizados. Pagam as contas e em dia, cumprem os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, ent�o, assim, t�m algum n�vel de dificuldade, por�m n�o extrapolaram os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal.
A senhora se desfiliou do PSDB?
Na verdade, serei bem franca com voc�s, fui surpreendida com essa minha filia��o. Estou sendo absolutamente sincera, nunca tive atua��o pol�tica partid�ria na minha vida, nunca. N�o sei nem como � uma reuni�o de diret�rio partid�rio. Nunca participei de nenhuma delibera��o, n�o sei como os trabalhos se desenvolvem. Nunca tive atua��o pol�tico-partid�ria, minha atua��o sempre foi t�cnica e jur�dica. Assumi a AGU, tomei posse em um dia, no dia seguinte o meu assessor chega e diz: “Voc� j� foi filiada?”. Disse nunca, pode negar. Nunca fui filiada a nenhum partido pol�tico. E n�o estou mentindo, pedi at� para ver a minha ficha, me disseram n�o, deixa isso pra l�. Foi ent�o que disse, j� que estou filiada, vou pedir agora a minha desfilia��o.
O que a senhora imagina que houve?
Dezenove anos atr�s uma ficha de filia��o... N�o fui atr�s para saber, para apurar.
Acha que esse epis�dio poderia ter atrapalhado uma indica��o da senhora para o Supremo?
N�o. � assim meio p�blico e not�rio. Os ministros todos ali sabem do meu trabalho, atuo no STF h� 16 anos, sempre cuidando das a��es da Uni�o. E meu trabalho sempre foi t�cnico.
A senhora acredita que a mulher tem que trabalhar seis vezes mais para que seja equiparada a eles?
Acredito. A realidade tem demonstrado isso, estou sendo muito franca. Porque a posi��o do homem, nada contra a figura masculina, mas como disse pela quest�o cultural os homens acabaram tendo uma facilidade de ocupar os espa�os. O que a mulher acabou n�o tendo, muitas vezes para a mulher ser vista como algu�m que pode tamb�m contribuir ela tem que se desdobrar e acabar se superando. Sempre trabalhei muito, 15 anos dentro de uma universidade dando aula de direito constitucional, trazendo muito isso para os meus alunos na Universidade Cat�lica de Bras�lia. Para os alunos em especial tem espa�o para todos, por�m a mulher precisa de uma dedica��o adicional, precisa ir al�m muitas vezes at� do seu limite para o trabalho dela ser enxergado.
O Supremo � um sonho?
O STF � o �pice da carreira jur�dica de qualquer profissional do direito. Nunca trabalhei para ocupar uma cadeira no STF, sempre trabalhei para fazer o melhor dentro das compet�ncias que me foram atribu�das. Ao longo desses 16 anos atuando no Supremo, buscando sempre fazer o melhor para defender a Uni�o, para defender as pol�ticas p�blicas e em �ltima an�lise para defender a sociedade. Porque muitas dessas pol�ticas p�blicas s�o convertidas em favor do cidad�o e da popula��o, o que nos estimula muito ao trabalho. Ent�o, embora o Supremo seja o �pice da carreira, acredito que cada um tem seu espa�o, sua voca��o e cada um tem o tempo da sua vida. E a pessoa que � chamada a ocupar uma cadeira do STF n�o tem uma op��o, tem uma miss�o.
