
Bras�lia – Nesta quarta-feira, o presidente Jair Bolsonaro completa o cent�simo dia de governo marcado por uma das mais profundas — e turbulentas — transi��es do mais recente per�odo democr�tico no Brasil. A troca de comando no Pal�cio do Planalto em 1º de janeiro representou a chegada de personagens e de tentativas de guinadas de pol�ticas p�blicas. Levantamento feito pelo Estado de Minas a partir das primeiras a��es do chefe da Esplanada e dos ministros — al�m de entrevistas com especialistas, pol�ticos e professores — revela, por�m, que as controv�rsias produzidas pelos pr�prios aliados criaram dificuldades para o Executivo.
Ao todo, no per�odo, os principais atores governistas tiveram que voltar a aten��o para 28 crises que se desenrolaram por 40 dias, consumindo tempo e energia que poderiam ser direcionados a projetos mais urgentes. Na m�dia, s�o duas pol�micas abertas por semana.
O presidente Jair Bolsonaro diz que o governo concluiu 95% das 35 metas estipuladas em janeiro deste ano para os 100 primeiros dias. Na educa��o, o governo se prop�s a lan�ar o programa Alfabetiza��o acima de tudo, para definir solu��es did�ticas e pedag�gicas para o aprendizado da leitura e escrita. Na seguran�a p�blica, o Minist�rio da Justi�a entregou o decreto de facilita��o � posse de armas, mas apenas apresentou o pacote anticrime. Outras a��es estabelecidas j� disp�em de previs�o legal, mas que o governo ainda estipulou como meta a ser alcan�ada.
As crises est�o intimamente ligadas aos grupos dentro do governo, que se dividem entre os t�cnico-econ�micos — encabe�ados pelos ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Justi�a e Seguran�a P�blica, Sergio Moro —, os associados �s For�as Armadas e os folcl�ricos, ligados ao conservadorismo cultural. N�o por acaso, a primeira controv�rsia teve como protagonista Damares Alves, da pasta das Mulheres, da Fam�lia e dos Direitos Humanos.
Tr�s dias depois da posse de Bolsonaro, um v�deo em que Damares exalta a vit�ria do capit�o reformado foi divulgado: “A nova era come�ou: agora, menino veste azul e menina veste rosa”. As imagens viralizaram nas redes sociais. Depois, Damares afirmou que se tratava de uma met�fora. No time del, est�o ainda os ministros Ernesto Ara�jo (Rela��es Exteriores) e Ricardo V�lez (Educa��o), este �ltimo prestes a entregar o chap�u e deixar a Esplanada amanh�. Em comum, eles t�m como guru o escritor Olavo de Carvalho, que abriu guerra com o grupo militar.
Sem tutela � poss�vel afirmar que o pr�prio Bolsonaro estimulou tais declara��es desde os discursos no primeiro dia de governo, quando afirmou: “Vamos unir o povo, valorizar a fam�lia, respeitar as religi�es e nossa tradi��o judaico-crist�, combater a ideologia de g�nero, conservando nossos valores”. Especialistas apontam que ainda � um presidente preso � pr�pria campanha, e, ao contr�rio do anunciado na posse, que busca a divis�o para refor�ar a pr�pria gest�o. Uma quest�o � que, diferentemente do imaginado ao longo da campanha, nenhuma das turmas (folcl�rica, t�cnico-econ�mica e militar) conseguiu tutelar Bolsonaro.
“H� uma disputa aberta de poder entre esses grupos, mas o que se v� � que o presidente tem independ�ncia, a ponto de n�o parecer se incomodar com os conflitos”, afirma Paulo Calmon, diretor do Instituto de Ci�ncia Pol�tica da Universidade de Bras�lia (Ipol/UnB). “Bolsonaro decide pela pr�pria cabe�a, isso parece evidente.” Onde tal coisa vai dar, ainda � cedo para avaliar, mas uma marca desses quase 100 dias de governo � a desconfian�a, que amplia incertezas sobre o sucesso.
Uma das principais tens�es dentro do governo Bolsonaro est� no conflito entre os militares e os olavetes, como s�o chamados os disc�pulos do escritor Olavo de Carvalho, considerado o inspirador da ideologia do presidente. Em Washington, em meados de mar�o, um dia antes da chegada do presidente aos Estados Unidos, o professor — pelo menos para parte da equipe da Esplanada — desancou o vice-presidente Hamilton Mour�o: “Um cidad�o que n�o tem os direitos humanos elementares est� na maior impot�ncia. E essa � a situa��o do nosso presidente. Ele n�o tem o direito de se defender na Justi�a quando atribuem crimes a ele. � horr�vel o que est�o fazendo com ele. � ditadura. � opress�o. � um homem sozinho. N�o pode confiar naqueles que o cercam e nem na m�dia”, disse Olavo, para completar: “Essa concep��o, que � a do Mour�o, � uma concep��o golpista. Onde isso vai dar, n�o sei, n�o estou em Bras�lia. Mas � grave, � claro que � grave. Estou com c... na m�o pelo Brasil, n�o por mim”.
Interesses A ala militar, que n�o v� a menor import�ncia em Olavo, acompanha os ataques. Mas, se h� alguma raz�o nas palavras do professor, � a tal da desconfian�a entre os grupos. “A baixa confian�a e os interesses conflitantes dos grupos s�o problemas que se agravam com a falta de senso de urg�ncia do pr�prio governo Bolsonaro”, diz Thiago Vidal, gerente de an�lise pol�tica da consultoria Prospectiva.
Em meio �s crises entre os grupos da Esplanada, os filhos mais velhos de Bolsonaro — Fl�vio, Eduardo e Carlos — nunca funcionaram como bombeiros, mas, segundo o professor Paulo Calmon, servem como �ncoras do pai em rela��o aos eleitores mais fi�is, aqueles que consolidaram os votos ainda no in�cio da campanha. “Por mais que seja criticada, h� uma virtude em Bolsonaro: n�o se afastar das bases. E os filhos t�m esse papel, de manter os temas acesos”, diz Calmon. Isso n�o significa que tal estrat�gia funcione de maneira adequada sempre; afinal, boa parte das crises tem como protagonistas os filhos do presidente.
* Estagi�ria sob supervis�o de Leonardo Meireles
TI-TI-TI oficial
Relembre algumas das principais pol�micas em Bras�lia, quem foi o piv� da crise e o bate-cabe�as dos integrantes do governo
Damares
A ministra da Mulher, Fam�lia e Direitos Humanos, Damares Alves (foto), disse em v�deo que “menino veste azul e menina veste rosa”, ao combater a chamada “ideologia de g�nero”
Livros
Governo mudou edital para aquisi��o de livros did�ticos que seriam entregues em 2020, e permitiu materiais escolares sem refer�ncia bibliogr�fica. Teve de recuar
Armas
Bolsonaro assinou decreto que facilita posse de armas. Medida gerou pol�mica tanto entre cr�ticos da pol�tica de armar a popula��o quanto entre apoiadores da medida
Olavetes
Olavo de Carvalho, conhecido como “guru de Bolsonaro”, fez v�rias declara��es e cr�ticas a setores do governo, estimulou demiss�es e xingou militares
Por cargos
Funcion�ria da ag�ncia de comunica��o que contratou disparos em massa de mensagens para a campanha presidencial de Bolsonaro ganhou cargo na Secretaria-Geral da Presid�ncia.
�rabes
O governo da Ar�bia Saudita suspendeu a importa��o de frango do Brasil. Ficou demonstrado descontentamento com a poss�vel mudan�a da embaixada do Brasil em Israel, de Telavive para Jerusal�m
Bebianno
O ent�o ministro da Secretaria-Geral da Presid�ncia, Gustavo Bebianno, foi o piv� de uma das principais crises pol�ticas do governo e acabou demitido depois de den�ncias
Filhos
Carlos Bolsonaro, filho do presidente, publicou um tu�te no qual contrariava declara��o de Bebianno e o chamava de mentiroso, fato que gerou tens�o entre aliados do governo
Den�ncias
A ex-professora Cleuzenir Barbosa, ex-candidata pelo PSL, afirmou que o ministro do Turismo, �lvaro Ant�nio, sabia de tudo sobre as candidaturas laranjas do partido
Ricardo V�lez
O ministro da Educa��o, Ricardo V�lez Rodr�guez, pediu que diretores das escolas lessem carta que terminava com slogan da campanha de Bolsonaro, al�m de solicitar que gravassem v�deos de alunos cantando o Hino Nacional, entre outras pol�micas que devem levar ao afastamento dele amanh�
V�deo obsceno
Bolsonaro divulgou v�deo obsceno durante o carnaval. Ap�s o tu�te, o presidente ainda postou a pergunta: “O que � Golden Shower?” que levou a hashtag #GoldenShowerBolsonaro aos trending topics.
Dubiedade
O presidente Jair Bolsonaro afirmou em um evento que democracia e liberdade s� existem se as For�as Armadas permitirem. Fala gerou desagrado entre os militares
Rodrigo Maia
O clima entre os poderes estremeceu. Rodrigo Maia e Bolsonaro trocaram farpas ao longo de v�rios dias. A paz s� voltou depois de um alerta geral de interlocutores dos dois lados
Golpe de 64
Bolsonaro recomendou “comemora��o devida ao golpe”, se referindo aos 55 anos da data de in�cio da ditadura militar. Justi�a chegou a proibir o governo de comemorar o golpe
Falas no exterior
Em tr�s viagens internacionais, Bolsonaro fez declara��es pol�micas. Nos Estados Unidos, afirmou que maioria dos imigrantes “n�o tem boas inten��es”, e depois voltou atr�s. No Chile, elogiou o ditador Augusto Pinochet, irritando o presidente chileno, Sebastian Pi�era. Em Israel, afirmou que o nazismo era de esquerda