A utiliza��o de uma bandeira com um bras�o ucraniano em uma manifesta��o no �ltimo domingo (31/5), na Avenida Paulista, em S�o Paulo, foi amplamente falada nas redes sociais. Pelas imagens, o s�mbolo estava sendo usado por pessoas de um grupo que protestava a favor do presidente Jair Bolsonaro.
O secret�rio-executivo da Pol�cia Militar do estado, coronel �lvaro Batista Camilo, disse em entrevista � CNN Brasil no domingo que, com base nas informa��es que tinha no momento, a presen�a de um grupo neonazistas foi o estopim do embate que se instalou entre manifestantes pr� e contra o presidente. Mas que bandeira � essa? Uma nota divulgada na �ltima semana no site da embaixada da Ucr�nia no Brasil recha�a que aquele seja um s�mbolo neonazista.
“A bandeira rubro-negra simboliza a nossa terra e o sangue de nossos her�is derramado por Liberdade, Independ�ncia e Soberania da Ucr�nia. Essa bandeira foi usada desde o s�culo XVI (16) pelos cossacos ucranianos nas lutas contra invasores estrangeiros, e por isso durante o s�culo passado e no come�o do s�culo XXI (21) virou o s�mbolo de luta dos ucranianos contra ocupa��o, chovinismo e imperialismo russos”, explicou.
Tr�s especialistas consultados pela reportagem, no entanto, explicaram a rela��o que existe entre a bandeira com o neonazismo. O professor de Hist�ria da Universidade de S�o Paulo (USP), Angelo Segrillo, especialista em hist�ria da R�ssia, explica que o s�mbolo visto na Avenida Paulista � baseado em uma bandeira hist�rica ucraniana tradicional, usada pelos cidad�os daquele pa�s em sua luta por independ�ncia. O bras�o, por exemplo, � o mesmo da guarda nacional ucraniana.
O cerne da quest�o, no entanto, � que ela foi apropriada por dissidentes paramilitares da extrema direita no pa�s, como complementou o professor de Hist�ria da Universidade Federal do Rec�ncavo da Bahia (UFRB), Gabriel �vila. �, por exemplo, o s�mbolo usado pelo grupo pol�tico de extrema direita da Ucr�nia atual, o Pravy Sektor (setor direito), que tem setores paramilitares. Eles come�aram como um movimento de rua, mas depois se tornaram um partido e conseguiram eleger integrantes para o parlamento.
Pegrillo ressalta que o s�mbolo, � princ�pio neutro politicamente, foi incorporado pelo Pravy Sektor, considerado por muitos um grupo neofascista, e usado frequentemente por eles em suas manifesta��es. “Por isso a bandeira foi considerada como s�mbolo da extrema direita, do neofascismo, no ato brasileiro. � um dos frequentes casos de ressignifica��o de s�mbolos hist�ricos”, explicou.
O professor Gabriel �vila pontua que o s�mbolo � tamb�m usado por diversas unidades militares ucranianas. De acordo com ele, em 2014 houve a ocupa��o russa naquele pa�s, que gerou uma guerra civil que permanece nos dias atuais. A resist�ncia se deu por grupos de extrema direita, e n�o apenas pelo ex�rcito ucraniano. Assim, esses grupos paramilitares foram crescendo e o s�mbolo, segundo ele, come�ou a ser largamente usado em outros pa�ses por grupos que pregam a supremacia racial branca.
“� claro que na Ucr�nia, o fato de algu�m estar com essa bandeira n�o significa que seja neonazista automaticamente. Mas fora de l�, n�o vejo outra met�fora. Em grupos e f�runs de extrema direita, est� cheio de refer�ncia sobre Ucr�nia, ‘ucranizar’, e eles usam essa bandeira, esse s�mbolo, como refer�ncia � afinidade com o nazismo”, disse. �vila afirma que na Ucr�nia, muitos combatentes n�o s�o ucranianos - estima-se, segundo ele, que 30% n�o s�o daquele pa�s. Algumas reportagens publicadas no Brasil j� mostraram brasileiros que lutam a guerra civil ucraniana.
O professor explica que como se trata de um crime fazer refer�ncia expressa ao nazismo, os grupos que o apoiam usam outros mecanismos, algo que apenas os simpatizantes ir�o compreender o real significado (isso � chamado de ‘dog whistle’ - em portugu�s, ‘apito de cachorro’).
Ele cita que nas d�cadas de 80 e 90, em alguns pa�ses, inclusive no Brasil, havia picha��es com o n�mero 88, em refer�ncia a Adolf Hitler - isso porque ‘H’ � a oitava letra do alfabeto. Assim, formava-se ‘Heil Hitler’ (sauda��o nazista). “Tem que ser uma coisa amb�gua, dif�cil de reconhecer, n�o pode ser escancarada”, disse.
O professor Angelo Segrillo explica ainda que a bandeira foi usada durante a Segunda Guerra Mundial por grupos ucranianos nacionalistas de direita que lutaram ao lado de Hitler, tentando utilizar os alem�es para fugir do controle sovi�tico. De acordo com ele, a bandeira foi ressignificada e usada (pontualmente e ocasionalmente) por grupos neonazistas ao redor do mundo.
A doutora em antropologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Adriana Dias, que pesquisa sobre nazismo e neonazismo h� 19 anos, afirma que a bandeira passou a representar um movimento que tenta resgatar como her�is os ucranianos que lutaram ao lado da Alemanha na Segunda Guerra Mundial. “Eles exaltam que naquela �poca o nacionalismo ucraniano estava crescendo. Esse partido (Pravy Sektor) tenta transformar em her�is de guerra aqueles que lutaram ao lado de Hitler”, disse.
Adriana esclarece que na �poca de Josef Stalin, houve um grande genoc�dio ucraniano chamado de Holodomor, no qual o cen�rio era t�o cr�tico que pessoas morriam de fome no meio da rua. Hitler surgiu pouco depois deste per�odo, com um discurso ultranacionalista de defesa da Alemanha. “Parte da Ucr�nia se viu olhando para Hitler com muita admira��o, porque eles tinham acabado de passar por uma grande perda, um genoc�dio, estavam em uma crise imensa”, disse.
Segundo a pesquisadora, a situa��o reacendeu com o acidente de Chernobyl, em 1986, o que Adriana afirma ter feito “uma grande chaga no cora��o da Ucr�nia”. Depois disso, o pa�s passou a buscar com mais for�a sua emancipa��o da Uni�o Sovi�tica, que se dissolveu em 1991, ano de independ�ncia da Ucr�nia. “Ela come�ou a se ‘descomunizar’, e o acidente de Chrenobyl foi um dos principais fatores”, disse.
Em seguida, passa a surgir um movimento de ultranacionalismo no pa�s, que hoje � extremamente forte na Ucr�nia. “� claro que a embaixada vai negar o que a bandeira significa, assim como o Bolsonaro nega fatos ocorridos na ditadura militar e a A��o Integralista Brasileira nega ser racista. Falam que n�o s�o porque se falar que � racista vai preso”, disse.
Embaixada diz liga��o com o nazismo � feita pelos russos
Em nota publicada no site, a embaixada da Ucr�nia no Brasil disse ainda que em 2015 foi aprovada a Lei “sobre a condena��o dos regimes totalit�rios comunista e nacional-socialista (nazista) na Ucr�nia e proibi��o de propaganda de seus s�mbolos”.
“Por isso tamb�m o uso da bandeira vermelha e negra e do bras�o da Ucr�nia tanto no nosso pa�s, como no Brasil n�o tem nada a ver com o movimento neonazista. Tal interpreta��o � manipula��o predileta da propaganda russa (sovi�tica) que continua a semear inverdades, �dio, xenofobia e antissemitismo para enfraquecer a democracia nos nossos pa�ses”, pontuou.
Em entrevista no �ltimo domingo (31/5) � CNN Brasil, o embaixador da Ucr�nia no Brasil, Rostyslav Tronenko, disse que em seu pa�s ningu�m v� um problema no uso dessas bandeiras. “Se alguns partidos, tanto na Ucr�nia como em outros lugares do mundo, usam essa bandeira, � j� outro contexto”, disse.
De acordo com ele, muitos ucranianos lutaram contra o nazismo na Segunda Guerra Mundial embaixo dessa bandeira. "Deliberadamente tirar nossos s�mbolos do contexto, tirar do verdadeiro significado, a gente n�o vai permitir essa deturpa��o do significado verdadeiro dos nossos s�mbolos”, disse.