
O novo ministro da Justi�a, Andr� Mendon�a, vem de uma igreja criada h� tr�s anos, ainda sem templo pr�prio e considerada mais progressista entre seus pares de cren�a religiosa.
O reverendo Andr� Luiz de Almeida Mendon�a, o agora ex-advogado-geral da Uni�o (AGU), que assumiu o cargo juntamente com a posse do presidente jair Bolsonaro, em 1º de janeiro, figura na lista como um dos mais cotados para ser indicado pelo presidente vaga de ministro "terrivelmente evang�lico" do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em uma linha divergente do pensamento dominante no meio evang�lico - considerado mais conservador -, a Igreja Presbiteriana Esperan�a de Bras�lia evita temas pol�ticos, manifestou reservas a iniciativas do presidente, como a defesa de armas de fogo, e discute abertamente como "apoiar, capacitar e emancipar as mulheres em espiritualidade, lideran�a e servi�o".
"Nosso grupo dentro da igreja crist� � um pouco mais progressista, por isso pegamos uma vertente diferente", diz o pastor titular Valter Moura, fundador da Esperan�a de Bras�lia e amigo de Mendon�a. "Trabalhamos sobre quest�o de g�nero. Em tantas igrejas que a mulher n�o � nada. Qual � a participa��o efetiva da mulher na hist�ria?", questiona de forma ret�rica Moura, sem rodeios ao usar a express�o "g�nero", abominada pela ala mais ideol�gica do governo.
Igreja do ministro
Criada h� tr�s anos, a Esperan�a tem 115 integrantes, dos quais costuma reunir pelo menos 60 nos cultos dominicais, realizados de forma improvisada no audit�rio de uma escola p�blica do Distrito Federal.
O AGU � um dos pastores auxiliares do colegiado que comanda a igreja. Segundo assessores, n�o � remunerado. Mendon�a coordena a forma��o espiritual das crian�as, em atividades como retiro e recrea��o em fins de semana. "O perfil dele � de uma pessoa simples, sempre acess�vel e muito af�vel. As crian�as o adoram. Ele poderia estar numa igreja enorme a�", diz o reverendo Moura.
O advogado-geral tamb�m costuma pregar nos cultos, revezando-se numa escala entre os demais pastores, e falar em encontros reservados do grupo de homens, a confraria "Homens da Esperan�a", que se re�ne na casa de um casal frequentador da igreja. Nos �ltimos bate-papos que liderou, Mendon�a falou sobre "fam�lia" e algo caro � carreira que exerce: integridade.
Entusiasta de Marina Silva
Em 2018, Mendon�a n�o fez campanha aberta por Bolsonaro
O advogado-geral n�o fez campanha aberta por Bolsonaro no ano passado. Em vez disso, um perfil dele nas redes sociais revela entusiasmo com a elei��o de Marina Silva, ent�o candidata a presidente pela Rede Sustentabilidade.
"Encontrei Marina Silva duas vezes em cerim�nias religiosas, por ela tamb�m ser evang�lica, mas nunca tratei de pol�tica com ela. Em uma delas, ela disse que n�o mistura pol�tica com religi�o, no que concordamos", disse Mendon�a ao Estado, por meio de sua assessoria, sem responder se fez campanha pela candidata.
Simp�tico a Lula
Em 2002, o atual AGU havia publicado um artigo simp�tico � vit�ria do ex-presidente Luiz In�cio Lula da Silva (PT) no jornal Folha de Londrina, quando era procurador da Uni�o na cidade. "Temos o primeiro presidente eleito do povo e pelo povo", escreveu.
Diferentemente de igrejas pentecostais e neopentecostais de mais express�o, a Esperan�a n�o aborda temas eleitorais e pol�tico-partid�rios em cultos. No ano passado, a igreja usou as redes sociais para pregar toler�ncia entre os dois lados de uma campanha considerada pelos pastores como "conflituosa e violenta".
Mendon�a nunca foi reconhecido na igreja por ter perfil pol�tico, mas sim como "um homem da AGU". O pastor Valter Moura diz que o incentivou quando ele confidenciou que seu nome era cotado para advogado-geral - e fez o mesmo agora com a possibilidade de uma vaga no STF. "O que vier, voc� vai se dar bem. Sempre. Coragem", disse ele a Mendon�a. "Mantemos as rela��es distantes. O que acontece l� (no governo) n�o se traz para c�. Nem ele quer, nem n�s queremos."
Indagado sobre a avalia��o do presidente, que quer um ministro evang�lico no STF, Moura � cauteloso. "O Estado � laico, e, independentemente disso, nossa igreja n�o faz for�a para colocar gente onde quer que seja."
T�cnico idealista e fala pausada
Mendon�a � um t�cnico idealista. Possui uma fala pausada, calma, por vezes, intercalada com o juridiqu�s. Nascido em Santos (SP) e torcedor do time alvinegro do litoral paulista, foi criado numa fam�lia religiosa e viveu em diferentes cidades do Estado, inclusive Miracatu, reduto da fam�lia presidencial. O pai era funcion�rio do Banespa. Aos 46 anos, � casado e tem um casal de filhos.
Antes de ingressar na AGU, via concurso, foi advogado da Petrobr�s Distribuidora entre 1997 e 2000. Em institui��es privadas, cursou Direito em Bauru (SP) e Teologia, em Londrina (PR). Fez p�s-gradua��o em Direito P�blico na Universidade de Bras�lia (UnB), mestrado e doutorado na Universidade de Salamanca, na Espanha.
Na AGU, foi corregedor-geral, adjunto do Procurador-geral da Uni�o e diretor do Departamento de Patrim�nio e Probidade, por convite do ministro Dias Toffoli, atual presidente do Supremo. Indicado pelo ex-presidente Lula, Toffoli � um dos ex-AGUs atualmente no Supremo e � apontado como um interlocutor favor�vel a Mendon�a na Corte. O outro � Gilmar Mendes, indicado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Na Controladoria Geral da Uni�o (CGU), assessorou o ministro Wagner Ros�rio, dedicado aos acordos de leni�ncia, dos quais � entusiasta. Tocou casos relacionados � Lava Jato e colecionou algumas rusgas. Em um destes desentendimentos, Mendon�a "parou de falar" com uma colega e se recusava participar de reuni�es em que a desafeta estivesse presente, conta uma auditora, que, reservadamente, avalia a postura como "autorit�ria e at� infantil". Questionado sobre o epis�dio, Mendon�a afirma que "podem ter havido diferen�as de opini�es em determinadas an�lises t�cnicas". "De minha parte, nada al�m disso", disse.
Combate � corrup��o
"N�o � no �mbito criminal que se resolve o problema da corrup��o. O caminho da recupera��o n�o � o criminal, � o c�vel", costuma dizer Mendon�a. O trabalho mais not�rio dele foi o acordo com o Grupo OK, do ex-senador Luiz Estev�o, condenado por fraudes na constru��o do Tribunal Regional do Trabalho em S�o Paulo. O acordo � um dos maiores da hist�ria, com previs�o de devolu��o de R$ 468 milh�es.
Ex-chefe de Mendon�a, o ministro da CGU, Wagner Ros�rio, � apontado como um fiador da indica��o a Bolsonaro. Antes de ser escolhido, o ex-AGU chegou a participar de uma sele��o, mas ficou de fora da lista tr�plice do F�rum Nacional da Advocacia P�blica Federal, encaminhada ao gabinete de transi��o. Fez uma reuni�o com o advogado e major da PM Jorge Oliveira, hoje ministro da Secretaria-Geral da Presid�ncia, funcion�rio de confian�a do presidente que analisava curr�culos. Por meio dele, foi ao encontro de Bolsonaro. No fim do bate papo, o presidente estava decidido, conta uma assessora do ministro. "Manda preparar o Twitter do rapaz", ordenou Bolsonaro, para comunicar pela internet a indica��o de Mendon�a para AGU.
"Ele � uma grata surpresa", diz um influente pol�tico evang�lico da C�mara, ao apont�-lo com um t�cnico discreto, servidor de carreira, que ganhou simpatia da bancada.
Conhecido do Supremo
Mendon�a � conhecido por funcion�rios do Supremo como frequentador ass�duo dos gabinetes de ministros. J� houve at� reclama��es das secret�rias para "diminuir" as visitas, em que tamb�m leva colegas de Esplanada.
Na �poca da indica��o para a AGU, Mendon�a disse que a escolha por Bolsonaro o surpreendeu. Ele preparava-se para dar aula, uma das vertentes profissionais que mais gosta. Na academia, � professor visitante em Salamanca e na Funda��o Get�lio Vargas. Costuma dar palestras com tom motivacional.
Agora � esperar se, em novembro, ter� outra surpresa. Nessa data, ele poder� ocupar das 11 poltronas do Supremo, em substitui��o a Celso de Mello, que se aposentar� compulsoriamente aos 75 anos.( Com Estad�o Conte�do)