
Desde a vitoriosa campanha eleitoral do ano passado, a bandeira de Israel se tornou pe�a constante nos eventos com o presidente Jair Bolsonaro. Depois da posse, o pa�s do Oriente M�dio ganhou status in�dito de aliado priorit�rio do Brasil e a transfer�ncia da embaixada brasileira de Tel-Aviv para Jerusal�m entrou no centro do debate pol�tico. Setores representativos da comunidade judaica, no entanto, t�m manifestado desconforto com uma crescente associa��o entre os s�mbolos do juda�smo e as alas mais conservadoras dos evang�licos.
Entre os dias 13 e 15 de janeiro do ano que vem a Universidade de Haifa, em Israel, vai receber a confer�ncia "Pol�tica e religi�o no Brasil e nas Am�ricas: igrejas evang�licas e suas rela��es com o juda�smo, sionismo, Israel e as comunidades judaicas". Um dos objetivos � discutir os motivos e efeitos da associa��o entre s�mbolos judaicos e "grupos conservadores".
"Hoje a gente v� na pol�tica brasileira s�mbolos judaicos sendo usados por grupos conservadores. � algo que j� vinha ocorrendo desde os protestos pelo impeachment da Dilma (Rousseff). At� por conta disso, come�am a aparecer alguns coment�rios antissemitas", disse o soci�logo Rafael Kruchin, coordenador executivo do Instituto Brasil Israel, um dos organizadores da confer�ncia.
Outra preocupa��o � explicar que o uso dos s�mbolos judaicos, a aproxima��o cada vez maior com Israel e demandas como a transfer�ncia da embaixada para Jerusal�m s�o pautas dos evang�licos e n�o da comunidade judaica - ainda que parte dela apoie a mudan�a.
"� um reducionismo identificar o Estado de Israel com bandeiras da extrema-direita. O presidente tem uma admira��o sincera pelo que Israel fez nessas d�cadas. Ele faz isso constantemente, mas n�o h� necessariamente uma identidade entre a comunidade e o governo", afirma o advogado Fernando Lottenberg, presidente da Confedera��o Israelita do Brasil (Conib).
O uso de s�mbolos judaicos pelos evang�licos tem ra�zes profundas na doutrina crist�, mas ganhou �nfase nas igrejas neopentecostais do Brasil nos �ltimos anos, mais visivelmente a partir da inaugura��o do Templo de Salom�o pela Igreja Universal do Reino de Deus, em 2014, quando o bispo Edir Macedo surgiu usando quip� (chap�u), talit (xale) e uma longa barba.
A associa��o vem de um conceito teol�gico conhecido como dispensacionalismo que, em resumo, significa a cren�a de que Jesus Cristo vai voltar � Terra e, para isso, depende de pr�-condi��es como a retomada de Israel pelo "povo escolhido", os judeus (o que aconteceu em 1948); e a expuls�o dos "gentios" de Jerusal�m (conquistada por Israel em 1967).
Essa cren�a levou ao surgimento do sionismo crist�o, no qual evang�licos assimilam h�bitos e s�mbolos judaicos movidos pela cren�a de que aqueles que amam Israel receber�o em troca a prosperidade. "Sempre pregamos isso. A volta de Jesus � o maior evento da vida de um crist�o, pois significa sua reden��o. Contudo, os evang�licos eram at� pouco tempo atr�s segregados da sociedade. Nosso pensamento n�o era divulgado para fora das nossas fronteiras sociais", disse o deputado Marco Feliciano (PSC-SP).
Trump
Para alguns te�logos e analistas pol�ticos, tanto o sionismo crist�o quanto sua associa��o com a pol�tica foram importados dos EUA. L� eleitores pentecostais dos Estados do meio-oeste praticamente garantiram a elei��o de Donald Trump. Ap�s a elei��o, o sionismo crist�o passou a dar suporte para o apoio dos EUA � ocupa��o de terras na Cisjord�nia, que � condenada pela ONU. O Brasil deve ir a reboque. "Isso vai impactar diretamente na nossa maneira de lidar com essas quest�es", disse o cientista pol�tico Guilherme Casar�es, da Funda��o Get�lio Vargas (FGV).
Uma vis�o distorcida de Israel � outro motivo de inc�modo para a comunidade judaica brasileira. "Uma leitura superficial do uso da bandeira de Israel pode levar a crer que existe uma identifica��o total entre a agenda evang�lica e a de Israel. Na agenda de costumes, Israel � um pa�s bastante progressista. Tem uma pol�tica de respeito � comunidade LGBT, um ministro assumidamente homossexual e liberdade ampla de escolha sobre aborto. N�o � a mesma agenda", disse Michel Schlesinger, rabino da Congrega��o Israelita Paulista (CIP).
Outro motivo de desconforto para parcela dos judeus � a impress�o de que Bolsonaro recebeu apoio un�nime da comunidade, refor�ada pela ida de Fabio Wajngarten para a Secretaria de Comunica��o do governo e a proximidade do presidente com empres�rios como Meyer Nigri, dono da Tecnisa.
"Entidades (judaicas) que se colocam a favor do Bolsonaro t�m uma visibilidade excessiva. S�o mais enxergadas. H� um processo de constru��o do imagin�rio de que n�o se pode ser judeu e de esquerda", disse Michel Gherman, historiador e coordenador do N�cleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ, que em 2017 organizou uma manifesta��o contra a presen�a de Bolsonaro no clube Hebraica do Rio.
O Estado procurou Wajngarten, que preferiu n�o se manifestar. O Pal�cio do Planalto tamb�m n�o se pronunciou sobre o assunto. A Igreja Universal n�o respondeu �s perguntas enviadas. Procurada, a Embaixada de Israel tamb�m n�o se pronunciou.
Evang�licos
Ap�s press�o de setores do governo que temiam repercuss�es negativas no com�rcio com os pa�ses �rabes, o presidente Jair Bolsonaro recuou em uma de suas principais bandeiras defendidas na campanha de 2018: a transfer�ncia da embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusal�m. A bancada evang�lica, no entanto, vai cobrar a promessa.
"Esse � o nosso ponto de honra. Como todas as pesquisas de opini�o �s v�speras do segundo turno mostraram, os evang�licos deram mais de 10 milh�es de votos de diferen�a ao presidente em rela��o ao seu advers�rio. E o principal motivo � porque Bolsonaro era o �nico candidato que de maneira taxativa declarava que transferiria a embaixada. Tenho convic��o que o presidente n�o ir� cometer estelionato eleitoral com um ter�o da popula��o brasileira", disse Feliciano.
Os �nicos pa�ses que transferiram suas embaixadas para Jerusal�m at� agora s�o os EUA e a Guatemala, onde 40% do eleitorado � evang�lico.
Para Guilherme Casar�es, da FGV, Bolsonaro percebeu que poderia ter ganhos eleitorais em uma aproxima��o com Israel ainda na pr�-campanha e n�o apenas por causa do dispensacionalismo.
De acordo com o cientista pol�tico, a associa��o com o pa�s do Oriente M�dio agradou os seguidores do escritor Olavo de Carvalho, armamentistas, eleitores do Nordeste interessados nas tecnologias israelenses para enfrentamento das secas, antipetistas que ligam o partido de Lula � causa palestina, anti-globalistas etc. "O tema de Israel sempre foi potencialmente politiz�vel", disse Casar�es.
Amaz�nia
Um exemplo do impacto pol�tico exercido pelo sionismo crist�o no Brasil p�de ser visto na sexta-feira, 23, quando Bolsonaro recorreu aos EUA e Israel para enfrentar os ataques da Fran�a, Alemanha e outros pa�ses ao seu governo por causa dos inc�ndios na Amaz�nia.
No ano passado, ainda no governo Michel Temer, o ent�o chanceler Aloysio Nunes visitou Israel e anunciou que a partir de ent�o o Brasil deixaria de votar automaticamente a favor da Palestina na ONU. A bancada evang�lica na C�mara foi fundamental para evitar que Temer fosse afastado do cargo. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.