
Moro concedeu entrevista ao Fant�stico, da Rede Globo, e detalhou sua passagem desde o in�cio do governo Bolsonaro. O ex-ministro evitou emitir opini�o sobre o v�deo da reuni�o ministerial do dia 22 de abril, no Pal�cio do Planalto, e que � pe�a no caso no STF, mas revelou que ficou desconfort�vel com o modo como era conduzido o governo e que a grava��o � somente uma das poss�veis provas que devem ser analisadas. “Tem que entender que a quest�o da interfer�ncia na Pol�cia Federal vem num cont�nuo”, disse.
O ex-ministro argumenta que ingressou no governo para dar sequ�ncia no que chamou de agenda de combate � corrup��o, mas que os planos foram deixados de lado por Bolsonaro depois que ele assumiu o Planalto. “Eu tinha um compromisso de combate � corrup��o, � criminalidade violenta e ao crime organizado. Em parte isso foi realizado, especialmente a criminalidade violenta e o combate ao crime organizado. O que entendi, no entanto � que essa agenda anticorrup��o, e me desculpe os seguidores do presidente se essa � uma verdade inconveniente, � que essa agenda n�o teve o impulso por parte do presidente da Rep�blica para que n�s implement�ssemos”, afirmou.
Moro ainda viu falta de apoio do presidente em certas disputas pol�ticas, como a transfer�ncia do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) do minist�rio da Justi�a para a Economia, na apresenta��o do projeto anticrime e quanto � execu��o de pena ap�s decis�o em segunda inst�ncia. O ex-juiz falou que tentou permanecer no governo, mas que a tentativa de interfer�ncia de Bolsonaro na Pol�cia Federal foi a gota d’�gua para que ele pedisse demiss�o.
“Fui permanecendo porque tinha esperan�a de conseguir avan�ar com essa agenda. Fui vendo essa agenda ser esvaziada e para mim a gota d'�gua foi a interfer�ncia na Pol�cia Federal. Em particular, porque a PF tamb�m investiga malfeitos dos pr�prios governantes”, disse Moro, que questionou as aproxima��es a alguns pol�ticos feitas por Bolsonaro no Congresso nas �ltimas semanas.

�ntegra da entrevista de Moro ao Fant�stico
O presidente cometeu crime?
Veja, eu, quando deixei o governo, fiz aquele pronunciamento e depois prestei um depoimento, eu deixei muito claro que nunca foi minha inten��o prejudicar o governo de qualquer maneira. O que aconteceu, na minha avalia��o, foi uma interfer�ncia pol�tica do presidente da Rep�blica na Pol�cia Federal, tanto na dire��o como tamb�m na superintend�ncia do Rio de Janeiro. Entendi pela relev�ncia do assunto que era minha obriga��o revelar a verdade por tr�s da minha sa�da. Cabe agora �s institui��es - PGR, Pol�cia Federal e o pr�prio Superior Tribunal Federal - fazer uma avalia��o sobre esses fatos. Da minha parte n�o cabe emitir opini�o espec�fica a esse respeito.
Horas antes da reuni�o ministerial do dia 22 de abril o presidente mandou mensagem dizendo que tiraria Valeixo da dire��o da Pol�cia Federal.
Ele mandou estas mensagens, de fato, no dia 22, dizendo, ‘olha, vai trocar de qualquer jeito, voc� escolhe apenas a forma’. Isso demonstra essa argumenta��o (do presidente) de que n�o havia interesse de interfer�ncia na Pol�cia Federal n�o � propriamente correto. Esse v�deo � mais um dos elementos de prova. N�s tivemos a reuni�o, n�, Ministerial, no qual novamente ele externou essas situa��es de que ele iria trocar, intervir, n�, porque os servi�os de intelig�ncia n�o funcionavam, ele precisava trocar, e ele ali me parece claro, at� no gestual que ele realiza, que se refere a mim, � Pol�cia Federal. Agora, eu n�o ia discutir isso, no �mbito de uma reuni�o ministerial, at� porque ali o ambiente n�o � um ambiente muito favor�vel ao contradit�rio.
Na reuni�o, o presidente faz declara��o contundente sobre querer prejudicar familiares e amigos dele. Isso acabou. Em outro momento ele verbalizou a preocupa��o com a fam�lia dele?
Quem tem que dar essa explica��o, quem tem que esclarecer o sentido dessas afirma��es, a meu ver, � o Planalto, e n�o o ex-Ministro da Justi�a. Veja, o presidente externou publicamente as diversas preocupa��es que ele tinha em rela��o aos filhos dele. O que existe � todo um contexto � a necessidade externada pelo presidente de colocar pessoas da confian�a dele, numa insatisfa��o com os servi�os de intelig�ncia que eram prestados pela PF. Tem que ver exatamente o que ele entende por servi�os de intelig�ncia, que, para ele, estavam insatisfat�rios.
O presidente diz ter um sistema particular de informa��es. O senhor inha conhecimento desse sistema?
Acho que isso tem que ser indagado ao presidente da Rep�blica. O que ele quis dizer com esse servi�o particular. O que me causou mais preocupa��o foi me parece o desejo de que os servi�os de intelig�ncia prestados por esse servi�o particular passassem a ser prestados pelos servi�os oficiais.
Em um dos momentos, Bolsonaro olha para o senhor
Acho que o v�deo fala por si. quando ele olha na minha dire��o, isso evidencia que ele estava tratando desse assunto, falando desse assunto, da Pol�cia Federal. E n�s temos que analisar os fatos que ocorreram anteriormente, ele n�o teve nenhuma dificuldade de alterar o servi�o do GSI, inclusive do Rio de Janeiro, ele promoveu aquelas pessoas envolvidas, sinal de que tinha uma insatisfa��o, e os fatos posteriores, os fatos posteriores s�o o que: a mensagem que ele me manda na quinta de manh�, que ele fala ‘mais um motivo para a troca’, ap�s enviar uma mensagem relativa a um inqu�rito no Supremo Tribunal Federal, e para o outro lado o que acontece: acontece a demiss�o do diretor Valeixo…
Em que momento o senhor sentiu que o presidente estava tentando agir para atender aos interesses dele?
Olha, essa quest�o da interfer�ncia na Pol�cia Federal, ela vem num cont�nuo, no qual eu ingressei no governo, e at� dei uma entrevista na �poca ao Fant�stico, muito claro de que eu tinha um compromisso no combate � corrup��o, no combate � criminalidade violenta, no combate ao crime organizado. E, em parte, isso foi realizado, especialmente no combate � criminalidade violenta e ao crime organizado. O que eu entendi, no entanto, � que essa agenda anticorrup��o, e me desculpem aqui os seguidores do presidente, se essa � uma verdade inconveniente, mas essa agenda anticorrup��o n�o teve um impulso por parte do presidente da Rep�blica para que n�s implement�ssemos. Ent�o, n�s tivemos por exemplo a transfer�ncia do COAF, do Minist�rio da Justi�a, n�o houve empenho do Planalto ali para que fosse mantido no �mbito do Minist�rio da Justi�a… Depois, houve o projeto anti crime, que n�o houve o apoio adequado por parte do Planalto. Houve l� a mudan�a do entendimento da execu��o em segunda inst�ncia, depois foi apresentada proposta de emenda constitucional para restabelecer a execu��o em segunda inst�ncia, o que acho muito importante contra a corrup��o, e n�o houve nenhuma palavra do presidente da Rep�blica em apoio. Ent�o, essa interfer�ncia na Pol�cia Federal, a meu ver, ela vem no �mbito de um cont�nuo em que eu vi essa agenda anticorrup��o ser cada vez mais esvaziada. E recentemente n�s vimos essas alian�as, n�, que s�o realizadas com pol�ticos que n�o t�m um hist�rico assim totalmente positivo dentro da hist�ria da administra��o p�blica. � certo que � preciso ter alian�as no Parlamento para conseguir aprovar projetos, ent�o, acabei entendendo, com essa interfer�ncia, que, olha, n�o faz sentido em permanecer no governo. at� porque, n�, qual � a minha percep��o: o governo se vale da minha imagem, que eu tenho esse passado de combate firme contra a corrup��o, e de fato o governo n�o est� fazendo isso, n�o est� fortalecendo as institui��es para o combate � corrup��o.
Por que n�o saiu antes?
Fui permanecendo porque tinha esperan�a de conseguir avan�ar com essa agenda. Fui vendo essa agenda ser esvaziada e para mim a gota d'�gua foi a interfer�ncia na Pol�cia Federal. Em particular, porque a PF tamb�m investiga malfeitos dos pr�prios governantes.
O senhor teria guardado prova justamente para n�o parecer omisso sobre condutas criminosas do presidente durante sua gest�o?
De forma nenhuma. N�o houve nenhuma situa��o, eu revelaria se fosse o caso. No contexto mencionado antes, h� um desapontamento em rela��o � falta de empenho do presidente com a agenda anticorrup��o. Que agora, com essas alian�as pol�ticas, algumas question�veis. Veja, eu n�o tenho nada contra os pol�ticos, mas algumas alian�as s�o realmente question�veis.
O senhor acha que o presidente quebrou esse compromisso de n�o proteger ningu�m?
“Quando h� essa interfer�ncia sem causa na Pol�cia Federal, isso me trouxe, assim, muito inc�modo. Se viu, em outras situa��es, substitui��es, trocas, demiss�es, em outros �rg�os do estado, notadamente na �rea ambiental, e tamb�m seriam controversas.
Que trocas controversas?
A pr�pria quest�o das substitui��es no Minist�rio da Sa�de, acho que s�o absolutamente controversas. � claro que o presidente escolhe os seus ministros, mas s�o substitui��es bastante question�veis do ponto de vista t�cnico. Quero dizer que eu tamb�m me sentia desconfort�vel com essa gest�o. A posi��o do governo federal em rela��o � pandemia, muito pouco construtiva.
Por que a pandemia n�o foi discutida naquela reuni�o?
“Essa � um quest�o que deveria ser dirigida principalmente ao presidente da Rep�blica. O presidente tem uma posi��o negacionista em rela��o � pandemia. Houve debate tamb�m sobre pris�o, no caso de infra��o de descumprimento de isolamento e de quarentena. Teve alguns epis�dios, foram at� noticiados, de algumas pessoas que foram presas por viola��o do isolamento, de quarentena, e eu sempre externei a minha opini�o que a pris�o deve ser evitada ao m�ximo. Isso deve ser objeto de di�logo, de convencimento, mas existe uma possibilidade legal da pris�o porque � um crime previsto, uma infra��o penal prevista no Artigo 268 do C�digo Penal.
O presidente insultou prefeitos e governadores por adotarem o isolamento. A sua posi��o pr� isolamento aumentou o choque com o presidente?
Dentro do governo, dentro de v�rias reuni�es que eu participei, isso pode ser dito melhor pelo ministro Mandetta, isso foi alertado, o risco de que houvesse essa escalada de mortes e, no entanto, parece que falta um planejamento geral por parte do Governo Federal em rela��o a essas quest�es. Agora, a minha lealdade ao pr�prio presidente, necessita, demanda que eu me posicione com a verdade, com o que eu penso, e n�o apenas concordando com a posi��o do presidente. Se for assim, n�o precisa de um ministro, precisa de um papagaio. Em nenhuma circunst�ncia se pode concordar com essa, vamos dizer assim, que o armamento sirva, de alguma forma, para que as pessoas possam se opor de forma armada contra medidas sanit�rias.
O presidente defendeu que popula��o fosse armada, inclusive com intuito de se rebelar contra governadores e prefeitos...
Sim, mas n�o h� espa�o ali, dentro dessas reuni�es, isso pareceu muito claro, n�o existe um espa�o ali para o contradit�rio
No dia seguinte saiu uma portaria assinada pelo senhor e pelo ministro da Defesa aumentando a possibilidade para compra de muni��o, de 200 cartuchos por m�s para 550 por m�s. Essa atitude foi resultado de press�o?
Certamente, eu n�o queria tamb�m que isso fosse utilizado como um subterf�gio para desviar a quest�o da Pol�cia Federal, a interfer�ncia na Pol�cia Federal.
Achou que valia a pena a troca?
Isso veio, um pedido do presidente, e eu entendi naquele momento que n�o havia condi��es de me opor a isso porque j� existia essa querela em rela��o � Pol�cia Federal.
As reuni�es comumente tinham ambiente pesado, tom de xingamentos e amea�as?
Eventualmente, nessas reuni�es, tinham algumas discuss�es veementes, n�, o tom no entanto, a meu ver, houve uma subida desse tom nos �ltimos meses.
Havia amea�as, defesas de quest�es ilegais?
Essas s�o quest�es que poderiam ser ditas por outros, a meu ver, n�…
Durante essa reuni�o, de duas horas, o senhor falou por duas vezes e ficou calado, de bra�os cruzados. Por que?
Quanto �s quest�es de interfer�ncia na Pol�cia Federal, eu tinha uma reuni�o com o presidente na quinta-feira, no dia seguinte, e ali, sinceramente, esses assuntos eram mais apropriados serem discutidos numa reuni�o entre eu e o presidente.
Ministro da educa��o disse que botaria vagabundos na cadeia, sobre o STF, e o senhor, que j� foi juiz. se calou. Por que?
Eu n�o sou presidente da reuni�o.
O ministro do Meio Ambiente diz que queria passar a boiada...
Olha, eu n�o estava confort�vel na reuni�o, isso parece muito claro. Me senti incomodado e por v�rios aspectos.
Ficar calado n�o era uma forma de se omitir?
Veja, eu estou dentro do governo. Ent�o, tenho algumas limita��es do que posso externar publicamente. Eu j� tinha esse problema, que vinha h� tempos, em rela��o � Pol�cia Federal.
Por que deixou reuni�o antes de ela terminar?
Bem, eu estava bastante incomodado e desconfort�vel naquela reuni�o, n�o tinha muito espa�o para o contradit�rio, eu acabei saindo, at� queria ter sa�do antes, eu tinha tamb�m compromisso agendado que dava uma desculpa para poder sair antes que ela terminasse.
Atitudes do presidente n�o s�o diferentes ao longo da carreira dele. Se n�o queria sujar biografia, por que l� atr�s aceitou convite?
Porque eu entendi que eu tinha uma miss�o importante a realizar.
Se arrepende de ter aceitado o convite de Bolsonaro?
N�o, de forma nenhuma. Eu fiz uma escolha, muito clara, e na �poca ela estava justificada, e fiz uma escolha tamb�m, muito clara, espero que as pessoas compreendam, quando sa� do governo.
Entrou no governo com apoio popular. Hoje, encara a ira dos apoiadores do Bolsonaro...
Acho que algumas verdades inconvenientes surgiram, muitos apoiadores do pr�prio presidente me diziam, antes da minha sa�da, um tanto quanto frustrados contra essa falta de empenho maior na agenda anticorrup��o.
Muitos dizem que o senhor � candidato. Outros querem a candidatura antecipadamente. Onde o senhor est�?
N�s estamos no meio de uma pandemia muito grave, muito s�ria. E aqui aproveito para externar a minha solidariedade a todas as fam�lias que perderam entes queridos. Acabei de sair do governo. Vou ter de reinventar minha vida.
Ex-juiz, ex-ministro, futuro o que?
Ah, como eu disse, preciso agora, toda essa turbul�ncia, em decorr�ncia da minha sa�da, da pandemia, e estou encontrando uma forma de me posicionar. Agora, o que sempre disse � que quero de alguma contribuir seja na �rea privada, seja no debate p�blico, com essas discuss�es que envolvem o pa�s.