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Estado de Minas

Conservadores tentam capturar agenda da esquerda

O presidente Jair Bolsonaro (PSL), s�mbolo da nova direita no Pa�s, ainda n�o tem bandeira clara na �rea social, mas parece aos poucos entender que tem a� um flanco a proteger


postado em 07/04/2019 07:58 / atualizado em 07/04/2019 11:48

O casebre de Jo�o Paulo Maia e Darlene Rosa � um dos primeiros a despontar na estrada de terra que se desenrola por 60 quil�metros do centro do munic�pio goiano de Cavalcante at� o povoado quilombola de S�o Domingos. Cercados pelas paredes de tijolo de barro e sob o teto de zinco e palha, eles criam Tarles, de 8 anos; Rixon, de 6 anos; e Elismax, que chegou h� seis meses. Na cozinha, separada do quarto por um len�ol, o fog�o trabalha quando h� dinheiro para o g�s. Um pequeno isopor ajuda a manter o que � poss�vel comprar. N�o costuma ser muito.

O almo�o quase sempre � arroz, feij�o e chuchu. N�o h� banheiro na casa. A energia el�trica ali ainda n�o chegou. Falta muito. Mas n�o sonhos. "� tanta coisa que a gente precisa", diz Jo�o Paulo, que tenta fazer bicos em obras ou no ro�ado para encorpar a renda do casal, que vive dos R$ 212 que chegam do Bolsa Fam�lia. O av�, Jo�o Francisco Maia, de 74 anos, mora com a fam�lia. "J� tive vontade de sair daqui, mas pensei: � nossa terra natal, temos que gostar".

No rec�m-criado Gabinete de Pol�ticas Sociais do governo estadual, t�cnicos pesquisam o que mais falta �s fam�lias pobres de Goi�s e planejam como melhorar a vida delas. O gabinete, que re�ne cinco secretarias e a equipe da primeira-dama, foi umas das primeiras iniciativas de Ronaldo Caiado. Lideran�a do DEM, ele integra um grupo de governantes conservadores que est�o dando prioridade a uma causa associada, desde a ascens�o do lulismo, a seus advers�rios do PT: a inclus�o social.

O presidente Jair Bolsonaro (PSL), s�mbolo da nova direita no Pa�s, ainda n�o tem bandeira clara na �rea social, mas parece aos poucos entender que tem a� um flanco a proteger. Estreou seu governo batendo na tecla da reforma da Previd�ncia, mas correu para anunciar nas redes sociais a concess�o do 13º para os benefici�rios do Bolsa Fam�lia como uma das metas realizadas de seus cem primeiros dias de governo. O programa, que se tornou a cara do governo Lula e da esquerda, acaba de ganhar impulso da direita que almeja se firmar no poder.

No dia seguinte ao an�ncio, o l�der do governo na C�mara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), compartilhou nas redes sociais um meme com a foto de Bolsonaro usando um chap�u de cangaceiro e tendo atr�s o cart�o do Bolsa Fam�lia contendo o slogan do seu governo: "P�tria Amada Brasil". "Assim que se faz, presidente. Preocupa��o real com os mais pobres", escreveu. O traje t�pico de Lampi�o foi muitas vezes usado por Lula.

Bandeira


Para o cientista pol�tico Leandro Consentino, professor do Insper, os esfor�os de pol�ticos fora do campo do PT para se aproximar da popula��o mais pobre refletem ainda a percep��o de que, sem essa bandeira, a sustenta��o no poder ser� mais dif�cil. "Com Lula, criou-se a narrativa de que a esquerda � a grande provedora de pol�ticas sociais, o que n�o � necessariamente verdade. Vimos o 'rouba, mas faz' ser substitu�do pelo 'rouba, mas distribui renda'", afirma.

"Os pol�ticos fora da esquerda est�o agora voltando ao poder e, para que se mantenham l�, precisam acenar � popula��o de baixa renda, que tinham perdido. N�o se convence ningu�m a votar em voc� falando s� em responsabilidade fiscal e em choque de gest�o", completa.

Em Goi�s, Caiado diz que a assist�ncia social precisa ser uma pol�tica de Estado, com projetos coordenados continuamente entre diversas secretarias e sem, ele garante, fanfarra de marketing. "N�o queremos criar mais bolsas ou um novo programa. Queremos resolver o problema das fam�lias mais carentes." E n�o faltam fam�lias carentes em Goi�s. Quase meio milh�o dos 6,8 milh�es de habitantes do Estado vivem em situa��o de pobreza. Muitos sem luz em casa, como o casal Adir Soares de Souza, de 63 anos, e Clarinda Gon�alves dos Santos, de 60, que tamb�m moram em Cavalcante. "A gente fica desacreditando. Estamos todos desconfiados com o sistema pol�tico, porque somos enganados", afirma Souza, que gastou a vida no ro�ado e acaba de se aposentar.

A estrat�gia do governo foi examinar n�o s� a renda das fam�lias goianas. Criou-se o "�ndice multidimensional de car�ncia", que leva em conta as condi��es da casa onde vivem, a escolaridade de pais e filhos e tamb�m o quanto ganham por m�s. O gabinete de Caiado j� sabe, por exemplo, que h� no Estado 9.557 domic�lios sem banheiro, 25.854 sem �gua canalizada, 13.678 sem revestimento no piso e 20.073 com crian�as fora da escola. O plano agora � tra�ar a forma mais r�pida de melhorar a vida dessas fam�lias nas dez cidades com os piores indicadores.

N�o h� previs�o de transferir dinheiro �s fam�lias. "Mesmo como alguma renda vinda do Bolsa Fam�lia ou de outro programa, h� fam�lias que vivem num ambiente t�o impr�prio para um ser humano que n�o t�m a m�nima capacidade de reagir �quela situa��o", explica Caiado.

A metodologia para chegar ao "�ndice de pobreza multidimensional" � propagada pelo Programa das Na��es Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Por tr�s dele, h� a ideia de que a transfer�ncia de renda n�o � suficiente para resgatar as fam�lias da pobreza, caracterizada por um conjunto de "priva��es". S�o necess�rias, assim, outras a��es para que elas possam alcan�ar a mobilidade social.

Nessa abordagem, a estrat�gia para aplicar pol�ticas sociais deve atender a crit�rios t�cnicos. Onde a situa��o est� pior � onde o Estado deve agir. Reduto lulista, Cavalcante deu 85% de seus cerca de 4 mil votos para presidente a Fernando Haddad (PT) e foi uma das oito cidades em que Caiado perdeu na corrida para o governo goiano no ano passado - ele saiu vitorioso nas outras 238 cidades do Estado.

O ministro do Desenvolvimento Social e Combate � Fome (2004-2010) da gest�o Lula, Patrus Ananias diz que essa tentativa dos conservadores at� agora se limita a "propostas demag�gicas e n�o a a��es espec�ficas". "Na pr�tica tudo o que fizemos para os mais pobres foi desconstru�do", afirma. "� a mesma coisa com os s�mbolos nacionais, usam bandeiras, hino, e na verdade est�o entregando o Pa�s. Ent�o, aguardo as obras. Por enquanto, est�o s� nas promessas, nas palavras v�s", critica o petista.

Impulso


A l�gica de agir onde a situa��o � pior vinha sendo buscada pontualmente no Pa�s por governos locais, como os do PSDB em Minas Gerais e em S�o Paulo, e passou a ser estimulada no ano passado pela C�mara dos Deputados. Correligion�rio de Caiado, o presidente da Casa, Rodrigo Maia, criou uma comiss�o de estudos para analisar a legisla��o social do Pa�s e prop�s a ado��o do �ndice por Estados e munic�pios. Pol�tico fluminense conservador, identificado com pautas econ�micas, como a reforma da Previd�ncia, Maia passou a dar �nfase em seus discursos � preocupa��o social.

"A chamada direita sempre esteve preocupada com a quest�o social. Este tornou-se um territ�rio sagrado de atua��o dos governos petistas, mas as iniciativas de governos estaduais e municipais sempre existiram", diz Rodrigo Garcia (DEM), vice-governador de S�o Paulo.

� frente da prefeitura de Salvador, Ant�nio Carlos Magalh�es Neto (DEM) criou o programa Morar Melhor. Assistentes sociais identificam o que falta ao domic�lio e produzem, em parceria com os moradores, um laudo com as obras escolhidas at� R$ 5 mil. A prefeitura ent�o faz o reboco na parede, por exemplo, ou constr�i o banheiro.

Neto tenta resgatar a popularidade junto aos mais pobres que gozavam pol�ticos tradicionais da direita, como seu av� Ant�nio Carlos Magalh�es na Bahia, Jos� Sarney no Maranh�o e Paulo Maluf em S�o Paulo, grupo que expandiu por anos seus dom�nios nas classes baixas. A ascens�o do PT ao poder e o sucesso dos programas de transfer�ncia de renda patrocinados por Lula em larga escala permitiram que a esquerda tomasse para si o discurso da preocupa��o social - e avan�asse sobre o eleitorado carente nas periferias e no Nordeste. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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