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Estado de Minas

Livro reconstitui a trajet�ria de Maria Thereza Goulart, a bela ga�cha que chegou ao poder com Jango

Biografia que leva o t�tulo "Uma mulher vestida de sil�ncio" resgata a hist�ria da ex-primeira dama


postado em 19/05/2019 06:00 / atualizado em 19/05/2019 08:46

João Goulart e Maria Thereza com o filho recém-nascido, o primogênito João Vicente, em 1956 (foto: FLÁVIO DAMM/O CRUZEIRO/ARQUIVO EM)
Jo�o Goulart e Maria Thereza com o filho rec�m-nascido, o primog�nito Jo�o Vicente, em 1956 (foto: FL�VIO DAMM/O CRUZEIRO/ARQUIVO EM)

“A sua respira��o ofegante e em alto volume tomava conta do quarto. Um som horr�vel. Maria Thereza deu a volta na cama e foi para o lado dele. Tentou acord�-lo. Jango estava com a boca aberta, buscando ar de maneira aflita, mas n�o conseguia respirar. Segurava com for�a o travesseiro. Deu um gemido mais alto e seco. Maria Thereza come�ou a sacudi-lo e gritou o seu nome. Como ele n�o reagia, saiu correndo em busca de ajuda.” Naquela madrugada de 6 de dezembro de 1976, aos 57 anos, morria o ex-presidente da Rep�blica Jo�o Belchior Marques Goulart (1918-1976),  em sua fazenda La Villa, no munic�pio argentino de Mercedes. �nica testemunha, o relato � de sua esposa, Maria Thereza Fontella Goulart. O casal se preparava para migrar para a Europa, deixando para tr�s 12 anos de ex�lio entre Uruguai e a Argentina, numa Am�rica do Sul tomada por ditaduras violentas, cujas lideran�as democr�ticas estavam amea�adas pela Opera��o Condor.

Dois dias antes, Jango, como era chamado, havia vendido gado num leil�o em Arbolito, no Uruguai, e recolhido US$ 280 mil, com os quais planejava reiniciar a vida em Paris, ao lado da esposa. Os filhos, Jo�o Vicente e Denize, amea�ados de sequestro por grupos paramilitares que atuavam no Cone Sul extorquindo empres�rios, j� estavam em Londres. A maleta com o dinheiro do gado viria a ser roubada em meio ao tumulto que se seguiu � sua morte. Mas n�o o seu �ltimo sonho: Jango, que tanto acalentara um retorno ao Brasil, atravessaria num esquife a ponte Augustin Justo, que ligava Paso de Los Libres, na Argentina, a Uruguaiana, no Rio Grande do Sul. E mesmo morto, s� encontrou o seu descanso ao lado de Get�lio Vargas, no cemit�rio de S�o Borja, ap�s o �ltimo confronto com o regime militar, que resistia em deix�-lo retornar ao pa�s, temendo a rea��o popular no adeus ao l�der trabalhista.


A hist�ria de Maria Thereza ganha corpo e forma na obra de Wagner William, biografia que leva o t�tulo Uma mulher vestida de sil�ncio – A biografia de Maria Thereza Goulart, pela editora Record. “Foram 12 anos de pesquisas, em arquivos desclassificados no Uruguai e Brasil, diversos documentos – entre eles o di�rio de Maria Thereza –, que se somaram a mais de 100 entrevistas”, explica o autor. A obra n�o s� reconstitui o contexto hist�rico e cultural da mulher dos anos 1950 e 60 – como sobretudo, recupera a trajet�ria dessa filha de pais fazendeiros dos pampas ga�chos, nascida possivelmente em 1936 – � �poca os pais frequentemente alteravam as datas de nascimento dos filhos.

Maria Thereza fora educada para ser uma discreta m�e de fam�lia e dona de casa. Em 11 de dezembro de 1950, por volta dos 14 anos, semanas antes da posse do eleito Get�lio Vargas � Presid�ncia da Rep�blica, ela conheceu em S�o Borja o homem com quem se casaria cinco anos depois. Jango, � �poca, um empres�rio bem-sucedido, amigo pessoal de Get�lio, com quem convivera muito proximamente a partir de 1946, quando o presidente, apeado do poder, mergulhara em sua fazenda Itu, vizinha � est�ncia S�o Vicente, de Jango.

Dezoito anos mais nova do que Jango, Maria Thereza viveria discretamente dedicada aos filhos e ao marido, quando este exercia a vice-presid�ncia no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) e nos quase sete meses da mete�rica presid�ncia de J�nio Quadros. Enquanto Jango representava o Brasil na China, ela se encontrava em f�rias em Lloret del Mar, na costa espanhola,  acompanhada dos filhos Denize e Jo�o Vicente, quando ambos foram surpreendidos com a ren�ncia.

Na montanha-russa que marcaria a sua vida, aos 26 anos a primeira-dama Maria Thereza salta subitamente ao centro da cena social, exercendo fasc�nio e marcando �poca por sua beleza. Orientada pelo costureiro Dener, que vai ensin�-la a descobrir o pr�prio estilo, era apontada pela m�dia nacional e internacional como uma das primeiras-damas mais belas do mundo. Da revista O Cruzeiro �s internacionais Time, Paris Match e Stern, o interesse por essa mulher rendeu in�meras capas e manchetes. Rivalizava em eleg�ncia com Jacqueline Kennedy e Grace Kelly, de M�naco. Em recep��es oficiais, foi galanteada por chefes de estado e, segundo Wagner William registra na obra, abertamente assediada pelo ent�o presidente da Iugosl�via, Josip Broz, o Tito (1892-1980), quando em visita ao Brasil.

AO LADO DO MARIDO NO PALANQUE

Na presid�ncia de Jango, a imagem p�blica de Maria Thereza esteve sempre associada ao marido, aos filhos e � representa��o do papel � �poca encarnado pelas primeiras-damas – festas e recep��es. Entretanto,  ela marca um ponto de inflex�o, ao participar em 13 de mar�o de 1964, ao lado de Jango, no com�cio na Central do Brasil, no Centro do Rio de Janeiro, para defender as chamadas reformas de base. “Era uma �poca em que havia uma m�nima participa��o da mulher na pol�tica. Ela quebrou isso ao subir no palanque”, assinala  o autor Wagner William. Naquele com�cio em que 200 mil participaram e precipitaria a articula��o do golpe, Jango encerrou o seu discurso: “N�o apenas pela reforma agr�ria, mas pela reforma tribut�ria, pela reforma eleitoral ampla, pelo voto do analfabeto, pela elegibilidade de todos os brasileiros, pela pureza da vida democr�tica, pela emancipa��o, pela justi�a social e pelo progresso do Brasil”.

Na madrugada de 2 de abril de 1964, o golpe militar j� se consumara e Jango partira para o Rio Grande do Sul. Com os filhos pequenos, Maria Thereza  deixaria a Granja do Torto de madrugada, com uma pequena valise. Deixou para tr�s todos os pertences pessoais, inclusive joias, que seriam saqueados at� por aqueles que se diziam amigos e por outros oportunistas de plant�o. Partia para o ex�lio no Uruguai, com escala na Fazenda Racho Grande, em S�o Borja.

Tr�s perguntas para...

Denize Goulart,
filha de Jango e Maria Thereza, graduada em hist�ria


Como era o seu relacionamento com o seu pai, Jango?
Foi meu melhor amigo. Um homem sens�vel, exemplo de pai, pol�tico, com uma trajet�ria de luta pela democracia, pela soberania nacional e pela justi�a social. Ele foi um ser humano generoso. Em 12 anos de ex�lio, apesar de tantas trai��es, tanta solid�o, nunca ouvi dele uma palavra contra ningu�m. Enquanto n�s, muitas vezes, quer�amos que brigasse com algumas pessoas, n�o aceitando determinadas coisas. Meu pai, um fazendeiro rico, foi um vision�rio, que acreditava que uma sociedade justa s� se daria se os trabalhadores tivessem oportunidade e pudessem viver com dignidade. Para a elite, que nunca aceitou, esse comportamento era visto como uma trai��o. Get�lio Vargas e meu pai tinham vis�o muito avan�ada para a �poca. Talvez n�o fossem compreendidos. Era vis�o grandiosa da pol�tica, da sociedade e do trabalho, que tem de ser dignificante. Eram brilhantes e podiam ver a sociedade de forma grandiosa.

Como foi a decis�o de seu pai de envi�-los a Londres, em 1976?
Havia amea�as de sequestro. Eram grupos paramilitares que atuavam naquele momento em todos os pa�ses do Cone Sul, principalmente na Argentina. E a pr�pria ditadura n�o tinha controle sobre eles. Em determinado momento, pegaram membros de um grupo que se intitulava Associa��o Argentina Anticomunista. Bom, anticomunistas se diziam todos. Prenderam algumas pessoas desse grupo e chegaram a declarar que um dos planos era sequestrar os filhos de Jo�o Goulart. Meu pai ficou desesperado e disse que n�o ficar�amos mais na Argentina. Foi um per�odo no ex�lio em que o cerco come�ou a fechar sobre ele, que j� n�o tinha mais espa�o para morar no Uruguai nem na Argentina. Ao mesmo tempo, tentava articular a possibilidade de volta para o Brasil. Mas ele estava vendo dificuldade, porque sabia que seria preso.

O que pensa sobre as circunst�ncias da morte de Jango?
Para mim continua em aberto. N�o posso dizer que foi assassinado pela Opera��o Condor, pois as investiga��es n�o s�o conclusivas. Sempre vai pairar essa d�vida. At� hoje achamos estranho. Ele estava bem, havia estado em Londres em outubro. Voltou e morreu em dezembro nesse violento contexto pol�tico. N�o foi feita aut�psia. Os governos argentino e brasileiro, as autoridades deveriam ter exigido a aut�psia de um ex-presidente da Rep�blica, exilado por for�a de uma ditadura.

TRECHO DO LIVRO

“Na Granja do Torto, uma espera cruel. Maria Thereza foi ao quarto de Jo�o Vicente e Denize a fim de se certificar de que os dois dormiam. Ouvia pelo r�dio a not�cia de que o Congresso declarou vaga a Presid�ncia. S� pensava em Jango, perguntando a si mesma onde ele estaria. O sil�ncio a deixava mais nervosa. Falou para os amigos que estavam a seu lado, Maria Elisa, Jo�o Jos�, Etelvina, Virg�lio, Oscar Seraphico, Pedro e Terezinha, que deixassem o lugar, mas ningu�m saiu. Barros Carvalho telefonou e conversou rapidamente com ela.

Uma nova liga��o. Era Dener:

Estou triste e preocupado com tudo que est� acontecendo. As not�cias no r�dio s�o terr�veis.

Acho que vou precisar sair do Torto.

A senhora vai nos deixar? Que horror! Estou muito triste! Por favor, me mande not�cias de onde a senhora estiver. Quero continuar sendo seu amigo. Mande um grande abra�o ao presidente e, amiga, para onde for, n�o v� vestida de marrom.

Mesmo ap�s a conversa com Dener, ela n�o arrumou as malas. Apenas esperava. O telefone tocou novamente. Tancredo refor�ou o pedido para que ela ficasse calma, afirmando que Jango estava bem, e repetiu o aviso que Darcy lhe dera, sobre o avi�o. Alertada pela segunda vez, Maria Thereza aceitou preparar uma mala...”


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