
Defendida pelo governador eleito do Rio, Wilson Witzel (PSC), a autoriza��o a ser dada a policiais para "abater" criminosos com fuzis, sem que haja nenhum tipo de responsabiliza��o, � ilegal, institui uma esp�cie de pena de morte e pode levar o Rio a experimentar um retrocesso de d�cadas na seguran�a p�blica a partir do ano que vem. A avalia��o � de especialistas em seguran�a que acompanham as pol�ticas para o setor.
Na �ltima segunda-feira, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Witzel disse que policiais n�o podem ter d�vidas na hora de atirar no meio de confrontos. "A pol�cia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e... fogo! Para n�o ter erro", afirmou. Ex-juiz federal e novato na pol�tica, Witzel se elegeu com discurso duro de combate ao crime. Ele defende a chamada excludente de ilicitude, que livra o policial de responsabilidade criminal se matar em servi�o.
"A no��o de atirar e matar algu�m que est� de posse de uma arma ilegal significa rasgar a Constitui��o, que s� prev� pena de morte em tempo de guerra, e rasgar tratados internacionais que o Brasil assinou. Decreta a pena de morte autom�tica, na rua, e sem apela��o. � um absurdo jur�dico completo", avaliou o soci�logo Ignacio Cano, coordenador do Laborat�rio de An�lise da Viol�ncia da Universidade Estadual do Rio (Uerj).
Para Cano, Witzel parece alinhado a uma doutrina militar, que n�o poderia nortear a seguran�a p�blica. "A arma para o policial � ferramenta de defesa da vida dele e de terceiros, n�o � ofensiva. Nenhuma outra situa��o justifica. Est�o tentando trazer para a seguran�a p�blica uma doutrina militar: basta identificar algu�m como combatente inimigo para mat�-lo."
O ministro da Seguran�a P�blica, Raul Jungmann, j� havia dito na quarta-feira que a ideia do governador eleito s� poder� ser colocada em pr�tica caso a legisla��o seja mudada.
Witzel se ampara no artigo 25 do C�digo Penal, que disp�e sobre a leg�tima defesa. S�o casos em que se configura "injusta agress�o, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem", e nos quais devem ser usados "moderadamente" os "meios necess�rios" para esta defesa. O governador eleito acredita que basta portar o fuzil para que a agress�o se configure, n�o sendo necess�rio que o criminoso mire em algu�m.
Ontem, em entrevista � Globonews, ele reviu seu discurso, diante da repercuss�o negativa, e disse que o policial n�o tomar� essa decis�o sozinho. As opera��es ser�o filmadas e superiores v�o acompanh�-las, garantiu. "A ordem para efetuar o disparo n�o � do policial, � do comando, que vai estar vendo o alvo", afirmou.
O soci�logo Renato Lima, do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, tamb�m criticou. "Como juiz, ele podia interpretar e a decis�o dele valer. Agora, n�o. A excludente quem concede n�o � o pr�prio policial, nem o governador, isso � visto depois da investiga��o", explicou. "Nenhuma pol�cia no mundo democr�tico tem autoriza��o para fazer o que bem entende. Esse tipo de afirma��o � t�o somente explorar o medo da popula��o. Seguran�a p�blica se faz com metodologia, com as melhores pr�ticas, n�o com palpite, e o confronto n�o se mostra eficaz em �rea urbana. Essa l�gica embute um preconceito com as comunidades pobres. Talvez renda votos, mas n�o vai pacificar o Estado".
Lima lembrou que o uso de "snipers", proposto para Witzel para este tipo de enfrentamento, n�o deve ser banalizado, uma vez que n�o h� muitos quadros com esse grau de especializa��o.
Segundo ele, ao que tudo indica est� decretado o fim das Unidades de Pol�cia Pacificadora, projeto focado na pol�cia de proximidade e na redu��o do n�mero de fuzis nas favelas, e que completou dez anos em 2018 em decad�ncia.
Assim como Lima, a soci�loga Julita Lemgruber, do Centro de Estudos de Seguran�a e Cidadania da Universidade Candido Mendes, v� parentesco entre a fala de Witzel e a antiga "gratifica��o faroeste", que, nos anos 1990, premiava em dinheiro "atos de bravura", inclusive o assassinato de bandidos em confrontos.
"� uma volta � premia��o faroeste, s� que com outro nome. Os policiais eram estimulados a matar e foi um retumbante fracasso. Tanto ele quanto (o presidente eleito) Jair Bolsonaro defendem a licen�a para matar. � a velha m�xima de apostar na viol�ncia pra conter a viol�ncia, que o Rio j� experimentou v�rias vezes e s� matou os pobres. A letalidade policial alta � um combust�vel para a alta geral da viol�ncia", analisa Julita.
A coordenadora de pesquisa da Anistia Internacional no Brasil, Renata Neder, pontuou que opera��es letais resultam no "absoluto terror" dos moradores das comunidades.
"As pol�ticas de seguran�a p�blica no Rio foram historicamente baseadas na ostensividade e no confronto, e n�o na investiga��o, preven��o e intelig�ncia. Na pr�tica, isso se traduziu sempre em incurs�es policiais fortemente armadas para o confronto direto com grupos criminosos em favelas e periferias, tudo isso em nome de uma suposta 'guerra �s drogas'. Intensificar este modelo militarizado vai apenas piorar o j� grave quadro de viol�ncia letal no Estado".
