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Estado de Minas

Bolsonaro 'n�o est� controlando a si mesmo nem o Executivo', diz fil�sofo

Em 2018, ao Correio, o fil�sofo previu o vi�s autorit�rio do governo Bolsonaro, o duelo com Moro e o isolamento pol�tico do presidente. No atual momento, Romano destoa do pensamento corrente e afirma jamais ter visto as institui��es t�o vulner�veis


postado em 31/05/2020 08:21

(foto: FELIPE RAU)
(foto: FELIPE RAU)

O fil�sofo Roberto Romano, 74 anos, professor de �tica e pol�tica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que os recentes arroubos autorit�rios do presidente Jair Bolsonaro sinalizam que ele “n�o est� controlando a si mesmo nem a m�quina do Executivo”, enquanto o Estado brasileiro amarga uma fragilidade jamais vista.

 

O docente, que, antes mesmo da posse do atual governo, j� previa tempos de “muita tens�o entre os Poderes e setores da sociedade” com Bolsonaro na presid�ncia, frisa que cada vez que um governante se apresenta como fonte da lei, da for�a e da ordem econ�mica, ele fragiliza ainda mais as institui��es.

Roberto Romano, que tamb�m havia previsto que Sergio Moro e Bolsonaro poderiam se tornar advers�rios, agora vislumbra que o presidente sair� bem menor da crise do novo coronav�rus, com preju�zos para seu projeto de reelei��o. Segundo o docente, o desrespeito do presidente �s normas da Organiza��o Mundial da Sa�de (OMS) e o menosprezo ao potencial devastador da covid-19 ser�o fortemente cobrados, dentro e fora do pa�s. A seguir, os principais trechos da entrevista:

Em novembro de 2018, logo ap�s a elei��o do presidente Jair olsonaro, o senhor fez algumas previs�es sobre o futuro residente, em entrevista ao orreio. Disse que se ele governasse apenas para seus seguidores, e n�o para todos os brasileiros, teria preju�zos pol�ticos, como o solamento. Isso se confirmou?
Eu acho que sim, porque, veja, n�o era apenas uma quest�o de leitura do que viria, mas uma leitura do passado. Quem acompanhou a vida pol�tica do Jair Bolsonaro na C�mara dos Deputados e desde o per�odo que ele pertencia ao Ex�rcito, nota que ele tem tra�os muito graves daquilo que o Teodoro Adorno chamaria de personalidade autorit�ria. Ele nunca se deu ao trabalho de ter um trato parlamentar no sentido mais cl�ssico da palavra, de agregar, de votar, de discutir. Sempre foi perempt�rio, passando palavras de ordem, n�o aceitando o contradit�rio, o que � complicad�ssimo na vida parlamentar. E, quando foi eleito, certamente aquele epis�dio do atentado contra ele criou uma expectativa muito grande, e isso dava para notar naquele momento, de um certo messianismo. Isso foi exasperado pelos setores chamados evang�licos, que o apoiam, e que, inclusive, fizeram trocadilho com seu nome, o Messias, e tudo mais. Somado a um tipo de personalidade que n�o pergunta, n�o dialoga, n�o discute e n�o prop�e, al�m do fervor religioso, s� poderia ter um governo de cunho autorit�rio. 

O presidente, cada vez mais solado politicamente, est� oncedendo cargos importantes ao Centr�o em troca de apoio no Congresso, o chamado toma l�, d� c�, que ele sempre criticou. Por que ele chegou a esse ponto?
Em primeiro lugar, � uma situa��o que piorou muito: no tempo do J�nio Quadros,  voc� tinha partidos fortes, como o PSD e o PTB, que haviam sido organizados por Get�lio Vargas e tinham uma estrutura muito forte, vertical, que atendiam a determinados setores de classe. O PSD atendia � classe m�dia alta; e o PTB aos interesses dos oper�rios. Esses partidos tinham como inimigo a UDN, que era um partido forte tamb�m, que reunia delegados liberais e, ao mesmo tempo, recursos econ�micos bastante elevados. Ent�o, havia partidos pol�ticos. No caso do Fernando Collor de Mello, ainda havia partidos pol�ticos. O pa�s tinha acabado de sair de um regime ditatorial, o MDB estava coeso ainda, n�o tinha perdido a ess�ncia de partido de oposi��o � ditadura; e a Arena tinha se transformado no PFL. Hoje, os partidos se dissolveram de tal modo que voc� n�o tem mais nenhum setor do Congresso que re�na pol�ticos capazes de propor um projeto e um programa para o Brasil alternativo ao do Executivo. E a� o problema � muito grave porque voc� n�o v� mais possibilidade de di�logo. Se o presidente n�o tem di�logo com o MDB, se di�logo com a oposi��o ele n�o tem, pra onde ele vai se virar? Pequenos partidos que se formaram nos �ltimos tempos, como o Novo, romperam com ele. A �nica op��o que lhe coube foi voltar para aquele clube em que ele trabalhava. Ele viveu sempre dentro do Centr�o.

O presidente est� olhendo o que plantou?
Eu acho que ele est� pagando um pre�o alt�ssimo. Fora aqueles 25% que s�o seguidores incondicionais dele, est� havendo uma desidrata��o do seu eleitorado justamente por causa desse tipo de coisa. Em primeiro lugar, ele comprou uma estrela de primeira grandeza do moralismo nacional, o Sergio Moro. Ele era, digamos assim, um salvo conduto para vastos setores da classe m�dia brasileira. Quem acompanhou a vida de Moro sabia que ele n�o estava l� pelos belos olhos do Bolsonaro.

Na entrevista de 2018, o senhor considerou “um golpe de mestre” o convite para Moro chefiar o inist�rio da Justi�a, mas, ao mesmo tempo, o senhor anteviu que o ex-juiz poderia se tornar um advers�rio do presidente, em az�o do prest�gio adquirido 
com a Lava-Jato.

O presidente perdeu esse apoio grande. Significa que aquela folha de parreira de moralidade est� rachada no meio: uma parte ficou com o Sergio Moro; e a outra, com os generais, que ainda mant�m um certo padr�o de decoro. E a� o presidente caiu num desespero absoluto. Eu acho que essas gritarias que ele promove, esses “bastas”, “chegou ao limite”, esses ataques frequentes, o que vai ocorrer hoje (poss�veis manifesta��es), isso a� � prova de que ele n�o est� controlando a si mesmo nem controlando a m�quina do Executivo.

O senhor tamb�m previu empos de “muita tens�o entre os Poderes e setores da sociedade” com Bolsonaro na presid�ncia, m raz�o de seu perfil autorit�rio. Mais uma confirma��o?
Infelizmente, com toda tristeza do mundo, sim. Eu preferia que ele fosse um governante conservador, mesmo reacion�rio, mas que n�o entrasse, que n�o enveredasse por esse caminho. O problema n�o � o Bolsonaro; o problema n�o � o ministro Alexandre (de Moraes, do STF). Isso � um ponto em que eu divirjo muito dos meus colegas e dos seus colegas jornalistas. Quando eles terminam uma exposi��o de doutorado, eles dizem “as institui��es est�o funcionando normalmente”. As institui��es brasileiras nunca funcionaram normalmente. O imperador, para come�ar, j� deu um golpe, j� fechou a C�mara. Essa tradi��o � muito antiga no Brasil, voc� n�o ter institui��es que se tornem s�lidas, maduras. Ao contr�rio do que acontece nos Estados Unidos da Am�rica, com todo o pandem�nio criado pelo efeito Trump, voc� ainda tem as institui��es funcionando permanentemente e de modo correto. Assim tamb�m ocorre na Fran�a, na Alemanha, que passou pelo nazismo. No Brasil, isso nunca houve. Cada vez que um governante tenta a aventura de se transformar na grande fonte da lei, da for�a e de toda a ordem econ�mica, etc., ele fragiliza ainda mais as institui��es. Ent�o eu acho que, infelizmente, n�s caminhamos para uma fragilidade enorme, e n�o � quest�o de usar um cabo e um jipe, n�o; � um desgaste interno. Voc� v� uma esp�cie de implos�o do Estado brasileiro. E nessa implos�o n�o se v� muitas sa�das.

Um dos componentes da crise � a insist�ncia do presidente de, ob o argumento de preservar a economia, acabar com o solamento social adotado pelos estados para frear a pandemia. E muitos seguidores do presidente t�m sa�do �s ruas, se expondo ao coronav�rus, enquanto as ortes por covid-19 crescem xponencialmente no pa�s. 
O que pensa disso?

Os promotores p�blicos j� est�o advertindo o governo paulista de que � preciso tomar provid�ncias contra os saques, contra as rebeli�es. N�o � palavra de Cassandra. Os dirigentes militares deveriam estar atent�ssimos a isso. O presidente incentiva os seus seguidores a assumirem uma atitude altamente perigosa contra a imprensa, contra as outras institui��es; ele � uma esp�cie de team leader, ele puxa o coro, ele comanda e puxa o coro. Olha, se n�o tiv�ssemos essa pandemia, n�s estar�amos em um pandem�nio. Imagine todos aqueles que s�o ofendidos, furiosos com os adeptos dele andando pelas ruas. Alguns generais aposentados que o apoiam falam que � poss�vel at� uma guerra civil. Eu n�o acho que isso seja poss�vel t�o imediatamente, mas se continua esse tipo de coisa, � perfeitamente poss�vel. O Brasil n�o � jejuno em guerra civil. Na hist�ria do Brasil, de 1500 at� hoje, voc� v� que, por exemplo, o s�culo XIX foi f�rtil em rebeli�es, em insurrei��es, justamente aplacadas pelo ex�rcito nacional.

Em 1999, o deputado air Bolsonaro disse que, para o Brasil ter jeito, precisaria haver uma guerra civil que matasse 0 mil pessoas. Na reuni�o inisterial de 22 de abril, le afirmou que est� armando a popula��o. Seria uma deia fixa do presidente? 
Primeiro, esse tipo de coment�rio sobre o fato de o Brasil n�o ter tido uma guerra e que, portanto, precisaria ter uma revolu��o na qual morresse muita gente para regenerar, isso � uma conversa da extrema-direita que vem do s�culo 19. Nos anos 1960, essa ideia era bastante veiculada na sociedade e nos �rg�os repressivos do Estado ditatorial. Ent�o, se voc� fizer um levantamento, ver� que isso j� � definido como ideologia sub rept�cia. E � falso, porque o sangue aqui no Brasil j� jorrou para tudo que � lado. A hist�ria brasileira n�o � de um povoamento pac�fico; pelo contr�rio, os bandeirantes eram extremamente armados ,violentos. Ao longo do per�odo colonial, houve levantamentos, guerras contra os holandeses, contra os franceses; houve guerra com os �ndios. Houve, no s�culo XIX, como eu dizia, v�rias e v�rias insurrei��es, que buscaram a separa��o do Estado e outros objetivos.


A democracia brasileira est� em risco?
Esse � um ponto que eu gosto sempre de sublinhar. Veja, a democracia � um regime que, desde o seu nascimento, na Gr�cia, est� sempre em risco. Porque n�o existe nenhum regime pol�tico est�vel. Isso � um plano, um paradigma, uma procura. Como a sociedade humana � uma sociedade inquieta, cheia de interesses contradit�rios, violenta, muitas vezes, cheia de preconceitos, desde a Gr�cia voc� tinha uma instabilidade tremenda. Vem da� a preocupa��o dos fil�sofos, dos puristas gregos de fazer propostas de constitui��es para a Gr�cia que, digamos, remediassem os problemas da democracia. E s�o muitos os problemas da democracia grega. Ent�o, a democracia sempre estar� em xeque, em perigo. A diferen�a � que quando voc� percebe que ela est� em perigo, voc� faz uma esp�cie de radiografia para ver em que pontos ela est� piorando, em que ponto ela est� sendo doentia e n�o saud�vel.

O presidente Bolsonaro sair� maior ou menor da pandemia?
Ele vai sair menor. Nem ele nem seus assessores est�o contando com isso, mas acontece que, por menor que seja, o papel do Brasil na cena internacional, hoje o pa�s � visto com olhos muito cr�ticos por todos os Estados do mundo. Voc� vai ter problemas de ordem de autoridade interna e externa. Ilude-se a pessoa que imagina que, chegando ao �pice do Estado nacional, n�o ter� de enfrentar outros Estados e o ju�zo de outros Estados. E a performance de Bolsonaro tem sido tremendamente pobre. Nos primeiros momentos dessa pandemia, ele se limitou a imitar Donald Trump, e de uma forma caricatural. E Donald Trump n�o � propriamente um exemplo de grande estadista, de grande amigo da ci�ncia. Ele pr�prio est� tendo problemas para se explicar sobre o avan�o da pandemia nos Estados Unidos. N�s n�o sabemos, a� eu rezo para Deus para que o coronav�rus n�o seja t�o mortal, mas n�s n�o sabemos quantos mil morrer�o no Brasil. E, certamente, as frases do presidente, como “isso � uma gripezinha” , ser�o cobradas nacional e internacionalmente. Eu vejo, tamb�m, que naquela base de 25% que o apoiam tem tido muita desidrata��o.

Bolsonaro tem contra si mais de 30 pedidos de impeachment rotocolados na C�mara. Ele ompletar� o mandato?
Eu diria para voc� que n�o sei o que vai acontecer com todas as institui��es brasileiras daqui a 30 dias. Olha, eu tenho 74 anos, passei pela ditadura, passei pelos regimes supostamente civis, enfim, vi muita coisa e conhe�o muita coisa da hist�ria do Brasil. Eu digo a voc� que nunca vi maior fragilidade geral do Estado brasileiro como estou vendo neste momento. Se ele termina o mandato ou n�o; se o STF consegue impor a sua autoridade ou n�o; se a C�mara dos Deputados e o Senado conseguem encontrar um modus operandi que tenha, pelo menos, a apar�ncia de democracia ou n�o; se o Ex�rcito vai atender ao apelo da legalidade e da Constitui��o ou n�o; tudo isso para mim � uma inc�gnita. Respostas muito r�pidas que podem ser dadas, a meu ver, demandam muita reflex�o. Volto �quela quest�o de que as institui��es estariam funcionando normalmente. Elas n�o est�o. Neste momento, est�o com a sua fragilidade agravada, inclusive o Executivo.


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