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Estado de Minas

A hist�ria do Boeing que seria jogado no Pal�cio do Planalto

Tr�s d�cadas depois, piloto e passageiros do Boeing que foi sequestrado e seria arremessado sobre a sede do governo para matar o presidente Sarney relembram ao EM o drama que vai virar filme


postado em 28/09/2018 06:00 / atualizado em 28/09/2018 14:12

Um homem sequestra um Boeing com 105 pessoas a bordo. Ele executa o copiloto e obriga o comandante a jogar a aeronave em cima do Pal�cio do Planalto com a inten��o de matar o presidente da Rep�blica. Numa tentativa desesperada de conter o sequestrador, o piloto executa duas manobras consideradas imposs�veis por autoridades aeron�uticas e coloca o avi�o de cabe�a para baixo. Ap�s conseguir aterrissar, o drama ainda n�o terminou. Tem in�cio, ent�o, um tiroteio em plena pista de um aeroporto. Com todos a salvo – com exce��o do copiloto – o respons�vel pelo sequestro acaba sendo atingido mas sem risco de morte. Levado para o hospital, misteriosamente, ele surge sem vida poucos dias depois.

 

(foto: AC/Divulgação)
(foto: AC/Divulga��o)

Parece sinopse de filme. E �, j� que vai virar um longa-metragem da produtora Escarlate com previs�o de filmagens no segundo semestre de 2019 e estreia em 2020. Mas � tamb�m uma hist�ria real que aconteceu h� exatos 30 anos. "� um epis�dio realmente incr�vel. Al�m do enredo em si que � uma p�rola da hist�ria da avia��o brasileira. Uma das coisas que mais me motivaram neste projeto foi o desafio de fazer um filme de a��o e praticamente todo passado em um avi�o. � algo in�dito no cinema nacional", destaca Marcus Baldini, que dirigiu Bruna Surfistinha (2011) e Uma quase dupla (2018),e ser� o diretor de Sequestro do Voo 375, nome provis�rio da produ��o.

Crise, recess�o, desemprego e um presidente extremamente impopular, Jos� Sarney. Este era o cen�rio em 29 de setembro de 1988. O tratorista Raimundo Nonato Alves da Concei��o, de 28 anos, solteiro e sem filhos, vira e mexe conseguia trabalho atrav�s da Construtora Mendes J�nior, inclusive, em obras da empresa no Iraque. Mas com a situa��o econ�mica desfavor�vel, ele foi despedido e estava dif�cil arrumar emprego.

Nascido em Vitorino Freire, interior do Maranh�o, Raimundo costumava se hospedar na Pens�o Paulista, na avenida Oleg�rio Maciel, no centro de Belo Horizonte. O local tamb�m servia de posto de recrutamento e alojamento de empreiteiras, como a pr�pria Mendes J�nior. Naquela quinta-feira, 29 de setembro, Raimundo Nonato saiu da pens�o (ela existe at� hoje, mas mudou de nome – Hotel Miranda – e de donos) e se dirigiu ao aeroporto de Confins. Para ele, havia um s� culpado por sua situa��o: seu conterr�neo: o presidente Sarney.

Na escala em Belo Horizonte, 60 passageiros entraram na aeronave, se juntando aos 38 que j� estavam a bordo. Al�m das seis pessoas da tripula��o, Gilberto Renhe, um piloto extra tamb�m da Vasp, pegou carona e foi se sentar na cabine atr�s do comandante Murilo. Por volta das 11h15, o piloto solicitou o almo�o. Foi quando ouviu um barulho que parecia ser tiro

Tamb�m na capital mineira, um grupo de colegas do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) se preparava para pegar o mesmo voo, o Vasp 375. Com pernoite em Cuiab� (MT), indo para Porto Velho (RO) e fazendo escalas em Bras�lia, Goi�nia e BH, o Boeing 737-300 tinha como destino final o Aeroporto do Gale�o, no Rio de Janeiro. Alfredo M�rio de Castro Queiroz, Cl�udio Souza Diniz, Manoel Raimundo de Matos, Renato Neves de Rezende, Amauri Lage e M�rcio Machado Mour�o tinham compromissos profissionais na Cidade Maravilhosa. "Era um dia como outro qualquer. Lembro que ainda fiz aula de ingl�s pouco antes de ir para Confins. Ningu�m imaginava que a gente ia viver algo t�o inusitado", lembra Manoel, que � economista e tem 75 anos.

Na sala de embarque, o administrador Alfredo M�rio, hoje com 66 anos, chegou a notar um sujeito que n�o largava a mochila de jeito nenhum. "Ele estava meio que deitado na cadeira, agarrado com aquela bolsa. Uma cara meio fechada. Na hora mesmo eu n�o reparei, mas quando o mostraram na TV, depois do ocorrido, � que fui ver que eu tinha prestado aten��o nele", recorda. Dentro da aeronave, eles se sentaram pr�ximos, do lado esquerdo. Tudo estava correndo tranquilamente. Mas quando o avi�o se aproximou de Barra do Pira�, interior fluminense, e se preparava para descer, um barulho assustou quem estava a bordo. Na cabine de comando, o piloto Fernando Murilo de Lima e Silva estava acompanhado do amigo, o copiloto Salvador Evangelista, o V�ngelis. Eles haviam pernoitado em Cuiab� e chegaram a fazer um churrasco na noite anterior.

"O Raimundo sacou a arma da mochila e atirou no comiss�rio. Acabou acertando na orelha dele.N�o o matou por mil�metros. Como a cabine n�o abria, ele continuou insistindo. Deu tanto tiro que atingiu o painel, as nossas poltronas e um deles acertou o Gilberto Renhe na perna" - Fernando Silva, piloto



"A tripula��o toda se conhecia. Mas como a gente decolou de madrugada para Porto Velho, a festividade n�o durou muito", conta.

Na escala em Belo Horizonte, 60 passageiros entraram na aeronave, se juntando aos 38 que j� estavam a bordo. Al�m das seis pessoas da tripula��o, Gilberto Renhe, um piloto extra tamb�m da Vasp, pegou carona e foi se sentar na cabine atr�s do comandante Murilo. Por volta das 11h15, o piloto pediu o almo�o. Foi quando ouviu um barulho que parecia ser tiro. "Eu pedi ao Renhe para ele dar uma verificada pelo olho m�gico e ver o que estava acontecendo. E ele viu um homem com um rev�lver na m�o", comenta o piloto.

Nas poltronas, boa parte dos passageiros n�o tinha se dado conta do que estava acontecendo. Alguns chegaram a achar que o barulho era de uma lata de refrigerante sendo aberta ou at� de uma garrafa t�rmica explodindo. "A gente s� foi ter no��o quando um dos comiss�rios passou ferido no corredor. Naquela hora veio um monte de coisa pela cabe�a. Inclusive, que o avi�o estava sendo sequestrado e nos levando para Cuba", relata o engenheiro Renato Neves de Rezende, de 59 anos.

Certo de que morreria se não tentasse algo, o comandante Murilo (E) executou manobras com o avião que desequilibraram o sequestrador (D). Com isso, ele pôde pousar(foto: AG/Divulgação)
Certo de que morreria se n�o tentasse algo, o comandante Murilo (E) executou manobras com o avi�o que desequilibraram o sequestrador (D). Com isso, ele p�de pousar (foto: AG/Divulga��o)

Quando percebeu que o avi�o ia come�ar os procedimentos de pouso, Raimundo Nonato se levantou e foi em dire��o � cabine. O comiss�rio Ronaldo Dias achou que o passageiro queria ir ao banheiro e o alertou de que a porta era outra. Raimundo insistiu e o membro da tripula��o o informou que ali ele n�o poderia entrar. "O Raimundo sacou a arma da mochila e atirou no comiss�rio. Acabou acertando na orelha dele. N�o o matou por mil�metros. Como a cabine n�o abria, ele continuou insistindo. Deu tanto tiro que atingiu o painel, as nossas poltronas e um deles acertou o Gilberto Renhe na perna. Como o tiroteio n�o cessava, eu pedi ao Renhe para abrir a porta", narra o piloto. Renhe em seguida foi para o fundo do avi�o na tentativa de estancar o ferimento.

Acerto de contas


Manoel, Cláudio, Renato e Alfredo embarcaram em Belo Horizonte no voo 375: lembranças dos momentos tensos permanecem(foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)
Manoel, Cl�udio, Renato e Alfredo embarcaram em Belo Horizonte no voo 375: lembran�as dos momentos tensos permanecem (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)

Quando a cabine se abriu, Raimundo Nonato gritou: "Vamos para Bras�lia. Tenho um acerto com o Sarney!". Nesse momento, o piloto acionou o transponder (aparelho que informa a localiza��o e a identifica��o da aeronave aos controles da terra) e forneceu o c�digo internacional de sequestro. "E ainda avisei bem baixinho que o desejo dele era jogar o avi�o sobre o Pal�cio do Planalto", diz. Quando a Torre de Comando retornou que estava ciente da situa��o, o copiloto Salvador Evangelista se preparou para responder. Assim que pegou o microfone, foi morto com um tiro na cabe�a. "Eu imagino que o Raimundo tenha se assustado com o movimento do V�ngelis, achando que ele ia pegar uma arma. Na verdade, ele ia responder para Bras�lia. A bala pegou no lado esquerdo e atravessou. Ele s� tremeu e tombou. Morreu na hora", lamenta Murilo.

Raimundo Nonato continuava de terminado em seus prop�sitos.Foi ent�o que o comandante Murilo fez uma a��o que foi crucial para desfecho da hist�ria. Ele tirou o avi�o do piloto autom�tico e executou um tonneau(manobra em que o avi�o d� uma volta completa ao redor de seu eixo longitudinal) para ver se o sequestrador perdia o equil�brio

A maioria dos passageiros n�o tinha a real percep��o da gravidade dos fatos. Sabiam que o voo estava sendo sequestrado mas nem imaginavam que a inten��o do sequestrador era jog�-lo sobre o Pal�cio do Planalto e que o copiloto estava morto. Um dos poucos que sabia e presenciou o assassinato foi o representante comercial Francisco de Assis Couto. "Eu estava sentado bem na frente, perto do Raimundo. Eu vi quando ele atirou no copiloto, que ele caiu no manche. Foi muito assustador", revela Chico, de 74 anos, irm�o de Ronaldo Costa Couto, ministro-chefe da Casa Civil na �poca e que ficou sabendo da presen�a dele a bordo no decorrer do voo. "Fui comunicado do sequestro e avisamos ao presidente Sarney. Havia preocupa��o de n�o dar uma leitura de atentado pol�tico por conta desse fato do meu irm�o estar l�. Por isso, essa informa��o s� foi divulgada quando estava tudo resolvido", esclarece Costa Couto.

O administrador Cl�udio Diniz, de 66 anos, teve a impress�o de que Raimundo o estava encarando. "Ele estava em p� na porta da cabine com a arma apontada para a cabe�a do piloto. Eu jurava que ele estava olhando s� pra mim. Tirei a almofada do assento e sentei no ch�o entre as poltronas. Fiquei algumas horas daquele jeito", relata. Nenhum dos passageiros partiu para cima do sequestrador com receio de que ele estivesse agindo com um c�mplice. Para Alfredo, quando viram que o avi�o estava mudando de rumo e o piloto avisou que estavam tentando seguir para Bras�lia, percebeu que a coisa era mais complicada que o esperado. "Esse ‘tentando' me apavorou. A ansiedade foi muito grande", aponta.

No aeroporto de Goiânia, o corpo do copiloto Vângelis é retirado do Boeing: o drama ainda não tinha terminado(foto: AG/Divulgação)
No aeroporto de Goi�nia, o corpo do copiloto V�ngelis � retirado do Boeing: o drama ainda n�o tinha terminado (foto: AG/Divulga��o)

Em Bras�lia, o voo Vasp 375 se tornara assunto de estado como lembra o escritor especializado em desastres a�reos Ivan Sant'anna. Em 2000, ele lan�ou Caixa Preta, livro que traz detalhes deste incidente a�reo. "O ministro da Aeron�utica, o diretor da PF todo mundo foi informado do assassinato e do sequestro e ent�o enviaram um Mirage para acompanhar o Boeing", relata Ivan. Foi na hora que viu o ca�a que Cl�udio percebeu que a coisa era realmente s�ria. J� Alfredo sentiu o oposto. "Achei que ele estava ali para nos proteger", comenta.

Quando estava sobrevoando Bras�lia, Fernando Murilo se deparou com algumas nuvens e informou ao sequestrador que n�o havia como pousar na capital federal. Raimundo mandou seguir para An�polis e logo depois, mudou o destino: Goi�nia. "Foi a� que mostrei para ele o marcador de combust�vel e falei que o avi�o ia parar de funcionar e a gente ia cair. Ele nem quis saber. Eu continuei sobrevoando a pista de Goi�nia e a� ele soltou: 'Vamos para S�o Paulo'. Comecei a ficar desesperado porque se a gente mal tinha combust�vel para ali perto, que diria S�o Paulo", recorda.

Manobras


Raimundo Nonato continuava determinado em seus prop�sitos. Foi ent�o que o comandante Murilo fez uma a��o que foi crucial para o desfecho da hist�ria. Ele tirou o avi�o do piloto autom�tico e executou um tonneau (manobra em que o avi�o d� uma volta completa ao redor de seu eixo longitudinal) para ver se o sequestrador perdia o equil�brio.

"Assim que terminei o tonneau vi que ele ainda continuava de p�. Foi ent�o que decidi partir para uma manobra mais arriscada, o parafuso (o avi�o perde a sustenta��o e cai de bico, girando as asas como um pi�o; a aeronave gira descendo)", explica. Murilo j� tinha executado essa manobras algumas vezes durante a �poca em que foi aviador militar. Mas nunca tinha feito um parafuso com um boeing. "Um dos motores havia parado e eu pensei, como vou morrer mesmo, vou arriscar. Parti para o tudo ou nada. J� que vou morrer, vou morrer brigando porque, pelo visto, ele n�o ia me deixar pousar", justifica.

Quando concluiu o parafuso, o piloto percebeu que Raimundo estava ca�do. A pista estava logo � frente do comandante, que n�o titubeou: aterrissou. "Eu te confesso que n�o imaginava que ia dar certo. Foi uma grande sorte. As manobras foram primordiais para que tudo desse certo", garante.

Apesar de a manobra ter sido r�pida, quem estava a bordo sentiu os efeitos. O engenheiro Renato Neves achou que o piloto tivesse sido atingido e, por isso, o avi�o estava rodopiando. "A sensa��o era de que a gente estava caindo. Achei que era o fim mesmo. Comecei a me despedir da minha fam�lia em pensamento", relata. J� Manoel se recorda de olhar para baixo e ver o c�u. "A gente estava de cabe�a pra baixo. Fiquei bem confuso, desorientado. S� me lembro de ver a terra se aproximando. Na minha cabe�a, eu ia morrer. N�o sabia se fechava ou abria os olhos para ver a morte chegando", detalha. Francisco de Assis tamb�m sentiu que estava numa posi��o estranha e confessa que foi a hora que bateu o desespero. "Sou uma pessoa relativamente calma, mas naquela hora todo mundo gritou, inclusive eu. S� pensava nos meus filhos", admite.

A fa�anha do comandante Murilo, no entanto, n�o � reconhecida pela Boeing. Mesmo com testemunhas dentro e fora do avi�o, a empresa nunca homologou o feito. "Isso nunca tinha acontecido na avia��o comercial. Eles alegam que � praticamente imposs�vel um Boeing executar isso. E o gravador de bordo tamb�m parou de funcionar e n�o registrou o que ocorreu", analisa Ivan Sant'anna.

Tiroteio na pista


Um Boeing decola de Confins com destino ao Rio de Janeiro, com 105 pessoas a bordo. Quando se preparava para descer, um homem armado invade a cabine, anuncia um sequestro e obriga o comandante a seguir para Brasília para jogar o avião sobre o Palácio do Planalto. Após ferir dois tripulantes e matar o copiloto, o sequestrador mantém o comandante sob sua mira. Sem conseguir negociar e com pouco combustível, o piloto vai para o tudo ou nada e executa duas manobras consideradas impossíveis para a aviação comercial. O feito dá certo e ele pousa em segurança em Goiânia. Após um tiroteio na pista, o sequestrador é atingido, mas sem gravidade. Ele morre misteriosamente dias depois.(foto: Arte/Lelis)
Um Boeing decola de Confins com destino ao Rio de Janeiro, com 105 pessoas a bordo. Quando se preparava para descer, um homem armado invade a cabine, anuncia um sequestro e obriga o comandante a seguir para Bras�lia para jogar o avi�o sobre o Pal�cio do Planalto. Ap�s ferir dois tripulantes e matar o copiloto, o sequestrador mant�m o comandante sob sua mira. Sem conseguir negociar e com pouco combust�vel, o piloto vai para o tudo ou nada e executa duas manobras consideradas imposs�veis para a avia��o comercial. O feito d� certo e ele pousa em seguran�a em Goi�nia. Ap�s um tiroteio na pista, o sequestrador � atingido, mas sem gravidade. Ele morre misteriosamente dias depois. (foto: Arte/Lelis)

Mas a hist�ria ainda estava longe de acabar. O al�vio era grande por, pelo menos, estarem em solo. Mas Raimundo recuperou a pistola e continuou com as amea�as. "Ele queria ir para Bras�lia de qualquer jeito e eu expliquei que aquele avi�o n�o teria como decolar de novo", frisa Murilo. Depois de muita negocia��o, envolvendo Pol�cia Federal, Secretaria de Seguran�a P�blica de Goi�s e a pr�pria Vasp, Raimundo Nonato aceitou embarcar em um Bandeirante da For�a A�rea Brasileira. No entanto, levou o comandante Murilo como ref�m. "Antes disso, eu pedi a ele que liberasse o corpo do V�ngelis e os feridos para fora da aeronave. Foi s� ai que a tripula��o e os passageiros se deram conta da trag�dia. Foi uma como��o", lembra.

Quando desceram do boeing, Murilo e o sequestrador se dirigiram para o avi�o menor que n�o tinha escada e nem porta. Era uma armadilha para Raimundo Nonato Alves da Concei��o. "Voc� n�o vai me trair n�?", questionou o maranhense ao encarar o piloto. "N�o. N�o vou. Vai dar tudo certo", garantiu. Como Raimundo era baixinho, Murilo teve que fazer um cal�o com as m�os para ajud�-lo a subir no Bandeirante. "De repente veio um tiro na nossa dire��o e quase me pegou. Tinha um atirador de elite escondido na aeronave. Eu soltei o Raimundo e sai correndo em zigue-zague. Nem sei porque eu corri daquele jeito. Na mesma hora, ele pegou o rev�lver e come�ou a tirar em mim. O Raimundo havia confiado em mim e se sentiu tra�do. Um tiro pegou na minha perna; at� hoje tenho a marca, mas consegui correr de volta at� o boeing", narra.

Fernando Murilo e os tripulantes Gilberto Renhe e Ronaldo Dias, al�m do pr�prio Raimundo, foram levados para o hospital Santa Genoveva, na capital goiana. Alguns dos passageiros seguiram para a delegacia para prestar depoimentos, mas a maior parte se dirigiu a um hotel. "Minha ficha s� caiu quando consegui falar com minha mulher e minha m�e em BH. Quando entrei no chuveiro, disparei a chorar", conta Cl�udio. Para Manoel, a experi�ncia foi �nica e provou que ningu�m morre de v�spera. "� uma hist�ria que marca a gente para sempre e acho que fiquei at� mais religioso. Mas n�o cheguei a ficar com trauma de voar", afirma.

J� Renato ressalta o papel n�o s� da tripula��o e dos passageiros, que conseguiram manter a calma mesmo em um momento t�o delicado, mas principalmente, a atua��o do piloto. "Ele � o nosso �dolo. Foi uma sorte muito grande. Se a gente tem sete vidas, cinco j� foram ali (risos). A coisa mais extraordin�ria � termos sobrevivido a essa situa��o. Foi por muito pouco e chega a nos transformar", salienta.

O passageiro Francisco de Assis comenta como uma viagem que parecia banal poderia ter resultado em uma trag�dia. O voo de dura��o de 50 minutos, que decolou rumo ao Rio, �s 10h52, s� terminou por volta das 19h, na pista do aeroporto de Goi�nia. “N�o era para ser a nossa hora. Tive outras situa��es bem complicadas em que quase fui embora, como um afogamento em Cabo Frio e um acidente de carro anos depois. Dif�cil eleger qual foi o maior sufoco, mas s� tenho a agradecer por estar aqui e ter 74 anos bem vividos", comemora.

Para o comandante Fernando Murilo, o pior momento foi, sem d�vida, a execu��o de seu amigo e parceiro de cabine, Salvador Evangelista, com apenas 34 anos. Na hora do ocorrido, o piloto desabou em l�grimas, mas conseguiu manter o controle emocional e administrar toda a situa��o.

"Eu n�o parava de chorar porque senti muito a perda dele e daquela forma est�pida. Cheguei a falar com o sequestrador que ele tinha matado um cara do bem, pai de fam�lia e que tinha deixado uma filha pequena. O Raimundo n�o queria nem saber. Eu estava sozinho com 100 pessoas a bordo e tudo dependia de mim. Mas consegui me acalmar e conduzir da melhor forma poss�vel", avalia o piloto, com os olhos marejados.

Durante um bom tempo, o comandante teve dificuldades para dormir e chegou a ter acompanhamento de psic�logos e at� a tomar tarja preta. "Eu sonhava muito com tiro ou tinha a impress�o de ouvir tiros a qualquer momento do dia. Mas ainda bem que tudo se resolveu. Voltei a voar um m�s e meio depois e fiz cinco vezes seguidas a mesma rota: Porto Velho – Rio com escala em Goi�nia, Bras�lia e BH. Foi justamente para ver se tinha algum trauma", diz.

Ao longo dos anos, o piloto n�o teve mais contato com os passageiros, a n�o ser um grupo de alem�es que volta e meia retornava ao Brasil para celebrar a data. "N�o deixa de ser um renascimento. Brinco que completei 71 anos em 19 de setembro, dia que nasci, e 30 anos, em 29 de setembro, quando renasci", ressalta.

Durante alguns anos, ele trabalhou em uma empresa de transporte a�reo de cargas de Curitiba, onde vive a filha �nica do copiloto, Wendy, que hoje tem 38 anos. Murilo �, inclusive, padrinho de Fernanda, neta de V�ngelis. O comandante chegou a receber algumas medalhas e honrarias por seu hero�smo, mas sequer recebeu um "obrigado" de Jos� Sarney. "Ele nunca me dirigiu a palavra. Nunca me agradeceu. Mas n�o tenho m�goa. Estou tranquilo com minha consci�ncia e sei que fiz meu papel", assegura.

Morte cercada de mist�rios


Ap�s investiga��es, ficou provado que Raimundo Nonato Alves da Concei��o havia planejado o ato. Em seus pertences, foram encontradas passagens de avi�o do trecho Rio-BH. Segundo a pol�cia, o sequestrador estava testando quais dos aeroportos eram mais vulner�veis. Naquela �poca, os aparelhos de raios-X e detectores de metal n�o eram utilizados para verificar bagagens no aeroporto de Confins, o que permitiu a passagem livre do maranhense.

"Ele entrou com muni��o, arma. Na �poca dos atentados das Torres G�meas, essa hist�ria interessou muitos pilotos norte-americanos. Treze anos antes do World Trade Center, n�s tivemos aqui no Brasil um caso de algu�m querendo jogar um avi�o em um pr�dio p�blico. S� que no caso dos EUA, eram terroristas e, no nosso, se tratava de um maluco", examina Ivan Sant'anna.

Durante o tiroteio na pista, Raimundo Nonato levou tr�s tiros, mas n�o corria risco de morrer, de acordo com os m�dicos do hospital em Goi�nia. "Ele teria alta, inclusive, antes de mim. Fiquei at� com receio de ele vir atr�s de mim, j� que, na cabe�a dele, eu havia tra�do sua confian�a", recorda o piloto Fernando Murilo. Quando seria transferido para a pris�o, misteriosamente, o sequestrador amanheceu morto em seu leito no hospital.

"A morte foi t�o inesperada e estranha que nenhum legista de Goi�nia quis dar o atestado de �bito. Tiveram que chamar um legista de fora, o Badan Palhares, que anos depois ficou not�rio com uma aut�psia controversa na morte do tesoureiro PC Farias, em Alagoas", relata Ivan. O laudo apontava que a causa do �bito do tratorista era anemia falciforme e n�o tinha nenhuma rela��o com os tiros. "O que falavam era que ele foi assassinado pela pr�pria pol�cia com uma inje��o letal. E o caso foi esquecido", acrescenta o escritor.

Do ar para o mar


O comandante Murilo continuou a trabalhar depois do episódio, mas há um ano está aposentado, vivendo no litoral fluminense (foto: Ana Clara Brant/EM/D. A. Press )
O comandante Murilo continuou a trabalhar depois do epis�dio, mas h� um ano est� aposentado, vivendo no litoral fluminense (foto: Ana Clara Brant/EM/D. A. Press )


B�zios (RJ) – O carioca Fernando Murilo de Lima e Silva, de 71 anos, entrou na avia��o meio que por acaso. Quando estava no cient�fico do tradicional col�gio Pedro II, no Rio de Janeiro, viu uma placa na porta da institui��o: 'N�o seja soldado. Seja um oficial da For�a A�rea. "Eu tinha 18 anos e passei na Academia da For�a A�rea, em Pirassununga (SP), sem fazer cursinho, nada. Fiz o curso de militar l� e logo depois fui chamado para a avia��o comercial que estava com muita demanda", recorda. Depois de atuar no t�xi-a�reo, ele seguiu para a Vasp, onde ficou por 25 anos, em rotas nacionais e internacionais. "Todo mundo que era est�vel na Vasp foi obrigado pelo Wagner Canhedo, ent�o presidente da companhia, a se aposentar e foi ent�o que sa�. Depois segui para dar aula para pilotos na Universidade Tuiuti do Paran�, em Curitiba", conta ao Estado de Minas, que o encontrou no litoral fluminense.

Durante sete anos, Murilo foi professor, mas sentia muita falta de voar. "Acabei voltando a pilotar. Primeiro na Avianca e depois em transporte de carga. Virei piloto por acaso. N�o era sonho de menino, mas eu me apaixonei. Nem sei te enumerar o que mais gosto dessa profiss�o. O meu escrit�rio � dentro de uma cabine onde tenho uma vis�o privilegiada do litoral, do continente, da Amaz�nia. Foi ali que vi cada p�r do sol e nascer do sol mais lindos do que o outro. � uma coisa que entra no sangue e n�o sai; � uma cacha�a", frisa.

Aposentado h� um ano, ele deixou Curitiba e mora hoje num condom�nio na praia de Gerib�, em B�zios, na regi�o dos Lagos fluminense, ao lado da segunda esposa, Patr�cia, da filha Thereza, al�m do gato Chico e da cachorrinha Martinha. "N�o voo mais. Agora quero sossego. Troquei o c�u pelo mar", brinca.

A Vasp deixou de operar em 2005 e teve a fal�ncia decretada tr�s anos depois.

Filme a caminho

Foi a partir da pesquisa de Const�ncio Viana Coutinho, jornalista e produtor de Bras�lia, que Joana Henning, criadora da Escarlate Conte�do Audiovisual e Experi�ncias Criativas, decidiu transformar o epis�dio do Voo 375 da Vasp em um filme. "Const�ncio pesquisou essa hist�ria durante muitos anos. Ele conheceu e entrevistou v�rias pessoas envolvidas e tinha a ideia de fazer um document�rio inicialmente. Eu j� conhecia essa hist�ria, mas nunca tinha parado pra pensar que ela poderia ser tornar um filme. Foi a partir desse trabalho dele, os detalhes, a complexidade, que me dei conta de que tinha um longa nas minhas m�os", revela Joana.

Com roteiro de Lusa Silvestre (Est�mago e Um namorado para minha mulher), Sequestro do Voo 375 tem or�amento de R$ 10 milh�es e promete ser um filme de a��o nunca antes feito no Brasil, com direito a estrutura e equipe de fora.

Joana Henning destaca o lado humano do roteiro e diz que o projeto tamb�m vai explorar a rela��o entre os personagens, sobretudo do comandante com o sequestrador. "O Murilo � o grande her�i dessa hist�ria. Um her�i de carne e osso", analisa.

O diretor Marcus Baldini entrou h� poucos dias na empreitada. Ele revela que desconhecia o caso, mas quando leu o roteiro – que est� no primeiro tratamento – ficou fascinado. "Tudo � extraordin�rio. Acho que o nosso filme tem um pouco dessa miss�o tamb�m, de resgate e divulga��o desse epis�dio", frisa o cineasta.

 

 


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