
Se quando aconteceu a morte de Jango pareceu a Maria Thereza consequ�ncia da cardiopatia do marido, d�cadas depois, j� no desabrochar do novo mil�nio, ainda assombram as revela��es que saltaram dos arquivos dos governos do Cone Sul, naqueles anos de chumbo. Teria sido cuidadosamente substitu�do um �nico comprimido do frasco, que chegava da Fran�a para o tratamento de Jango? Teria sido esse l�der do trabalhismo e herdeiro pol�tico de Get�lio Vargas, mais um da Am�rica do Sul, que, antes da esperada reabertura democr�tica, viria a ser eliminado no contexto da Opera��o Condor?
Segundo relato de Neira Barreiro, que no Uruguai, em colabora��o com a ditadura brasileira, respondia pelas grava��es das escutas dom�sticas da fam�lia Goulart, seria este o caso: Jango fora assassinado. Mas a morte dele segue n�o esclarecida, inconclusiva. Para a fam�lia do ex-presidente, persiste ainda a dor das interroga��es ainda n�o respondidas sobre o marido e o pai. Mais um sil�ncio que grita sobre a recente hist�ria do Brasil.
“Jango foi vigiado desde que colocou os p�s no Uruguai. Neira Barreiro era o operador respons�vel pelo gravador: ele ouvia, gravava e degravava as escutas. Ao final de certa entrevista que fiz com ele, perguntei-lhe se recordava-se de algum detalhe do que se passava na casa de Jango. Neira Barreiro disse: A gente ria muito quando a dona Maria Thereza cantava o Leonardo Fazio”. Em posterior entrevista com Maria Thereza, Wagner William teria a confirma��o: de fato, nos tempos do Uruguai, Leonardo Fazio era o seu cantor preferido. “Os servi�os da repress�o ouviam os segredos de cama e mesa da fam�lia Goulart. Sabiam tudo. Imagine a invas�o � privacidade que isso significa. No quarto, no banheiro, na cozinha, na sala. Estavam em todos os cantos”, revela o autor, que ao pesquisar arquivos j� desclassificados no Uruguai, descobriu, por exemplo, que o pr�prio porteiro do pr�dio em que a fam�lia viveu em Montevid�u era um agente que repassava relat�rios com detalhes da circula��o na resid�ncia de Jango.
A trajet�ria de Jango, herdeiro pol�tico de Get�lio Vargas, o encontro e posterior casamento com Maria Thereza, � trama que nasce e prospera na tradicional e conservadora sociedade dos pampas, em S�o Borja, de onde emergem lideran�as pol�ticas progressistas – que mudam a perspectiva do desenvolvimento no Brasil. Ali, �s margens do Rio Uruguai, � fronteira com a cidade argentina de Santo Tom�, S�o Borja, assim batizada em 1887, carrega a heran�a, como aponta Wagner William em sua obra, do mais antigo dos aldeamentos ind�genas dos Sete Povos das Miss�es fundados por jesu�tas, a partir de conflitos sangrentos entre espanh�is, portugueses, ind�genas, paraguaios, jesu�tas e bandeirantes paulistas. Ao final do s�culo 19, a chegada de imigrantes, sobretudo italianos e alem�es, traria para toda a regi�o a agricultura e a pecu�ria.
NOVOS POL�TICOS Nesse ambiente emerge Get�lio Vargas, l�der da Revolu��o de 1930, na qual encerra-se a Velha Rep�blica – e com ela a hegemonia da burguesia cafeeira. O estado que nasce centraliza o poder, intensifica a sua interven��o na economia, subordina as oligarquias tradicionais e demais classes ao poder central, possibilitando o desenvolvimento industrial. Jango, JK, Leonel Brizola, Tancredo Neves e toda uma gera��o de estadistas s�o heran�a do getulismo � cena pol�tica brasileira. O mesmo Get�lio, ponto de interse��o, que entrela�a nos pampas, as vidas e fam�lias de Jango e Maria Thereza.