
Em mais uma medida controversa tomada durante a pandemia do novo coronav�rus, o presidente Jair Bolsonaro criou um "salvo-conduto" a gestores p�blicos - o que inclui ele pr�prio - por eventuais irregularidades em atos administrativos relacionados � pandemia, como contrata��es fraudulentas ou libera��o de dinheiro p�blico sem previs�o legal. A medida provis�ria (MP), publicada na edi��o desta quinta-feira do Di�rio Oficial da Uni�o, causou rea��o imediata no Legislativo e no Judici�rio. No Supremo Tribunal Federal, a regra foi vista por ministros como inconstitucional, enquanto parlamentares pressionam o presidente do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP), a torn�-la sem efeito.
A MP 966, publicada ontem por Bolsonaro, prev� que agentes p�blicos s� poder�o ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se ficar comprovada a inten��o de fraude ou "erro grosseiro". A medida diz ainda ser preciso analisar "o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia da covid-19 e suas consequ�ncias, inclusive as econ�micas".
Al�m de Bolsonaro, assinam a MP os ministros da Economia, Paulo Guedes, e da Controladoria-Geral da Rep�blica, Wagner Ros�rio. Em parecer encaminhado ao Pal�cio do Planalto, as duas pastas justificam a medida com a necessidade de "salvaguardar a necess�ria autonomia decis�ria dos agentes p�blicos".
Integrantes do STF que pediram para n�o ser identificados avaliaram, no entanto, que a medida gera uma esp�cie de "lei de anistia" e cria uma "blindagem" para servidores p�blicos. Um ministro aponta que a regra viola a Constitui��o, pois fere a previs�o de responsabilidade por atos que causem preju�zos � administra��o p�blica ou a particulares.
A Associa��o Brasileira de Imprensa (ABI) entrou ontem com uma a��o direta de inconstitucionalidade contra a medida. "Uma MP com este teor d� a n�tida impress�o de ser uma tentativa de conseguir um 'excludente de ilicitude' para (o presidente) manter um comportamento irrespons�vel e nocivo � coletividade, concedendo-se uma autoanistia", diz nota assinada por Paulo Jeronimo de Sousa, presidente da entidade. O Cidadania tamb�m acionou a Corte contra a medida.
Questionado ontem sobre a MP, Bolsonaro atribuiu a um pedido do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. "Foi um pedido, se n�o me engano, do Roberto Campos. Sempre tem cr�ticas. Tudo o que faz tem cr�tica. O Parlamento vai poder, agora, aperfei�oar o que por ventura n�o est� de acordo com o entendimento deles", afirmou em frente ao Pal�cio da Alvorada.
A tentativa de "blindar" servidores de eventuais questionamentos futuros na Justi�a tamb�m est� prevista em outra medida provis�ria voltada especificamente para a��es do BC, mas que ainda n�o foi votada pelo Congresso.
No caso do aux�lio emergencial de R$ 600 destinado a trabalhadores informais, por exemplo, houve d�vidas por parte da equipe econ�mica do governo se o benef�cio poderia ser pago sem a indica��o de fontes da receita no Or�amento, um pr�-requisito formal na hora de prever um gasto. O temor era, justamente, que o repasse do dinheiro pudesse resultar em crime de responsabilidade futuramente.
O pr�prio presidente tem sido alvo de cr�ticas pela forma como tem agido em rela��o � pandemia. Ele chegou a ser alvo de uma not�cia-crime no Supremo por descumprir orienta��es de organismos de sa�de ao participar de manifesta��es de rua, estimulando aglomera��es. Infringir normas sanit�rias, por�m, � um crime previsto no C�digo Penal e, portanto, n�o se enquadra nas isen��es previstas na MP publicada ontem - restrita �s esferas civil e administrativa.
'Cheque em branco'
Para advogados ouvidos pela reportagem, a medida tem mais peso pol�tico do que jur�dico. Isso porque a legisla��o prev� outras formas de puni��o a agentes que assinarem atos irregulares. "Temos que fazer um alerta aos gestores para que n�o tomem essa MP como um cheque em branco", diz a coordenadora acad�mica da Escola Superior de Advocacia do Rio de Janeiro, Tha�s Mar�al.
Para o advogado Eug�nio Arag�o, ex-procurador da Rep�blica e ex-ministro da Justi�a no governo de Dilmar Rousseff, a MP tem um car�ter de ser um "cala a boca" a �rg�os de fiscaliza��o como o Tribunal de Contas da Uni�o (TCU) e o Minist�rio P�blico. "O governo sabe que na aquisi��o de equipamentos de sa�de, como respiradores, est� acontecendo muita irregularidade. E o Minist�rio P�blico est� apurando", disse Arag�o.