
Filho de um m�dico, o ortopedista e ex-deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) conta que escutou do pai o conselho que citou em entrevista coletiva no Minist�rio da Sa�de alguns dias antes de ser demitido, em 16 de abril: "M�dico n�o abandona o paciente". Para registrar as suas diretrizes e o trabalho de sua equipe no in�cio do combate � pandemia do COVID-19 no pa�s, em sintonia com as recomenda��es da Organiza��o Mundial de Sa�de (OMS) e em desacordo com a vis�o do presidente Jair Bolsonaro, ele lan�a nesta sexta-feira, 25, o livro Um paciente chamado Brasil – os bastidores da luta contra o coronav�rus (Objetiva), que chega �s livrarias e est� dispon�vel tamb�m em e-book.
No livro, o ex-ministro afirma que Bolsonaro optou pelo “caminho da nega��o”, ao minimizar o impacto do coronav�rus no sistema de sa�de do pa�s. Conta que, por isso, causava mal-estar a sua insist�ncia em apresentar os cen�rios mais sombrios ao presidente, al�m da defesa de medidas restritivas de circula��o, como fizeram governadores e prefeitos. "Era como se eu representasse o carteiro que o presidente queria matar porque levava not�cia ruim", compara.
Al�m de cr�ticas � OMS por buscar “solu��es pol�ticas” no in�cio da pandemia e de reconstituir as diverg�ncias que culminaram com a sua demiss�o, Mandetta revela press�es do Planalto para demiss�es de t�cnicos no Minist�rio da Sa�de, e narra os embates que teve com o ministro da Economia, Paulo Guedes, “afeito aos n�meros, mas que n�o conhece povo”. O mais �spero deles, durante reuni�o para defini��o de reajuste do pre�o dos rem�dios, foi encerrado pelo vice-presidente da Rep�blica. “Mour�o deu um tapa na mesa e gritou: ‘Vamos parar com isso!’. Bolsonaro assistia a tudo calado, de olhos arregalados”, conta no livro o ex-ministro.
No livro, o ex-ministro afirma que Bolsonaro optou pelo “caminho da nega��o”, ao minimizar o impacto do coronav�rus no sistema de sa�de do pa�s. Conta que, por isso, causava mal-estar a sua insist�ncia em apresentar os cen�rios mais sombrios ao presidente, al�m da defesa de medidas restritivas de circula��o, como fizeram governadores e prefeitos. "Era como se eu representasse o carteiro que o presidente queria matar porque levava not�cia ruim", compara.
Al�m de cr�ticas � OMS por buscar “solu��es pol�ticas” no in�cio da pandemia e de reconstituir as diverg�ncias que culminaram com a sua demiss�o, Mandetta revela press�es do Planalto para demiss�es de t�cnicos no Minist�rio da Sa�de, e narra os embates que teve com o ministro da Economia, Paulo Guedes, “afeito aos n�meros, mas que n�o conhece povo”. O mais �spero deles, durante reuni�o para defini��o de reajuste do pre�o dos rem�dios, foi encerrado pelo vice-presidente da Rep�blica. “Mour�o deu um tapa na mesa e gritou: ‘Vamos parar com isso!’. Bolsonaro assistia a tudo calado, de olhos arregalados”, conta no livro o ex-ministro.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista de Luiz Henrique Mandetta ao Estado de Minas e ao Portal Uai.
O livro descreve o encontro de duas crises: uma sanit�ria, outra pol�tica. Como a necessidade de gest�o da crise pol�tica prejudicou a gest�o da crise sanit�ria?S�o as ordens dos fatores que alteram o produto, no caso da pol�tica e da sa�de. Elas n�o s�o ci�ncias exatas. S�o ci�ncias que mudam ao sabor da opini�o p�blica, ao sabor dos fatos e das ocorr�ncias. O que t�nhamos era a percep��o de uma enorme crise sanit�ria, um n�mero muito grande poss�vel de v�timas, as informa��es t�cnicas que t�nhamos; e t�nhamos claramente uma posi��o pol�tica de dif�cil contorno por parte do presidente. Ent�o o que a gente fez foi construir com o Congresso Nacional, STF, TCU, Minist�rio P�blico Federal e, principalmente, com a sociedade, um espa�o para a pol�tica de sa�de para que as pessoas pudessem construir as suas barreiras de defesa em suas casas com as informa��es que n�s d�vamos.
Poderia dar um exemplo?
O governo federal queria uma fala ufanista, “vamos todos enfrentar, vamos vencer, brasileiros unidos”. E n�o era essa a mensagem. A mensagem era de preocupa��o com o cont�gio. E, se fosse logo de cara para aquela dire��o que o presidente queria, ter�amos tido centenas de epis�dios iguais aos de Manaus, onde houve crise at� no sistema funer�rio. O tempo que n�s ganhamos por meio da pol�tica, j� sabendo que a perman�ncia (no Minist�rio da Sa�de) seria dif�cil, foi extremamente importante para que a crise sanit�ria pudesse ter um m�nimo de governan�a, de pertencimento da sociedade para que pudesse amenizar um pouco – ainda que distante do que quer�amos – o impacto da crise pol�tica.
Qual foi o primeiro momento que o senhor percebeu que o presidente encararia os efeitos do v�rus de uma forma diferente que a abordagem cient�fica, inclusive negando a gravidade da pandemia?
O momento em que isso ficou muito claro foi aquele em que o presidente faz a viagem para os Estados Unidos. Explico para eles que, na Fl�rida, os casos estavam acelerados, alerto para terem cuidado e mecanismos de bioprote��o, de biosseguran�a. Mas ele vai, se encontra com o presidente Trump. Eles fazem jantar em Mar-a-Lago, confraternizam, o avi�o presidencial volta de l� e naquela comitiva, logo na sequ�ncia, aparecem uma s�rie de casos, inclusive o secret�rio de comunica��o, F�bio Wanjgarten � o primeiro que cai doente.
E o presidente volta de l�, ele e Trump com vis�o muito similar da doen�a. Trump coloca o Mike Pence (vice-presidente) e tira do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o �rg�o americano equivalente para doen�as infecciosas. Passa sensa��o de que ele tem uma solu��o, uma bala de prata, e introduz a cloroquina. O presidente volta com a cloroquina, tratando o assunto como uma coisa menor, e come�a a se cercar de pessoas que falavam o que ele queria ouvir e adota sistematicamente a posi��o de confrontar todas as orienta��es da sa�de.
O senhor teve medo de se contaminar em algum momento, nos encontros presenciais de ser contaminado por alguns dos assessores ou ministros, inclusive pelo pr�prio presidente?
Poderia dar um exemplo?
O governo federal queria uma fala ufanista, “vamos todos enfrentar, vamos vencer, brasileiros unidos”. E n�o era essa a mensagem. A mensagem era de preocupa��o com o cont�gio. E, se fosse logo de cara para aquela dire��o que o presidente queria, ter�amos tido centenas de epis�dios iguais aos de Manaus, onde houve crise at� no sistema funer�rio. O tempo que n�s ganhamos por meio da pol�tica, j� sabendo que a perman�ncia (no Minist�rio da Sa�de) seria dif�cil, foi extremamente importante para que a crise sanit�ria pudesse ter um m�nimo de governan�a, de pertencimento da sociedade para que pudesse amenizar um pouco – ainda que distante do que quer�amos – o impacto da crise pol�tica.
Qual foi o primeiro momento que o senhor percebeu que o presidente encararia os efeitos do v�rus de uma forma diferente que a abordagem cient�fica, inclusive negando a gravidade da pandemia?
O momento em que isso ficou muito claro foi aquele em que o presidente faz a viagem para os Estados Unidos. Explico para eles que, na Fl�rida, os casos estavam acelerados, alerto para terem cuidado e mecanismos de bioprote��o, de biosseguran�a. Mas ele vai, se encontra com o presidente Trump. Eles fazem jantar em Mar-a-Lago, confraternizam, o avi�o presidencial volta de l� e naquela comitiva, logo na sequ�ncia, aparecem uma s�rie de casos, inclusive o secret�rio de comunica��o, F�bio Wanjgarten � o primeiro que cai doente.
E o presidente volta de l�, ele e Trump com vis�o muito similar da doen�a. Trump coloca o Mike Pence (vice-presidente) e tira do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), o �rg�o americano equivalente para doen�as infecciosas. Passa sensa��o de que ele tem uma solu��o, uma bala de prata, e introduz a cloroquina. O presidente volta com a cloroquina, tratando o assunto como uma coisa menor, e come�a a se cercar de pessoas que falavam o que ele queria ouvir e adota sistematicamente a posi��o de confrontar todas as orienta��es da sa�de.
O senhor teve medo de se contaminar em algum momento, nos encontros presenciais de ser contaminado por alguns dos assessores ou ministros, inclusive pelo pr�prio presidente?
Eu tinha receio porque eles n�o usavam... Eu insisti muito para ter um frasco de �lcool gel na antessala do presidente, que � um homem de muito contato f�sico. Lembro-me da posse da ent�o secret�ria de Cultura, Regina Duarte, onde se fez tudo o que n�o se deveria fazer: aglomera��o, fotos... As pessoas abra�avam, falavam no ouvido. E eu, j� naquela �poca, mantendo a dist�ncia.
O meio pol�tico tinha, n�o sei se um meme, se cumprimentavam batendo um no p� do outro e achavam gra�a com a situa��o. Eu sempre guardei o distanciamento, tomei precau��es, levava o �lcool em gel. Quando come�aram os casos dentro do Pal�cio, organizaram o �lcool em gel. Mas realmente o modo de conviv�ncia que t�nhamos no Minist�rio da Sa�de, t�nhamos um plano, quem assumiria em caso de doen�a. T�nhamos canecas pr�prias, cadeiras pr�prias, obedec�amos a uma l�gica de biosseguran�a. No Planalto, n�o. Demoraram muito tempo at� a introduzir isso. Eu tinha mais receio porque muitos dos pares eram pessoas de mais de 60 anos, t�nhamos receio no STF, grupo de risco expressivo, a todos extern�vamos essa preocupa��o de se blindarem.
O senhor revela no livro que, pouco antes do in�cio da pandemia, recebeu uma ordem do Planalto para trocar quatro secret�rios, incluindo o secret�rio-executivo, Jo�o Gabbardo. Ao questionar o presidente Jair Bolsonaro sobre o motivo da mudan�a, ele teria dito que era preciso colocar “gente nossa” no minist�rio. Quais eram os perfis dos escolhidos? De onde vieram as indica��es e onde eles foram aproveitados?
O meio pol�tico tinha, n�o sei se um meme, se cumprimentavam batendo um no p� do outro e achavam gra�a com a situa��o. Eu sempre guardei o distanciamento, tomei precau��es, levava o �lcool em gel. Quando come�aram os casos dentro do Pal�cio, organizaram o �lcool em gel. Mas realmente o modo de conviv�ncia que t�nhamos no Minist�rio da Sa�de, t�nhamos um plano, quem assumiria em caso de doen�a. T�nhamos canecas pr�prias, cadeiras pr�prias, obedec�amos a uma l�gica de biosseguran�a. No Planalto, n�o. Demoraram muito tempo at� a introduzir isso. Eu tinha mais receio porque muitos dos pares eram pessoas de mais de 60 anos, t�nhamos receio no STF, grupo de risco expressivo, a todos extern�vamos essa preocupa��o de se blindarem.
O senhor revela no livro que, pouco antes do in�cio da pandemia, recebeu uma ordem do Planalto para trocar quatro secret�rios, incluindo o secret�rio-executivo, Jo�o Gabbardo. Ao questionar o presidente Jair Bolsonaro sobre o motivo da mudan�a, ele teria dito que era preciso colocar “gente nossa” no minist�rio. Quais eram os perfis dos escolhidos? De onde vieram as indica��es e onde eles foram aproveitados?
Os quatro nomes vinham do Rio de Janeiro, eu nunca soube quem fez as indica��es. O �nico cargo no Minist�rio que veio antes do Rio tinha sido sugest�o do Fl�vio Bolsonaro. Esse assunto da troca de pessoal eu consegui desviar, dizendo: ‘vamos resolver primeiro a crise sanit�ria’. Foi assustador porque foram em cima, por exemplo, da Pol�tica de Inform�tica, que era o DataSus, da Secretaria Nacional de Aten��o Prim�ria e de Aten��o Especializada, al�m da secretaria Executiva.
Se voc� soma os or�amentos da Aten��o Especializada e da Aten��o B�sica, praticamente tem a totalidade do or�amento do Minist�rio da Sa�de. Ent�o, seja l� quem foi que sugeriu os quatro nomes e que plantou para o presidente que esses quatro nomes teriam de vir no lugar dos outros, deve t�-lo feito sabendo muito bem o que queria. Estavam mirando exatamente o or�amento do Minist�rio da Sa�de. Como n�o prosperou, eu n�o procurei saber a origem.
Fica evidente na leitura do livro que o mineiro Wanderson de Oliveira, o secret�rio respons�vel pela Vigil�ncia da Sa�de, era um dos mais pressionados. E, em pelo menos um dos momentos do combate � pandemia, o senhor cede a uma press�o pol�tica do Planalto em detrimento de uma decis�o t�cnica. O senhor se arrepende dessa atitude?
"Era como se eu representasse o carteiro que o presidente queria matar porque levava not�cia ruim"
Luiz Henrique Mandetta
Se voc� soma os or�amentos da Aten��o Especializada e da Aten��o B�sica, praticamente tem a totalidade do or�amento do Minist�rio da Sa�de. Ent�o, seja l� quem foi que sugeriu os quatro nomes e que plantou para o presidente que esses quatro nomes teriam de vir no lugar dos outros, deve t�-lo feito sabendo muito bem o que queria. Estavam mirando exatamente o or�amento do Minist�rio da Sa�de. Como n�o prosperou, eu n�o procurei saber a origem.
Fica evidente na leitura do livro que o mineiro Wanderson de Oliveira, o secret�rio respons�vel pela Vigil�ncia da Sa�de, era um dos mais pressionados. E, em pelo menos um dos momentos do combate � pandemia, o senhor cede a uma press�o pol�tica do Planalto em detrimento de uma decis�o t�cnica. O senhor se arrepende dessa atitude?
Conversei muito com o Wanderson, porque al�m de ser um t�cnico maravilhoso, se tornou mais do que colaborador, fomos para o campo da amizade pessoal. Quando ele toma essa medida, disse a ele: “Vamos dar um passo atr�s para poder dar dois para a frente”. Era uma crise sobre determinado navio que havia ancorado na costa do Recife, com pacientes contaminados. Ele aproveitou a mesma portaria do navio, para estender a todos os outros navios. E a pondera��o que havia do outro lado, era de que havia muitos navios na costa brasileira, com brasileiros a bordo e que ter�amos que atrac�-los para descer os brasileiros ou teriam de ficar procurando um porto no mundo para desembarcar.
Mas o fato � que o presidente da Anvisa � o almirante e a Vigil�ncia Sanit�ria do Minist�rio sempre entra em choque com a Anvisa. O Wanderson creditava aquilo a um movimento da Anvisa contra a Vigil�ncia Sanit�ria. Depois que a gente distensionou isso, logo na outra semana fizemos na rotina e conseguimos fazer a parte t�cnica. Depois ele entendeu: essas medidas que tinham alto impacto t�nhamos de pactuar em nosso n�cleo duro para n�o acontecer de sermos pegos. Como ele fez a nota �s duas da manh�, e sozinho, na outra semana fizemos em colegiado e ficou tudo bem. Mas ele ficou aborrecido no outro dia. E demos a ordem para os navios encostarem, descerem, organizamos quando tinha estrangeiro para que as embaixadas retirassem, colocassem num avi�o e fossem embora e fomos o �ltimo pa�s para fechar para a chegada de navios em nossos portos.
O senhor tem sido muito criticado nas redes sociais por ter recomendado, no in�cio da pandemia, que os que apresentassem os primeiros sintomas ficassem em casa e somente procurassem os hospitais em caso de falta de ar. O senhor se arrepende dessa orienta��o?
Mas o fato � que o presidente da Anvisa � o almirante e a Vigil�ncia Sanit�ria do Minist�rio sempre entra em choque com a Anvisa. O Wanderson creditava aquilo a um movimento da Anvisa contra a Vigil�ncia Sanit�ria. Depois que a gente distensionou isso, logo na outra semana fizemos na rotina e conseguimos fazer a parte t�cnica. Depois ele entendeu: essas medidas que tinham alto impacto t�nhamos de pactuar em nosso n�cleo duro para n�o acontecer de sermos pegos. Como ele fez a nota �s duas da manh�, e sozinho, na outra semana fizemos em colegiado e ficou tudo bem. Mas ele ficou aborrecido no outro dia. E demos a ordem para os navios encostarem, descerem, organizamos quando tinha estrangeiro para que as embaixadas retirassem, colocassem num avi�o e fossem embora e fomos o �ltimo pa�s para fechar para a chegada de navios em nossos portos.
O senhor tem sido muito criticado nas redes sociais por ter recomendado, no in�cio da pandemia, que os que apresentassem os primeiros sintomas ficassem em casa e somente procurassem os hospitais em caso de falta de ar. O senhor se arrepende dessa orienta��o?
No in�cio era muito claro o que fizemos: n�o t�nhamos equipamento de prote��o individual para lan�ar m�o de nosso ex�rcito de agentes comunit�rios de sa�de na aten��o prim�ria, que seria a grande porta de entrada das doen�as no nosso sistema de sa�de. Criamos a telemedicina – 136 – como grande tronco de entrada. E no caso do principal sintoma – qualquer tipo de tosse ou dificuldade para respirar – que se procurasse a unidade hospitalar. O que houve, a posteriori, foi que introduziram um protocolo de cloroquina. Defendem a tese de um tratamento de orientar as pessoas para ir � unidade de sa�de e pegar a receita da cloroquina depois dos primeiros sintomas. Acontece que a cloroquina continua sem efic�cia demonstrada cientificamente.
A doen�a continua evoluindo bem em 80% das pessoas que contraem o v�rus. Desses 20% t�m algum tipo de manifesta��o mais grave – 15% evoluem bem com algum tipo de suporte respirat�rio (ou seja quase 90% da popula��o total) e 5% precisam de UTI, que s�o os mais graves, com ou sem cloroquina. A hist�ria natural da doen�a � uma hist�ria t�pica das viroses. A cloroquina vai ficar nesse debate at� o dia em que a ci�ncia elucidar completamente.
Em live nas redes sociais no in�cio do m�s, o presidente Bolsonaro insinuou que o senhor incentivou a compra de respiradores superfaturados. O senhor tem a consci�ncia tranquila sobre todos os atos que assinou � frente do Minist�rio?
Com certeza, tranquila. Padre Ant�nio Vieira j� dizia: “Se tudo o que fizeres pela p�tria ela ainda lhe for ingrata, n�o tereis feito mais do que a sua obriga��o e ela o que de costume”. A m�o que afaga � a mesma que apedreja. Ele deve estar com algum tipo de preocupa��o, pois n�o tem uma semana que ele n�o me cite sobre alguma coisa e eu permane�o como cidad�o. Estou torcendo para que ele v� bem como presidente e para que o pa�s v� bem.
A doen�a continua evoluindo bem em 80% das pessoas que contraem o v�rus. Desses 20% t�m algum tipo de manifesta��o mais grave – 15% evoluem bem com algum tipo de suporte respirat�rio (ou seja quase 90% da popula��o total) e 5% precisam de UTI, que s�o os mais graves, com ou sem cloroquina. A hist�ria natural da doen�a � uma hist�ria t�pica das viroses. A cloroquina vai ficar nesse debate at� o dia em que a ci�ncia elucidar completamente.
Em live nas redes sociais no in�cio do m�s, o presidente Bolsonaro insinuou que o senhor incentivou a compra de respiradores superfaturados. O senhor tem a consci�ncia tranquila sobre todos os atos que assinou � frente do Minist�rio?
Com certeza, tranquila. Padre Ant�nio Vieira j� dizia: “Se tudo o que fizeres pela p�tria ela ainda lhe for ingrata, n�o tereis feito mais do que a sua obriga��o e ela o que de costume”. A m�o que afaga � a mesma que apedreja. Ele deve estar com algum tipo de preocupa��o, pois n�o tem uma semana que ele n�o me cite sobre alguma coisa e eu permane�o como cidad�o. Estou torcendo para que ele v� bem como presidente e para que o pa�s v� bem.
O relato em seu livro sobre a tens�o entre o senhor e Bolsonaro durante a pandemia passa a impress�o de que o presidente n�o demonstrava empatia pelos “mais fracos”, aqueles que seriam mais afetados ou teriam maior probabilidade de morrer com a doen�a. Este comportamento do presidente o surpreendeu?
Eu acho que, quando a gente mostra a gravidade dos casos, principalmente com o n�mero de v�timas que poderiam ocorrer em todo o territ�rio nacional – n�o seria uma coisa localizada – e o que prevaleceu foi a l�gica pol�tica, de embates com governadores e prefeitos, do que a l�gica humanista, a l�gica humana. A gente se surpreende, sim. J� vi parlamentares dentro do Legislativo terem comportamentos agressivos, mas chega um momento em que voc� tem de analisar as consequ�ncias de seus atos. Ele (o presidente) analisou e optou por este caminho. Voc� se depara com algo concreto, real. Quando um fato se apresenta e voc� testemunha, realmente voc� fica abismado com a rea��o.
O senhor, ent�o, ficou chocado?
Entendo que o adjetivo mais apropriado n�o � choque, pois choque transmite uma sensa��o de n�o ter rea��o. Eu fiquei impressionado e procurei enfrentar em nome desse paciente chamado Brasil. Passe a considerar que ele era parte da doen�a, que ele era parte do quadro de v�rus que chegou dentro do Brasil.
O senhor revela no livro que trabalhava com diferentes estimativas a respeito do n�mero de �bitos, formuladas por integrantes de sua equipe. Uma delas, do epidemiologista Julio Croda, que depois deixou a sua equipe, era a mais pessimista e calculava 180 mil mortes se nada fosse feito. A do secret�rio Wanderson de Oliveira dizia que, se o Brasil adotasse todas as medidas necess�rias, teria entre 60 e 80 mil mortes. Qual era o n�mero que o senhor trabalhava?
Tivemos naquela �poca pa�ses que n�o fizeram nada e tiveram trag�dias; t�nhamos pa�ses que tinham feito como a Nova Zel�ndia, um enfrentamento absoluto e praticamente fechado o pa�s. Sabendo das dificuldades do Brasil, eu ficava no intermedi�rio, entre o Wanderson e o Croda. Achava que, se n�s fiz�ssemos o enfrentamento duro no in�cio e a popula��o se apropriasse das medidas de preven��o, ficar�amos mais pr�ximos dos n�meros do Wanderson. E achava que, se o Brasil deixasse o barco correr como queria o presidente, ultrapassar�amos muito mais os n�meros do Croda.
Eu era da turma dos 150 (mil mortos), se n�s f�ssemos no caminho mais frouxo. Mas se fiz�ssemos a marca��o caso a caso, tiv�ssemos capacidade de testagem, tiv�ssemos capacidade de atendimento, ser�amos mais pr�ximos ao Croda. Era o nosso desafio. Nunca falei esses n�meros em p�blico em respeito. O presidente meio que entregou o jogo no primeiro tempo que tem gol na sa�da. Ele olhou os n�meros e falou: “N�o, n�o, n�o, n�o quero isso n�o. Eu quero a economia. Vamos dar essa cloroquina, que esse povo v� trabalhar, que a gente ultrapasse isso logo”.
Ent�o o senhor chegou a apresentar esses n�meros para o presidente?
Sim. Entreguei o documento tamb�m por escrito.
Qual a estimativa que o senhor faz para o fim do ano?
Estamos chegando a 140 mil. Se surgir a vacina, n�o sabemos quando teremos a linha de corte. Mas acho que vai chegar mais pr�ximo ao cen�rio do J�lio Croda em ensaio matem�tico.
Ent�o mais de 60 mil brasileiros poderiam ainda estar vivos se o enfrentamento tivesse sido feito adequadamente?
Eu n�o posso fazer um exerc�cio de como seria se n�s l� tiv�ssemos continuado. Se n�o pode curar, temos de controlar a doen�a. E era para isso que �amos, a partir do momento que tiv�ssemos as armas, partir para um controle intenso. E se voc� n�o pode curar nem controlar, que pelo menos voc� conforte, que esteja do lado da fam�lia, que esteja junto do paciente.
O Minist�rio da Sa�de buscava uma cura, apostava no controle e era solid�rio: estava ao lado das pessoas. Passamos a uma outra situa��o: nem h� cura – ou pseudocuras com medicamentos sem efici�ncia cient�fica – a proposta � de n�o controlar e de n�o confortar, porque nunca houve solidariedade por parte do governo com as centenas de milhares de fam�lias que perderam os seus entes. Com certeza, ter�amos feito diferente. Entrar�amos muito fortes na aten��o prim�ria e cada vez mais forte na regulamenta��o. Se ter�amos um resultado melhor, s� o tempo diria. Acho que sim.
Por que o presidente Bolsonaro faz quest�o de divulgar a cloroquina, embora pesquisas cient�ficas tenham alertado para os efeitos colaterais e contraindica��es do medicamento, que podem colocar em perigo a vida de muitas pessoas com problemas card�acos?
Se voc� ler A Peste, de (Albert) Camus, ou a hist�ria das epidemias, voc� vai ver que sempre h� quem alega ter o rem�dio. Faz parte da natureza humana. O ser humano quer acreditar que tem uma solu��o. Como voc� tem uma virose que 80% das pessoas ou t�m formas leves – e nem sabem que tiveram a doen�a – descobrem no exame. Minha filha tem 27 anos e teve essa doen�a h� duas semanas. Tomou novalgina, sarou. Ent�o, se tem uma doen�a que cura por si mesma, – a cada dez, oito v�o se curar – � muito tentador para esse pessoal achar que tem uma solu��o. Agora quando se faz o estudo do duplo cego – em que voc� d� para 100 pacientes o rem�dio e, para outros cem, voc� d� farinha, com a mesma embalagem, para ver o efeito placebo – e o resultado � igual, � uma das coisas mais f�ceis de esclarecer se funciona ou n�o. Como foi feito e n�o demonstrou nenhuma efic�cia.
O senhor tomaria a cloroquina?
Eu tomaria o que meu m�dico me prescrevesse. Se fosse cloroquina, eu ia querer saber onde ele aprendeu, o que leu e por que estava me apresentando. A �nica coisa que sei hoje sobre a cloroquina refere-se aos tr�s pilares: a defesa da vida, a defesa do SUS e a defesa da ci�ncia. Na ci�ncia, ela cai. Dar um medicamento que j� � arritmog�nico sem ter o benef�cio claro, explicitado, do ponto de vista da sa�de, � um erro muito prim�rio. Tanto que o ministro que me sucede (Nelson Teich) se depara com os mesmos artigos e diz: “Eu n�o posso assinar”. Ent�o passa-se para essa solu��o militar (o general Eduardo Pazuello), que n�o questiona nada de sa�de, fala: “Cumpro a regra, me d� aqui que eu assino.” Para n�s da sa�de o que vale � o risco- benef�cio. Hoje, eu n�o tomo. Porque n�o tem benef�cio perto do risco que ela causa.
No final do m�s de agosto, depois do registro de mais de 100 mil mortos no pa�s, alguns m�dicos participaram do evento “O Brasil vencendo a COVID-19” no Pal�cio do Planalto, com a presen�a do presidente e de ministros. Eles agradeceram ao presidente pelo envio da cloroquina para os seus pacientes. Como o senhor avalia a classe m�dica que abra�a e defende a cloroquina dessa forma?
"O achismo � o caminho mais perto do erro. O primeiro princ�pio de Hip�crates � que voc� n�o pode ser mais nocivo do que a condi��o que trouxe o doente at� voc�"
Eu era da turma dos 150 (mil mortos), se n�s f�ssemos no caminho mais frouxo. Mas se fiz�ssemos a marca��o caso a caso, tiv�ssemos capacidade de testagem, tiv�ssemos capacidade de atendimento, ser�amos mais pr�ximos ao Croda. Era o nosso desafio. Nunca falei esses n�meros em p�blico em respeito. O presidente meio que entregou o jogo no primeiro tempo que tem gol na sa�da. Ele olhou os n�meros e falou: “N�o, n�o, n�o, n�o quero isso n�o. Eu quero a economia. Vamos dar essa cloroquina, que esse povo v� trabalhar, que a gente ultrapasse isso logo”.
Ent�o o senhor chegou a apresentar esses n�meros para o presidente?
Sim. Entreguei o documento tamb�m por escrito.
Qual a estimativa que o senhor faz para o fim do ano?
Estamos chegando a 140 mil. Se surgir a vacina, n�o sabemos quando teremos a linha de corte. Mas acho que vai chegar mais pr�ximo ao cen�rio do J�lio Croda em ensaio matem�tico.
Ent�o mais de 60 mil brasileiros poderiam ainda estar vivos se o enfrentamento tivesse sido feito adequadamente?
Eu n�o posso fazer um exerc�cio de como seria se n�s l� tiv�ssemos continuado. Se n�o pode curar, temos de controlar a doen�a. E era para isso que �amos, a partir do momento que tiv�ssemos as armas, partir para um controle intenso. E se voc� n�o pode curar nem controlar, que pelo menos voc� conforte, que esteja do lado da fam�lia, que esteja junto do paciente.
O Minist�rio da Sa�de buscava uma cura, apostava no controle e era solid�rio: estava ao lado das pessoas. Passamos a uma outra situa��o: nem h� cura – ou pseudocuras com medicamentos sem efici�ncia cient�fica – a proposta � de n�o controlar e de n�o confortar, porque nunca houve solidariedade por parte do governo com as centenas de milhares de fam�lias que perderam os seus entes. Com certeza, ter�amos feito diferente. Entrar�amos muito fortes na aten��o prim�ria e cada vez mais forte na regulamenta��o. Se ter�amos um resultado melhor, s� o tempo diria. Acho que sim.
Por que o presidente Bolsonaro faz quest�o de divulgar a cloroquina, embora pesquisas cient�ficas tenham alertado para os efeitos colaterais e contraindica��es do medicamento, que podem colocar em perigo a vida de muitas pessoas com problemas card�acos?
Se voc� ler A Peste, de (Albert) Camus, ou a hist�ria das epidemias, voc� vai ver que sempre h� quem alega ter o rem�dio. Faz parte da natureza humana. O ser humano quer acreditar que tem uma solu��o. Como voc� tem uma virose que 80% das pessoas ou t�m formas leves – e nem sabem que tiveram a doen�a – descobrem no exame. Minha filha tem 27 anos e teve essa doen�a h� duas semanas. Tomou novalgina, sarou. Ent�o, se tem uma doen�a que cura por si mesma, – a cada dez, oito v�o se curar – � muito tentador para esse pessoal achar que tem uma solu��o. Agora quando se faz o estudo do duplo cego – em que voc� d� para 100 pacientes o rem�dio e, para outros cem, voc� d� farinha, com a mesma embalagem, para ver o efeito placebo – e o resultado � igual, � uma das coisas mais f�ceis de esclarecer se funciona ou n�o. Como foi feito e n�o demonstrou nenhuma efic�cia.
O senhor tomaria a cloroquina?
Eu tomaria o que meu m�dico me prescrevesse. Se fosse cloroquina, eu ia querer saber onde ele aprendeu, o que leu e por que estava me apresentando. A �nica coisa que sei hoje sobre a cloroquina refere-se aos tr�s pilares: a defesa da vida, a defesa do SUS e a defesa da ci�ncia. Na ci�ncia, ela cai. Dar um medicamento que j� � arritmog�nico sem ter o benef�cio claro, explicitado, do ponto de vista da sa�de, � um erro muito prim�rio. Tanto que o ministro que me sucede (Nelson Teich) se depara com os mesmos artigos e diz: “Eu n�o posso assinar”. Ent�o passa-se para essa solu��o militar (o general Eduardo Pazuello), que n�o questiona nada de sa�de, fala: “Cumpro a regra, me d� aqui que eu assino.” Para n�s da sa�de o que vale � o risco- benef�cio. Hoje, eu n�o tomo. Porque n�o tem benef�cio perto do risco que ela causa.
No final do m�s de agosto, depois do registro de mais de 100 mil mortos no pa�s, alguns m�dicos participaram do evento “O Brasil vencendo a COVID-19” no Pal�cio do Planalto, com a presen�a do presidente e de ministros. Eles agradeceram ao presidente pelo envio da cloroquina para os seus pacientes. Como o senhor avalia a classe m�dica que abra�a e defende a cloroquina dessa forma?
Essas pessoas t�m os seus seguidores, gostam de tratar. A gente v� muita coisa na medicina que � feita � margem da evid�ncia cient�fica diariamente. Esta � uma delas. O que podemos fazer � lamentar, porque a nossa profiss�o � baseada e � um dos pilares do Iluminismo, ela � um dos pilares do s�culo da raz�o, em que a verdade cient�fica deve ser a grande b�ssola das tomadas de decis�o, principalmente nessas que lidam com a vida. E historicamente, desde sempre, isso foi uma luta das sociedades em rela��o �s profiss�es. Por isso existem os conselhos profissionais que deveriam estar alertando e zelando pela parte �tica profissional.
Se o Conselho Federal de Medicina, que � a autarquia federal, criada em 1956 se n�o me engano, por JK, que era exatamente para esse tipo de quest�o que envolve a pr�tica m�dica e a liberdade de prescri��o e o zelo profissional, que ela pudesse ser muito clara. O Conselho deixou isso d�bio. Falou: “O m�dico � soberano. Se ele prescrever qualquer coisa deve ser entregue de acordo com a sua prescri��o. N�o temos nenhum protocolo”. Quando ele retirou, deu margem para que cada um fa�a. E o Brasil faz assim: cada cidade faz, cada prefeito faz do jeito que acha que tem de fazer, cada m�dico faz do jeito que acha que tem de fazer, pela aus�ncia do Minist�rio da Sa�de, das notas t�cnicas, para servir como b�ssola, como guia.
Ele que deveria estar pegando agora, como t�nhamos organizado na Secretaria de Ci�ncia e Tecnologia e Incorpora��o de Insumos, que fazia a meta-an�lise di�ria no mundo inteiro para falar: “tal medicamento est� se impondo”. Havia v�rias outras drogas sendo testadas no mundo inteiro, porque a doen�a nova faz com que as subst�ncias existentes sejam testadas. A cloroquina veio no meio disso e ela foi pin�ada como uma que cabia.
O Brasil � autossuficiente, a Fiocruz produz cloroquina para nossos pacientes com mal�ria, temos facilidade de produ��o. Ent�o, ela calhou. Ela � barata, encontrada em qualquer tipo de sal, de f�cil produ��o. Acho que ela reuniu todas essas caracter�sticas e serviu a esse jogo, entre uma zona cinzenta – o Conselho Federal de Medicina – e a vontade pol�tica de falar: “Olha, a minha parte em sa�de eu dou essa caixinha aqui. Voc� toma e vai ficar tudo bem”. E ent�o cai na estat�stica. Se a grande maioria j� vai ficar bem de qualquer jeito, que se credite o sucesso a isso. Agora levar os m�dicos ao Pal�cio para discutir essas coisas � simplesmente parte da cena pol�tica.
Ent�o os m�dicos que receitam a cloroquina e aceitaram ir ao Pal�cio do Planalto defender o uso da medica��o fazem parte dessa cena pol�tica?
O m�ximo que posso dizer � que, eu como m�dico, da maneira como aprendi com os meus mestres � que n�o se faz medicina de orelhada. O achismo � o caminho mais perto do erro. O primeiro princ�pio de Hip�crates � que voc� n�o pode ser mais nocivo do que a condi��o que trouxe o doente at� voc�. Voc� tem de calcular o risco-benef�cio. E infelizmente at� agora nenhum deles demonstrou o risco-benef�cio. Se teve gente de idade que tomou o medicamento, teve arritmia e desenvolveu piora no quadro cl�nico, o tempo vai dizer. E o bom da ci�ncia � isso, ela consegue demonstrar isso no tempo. Ent�o o tempo para a ci�ncia � uma joia preciosa. Est�o olhando muito a quest�o da vacina, mas tem muita pesquisa procurando a verdade por detr�s dessas drogas. No momento certo ela aparecer�.
Seis meses depois do in�cio do combate � pandemia, o que o senhor mudaria em suas a��es a partir das novas descobertas sobre a COVID-19?
Primeiro, a constata��o de que o v�rus n�o � pesado, � muito competente. No in�cio da semana saiu uma nota t�cnica dizendo que o v�rus pode ser transmitido por aerossol, que pode estar no ar, ou seja n�o se transmite s� por got�culas. Essa era uma informa��o preciosa para a montagem de cen�rios porque ela � diretamente proporcional ao tempo que ele chegaria aqui. Em segundo, se eu soubesse que a China iria fechar a exporta��o – e que 94% dos equipamentos est�o centrados na China – ter�amos come�ado logo a recupera��o de nossa ind�stria de produ��o de m�scaras, ventiladores e respiradores, para n�o passar pelo desespero de tentar conseguir os equipamentos de prote��o individual.
Chegou a hora que passamos por cima da Anvisa, que s� admitia m�scara descart�vel, e fizemos uma orienta��o direta do Minist�rio da Sa�de para que as m�scaras de pano pudessem ser adotadas. Eu gostaria de ter come�ado essa orienta��o mais cedo tamb�m. Teria come�ado mais cedo a montagem de estruturas de testagem dentro das comunidades em �reas de exclus�o, de favelas, onde � dif�cil entrar com carro. Agora, para isso, voc� tem de ter o aux�lio de todos remando para o mesmo lado.
Quando o senhor vai responder �s insinua��es que o presidente Bolsonaro t�m feito em rela��o � sua conduta no Minist�rio da Sa�de?
No momento em que tivermos as mesmas condi��es a gente faz esse debate. N�o adianta hoje. O presidente tem toda a estrutura e for�a da Presid�ncia da Rep�blica. A gente olha, anota num caderninho e aguarda o dia em que vai poder ter esse di�logo p�blico com ele.
Num debate entre candidatos a presidente em 2022, por exemplo, seria a oportunidade?
Pol�tica � destino.
O senhor cita, na abertura do livro, a “eterna luta da vida contra a morte”. Quem est� ganhando essa batalha no Brasil?
Acho que a vida vai ganhar. Como sempre at� hoje, a humanidade ganhou, a gente ganha atrav�s da ci�ncia. E quando a vacina chegar, ela ser� atrav�s da ci�ncia, que � a maneira mais elegante de enfrentar. Agora l�deres populistas e nacionalistas demonstraram que n�o sabem enfrentar uma doen�a grave e contagiosa como esta.
Se o Conselho Federal de Medicina, que � a autarquia federal, criada em 1956 se n�o me engano, por JK, que era exatamente para esse tipo de quest�o que envolve a pr�tica m�dica e a liberdade de prescri��o e o zelo profissional, que ela pudesse ser muito clara. O Conselho deixou isso d�bio. Falou: “O m�dico � soberano. Se ele prescrever qualquer coisa deve ser entregue de acordo com a sua prescri��o. N�o temos nenhum protocolo”. Quando ele retirou, deu margem para que cada um fa�a. E o Brasil faz assim: cada cidade faz, cada prefeito faz do jeito que acha que tem de fazer, cada m�dico faz do jeito que acha que tem de fazer, pela aus�ncia do Minist�rio da Sa�de, das notas t�cnicas, para servir como b�ssola, como guia.
"Nunca houve solidariedade por parte do governo com as centenas de milhares de fam�lias que perderam os seus entes"
Luiz Henrique Mandetta
Ele que deveria estar pegando agora, como t�nhamos organizado na Secretaria de Ci�ncia e Tecnologia e Incorpora��o de Insumos, que fazia a meta-an�lise di�ria no mundo inteiro para falar: “tal medicamento est� se impondo”. Havia v�rias outras drogas sendo testadas no mundo inteiro, porque a doen�a nova faz com que as subst�ncias existentes sejam testadas. A cloroquina veio no meio disso e ela foi pin�ada como uma que cabia.
O Brasil � autossuficiente, a Fiocruz produz cloroquina para nossos pacientes com mal�ria, temos facilidade de produ��o. Ent�o, ela calhou. Ela � barata, encontrada em qualquer tipo de sal, de f�cil produ��o. Acho que ela reuniu todas essas caracter�sticas e serviu a esse jogo, entre uma zona cinzenta – o Conselho Federal de Medicina – e a vontade pol�tica de falar: “Olha, a minha parte em sa�de eu dou essa caixinha aqui. Voc� toma e vai ficar tudo bem”. E ent�o cai na estat�stica. Se a grande maioria j� vai ficar bem de qualquer jeito, que se credite o sucesso a isso. Agora levar os m�dicos ao Pal�cio para discutir essas coisas � simplesmente parte da cena pol�tica.
Ent�o os m�dicos que receitam a cloroquina e aceitaram ir ao Pal�cio do Planalto defender o uso da medica��o fazem parte dessa cena pol�tica?
O m�ximo que posso dizer � que, eu como m�dico, da maneira como aprendi com os meus mestres � que n�o se faz medicina de orelhada. O achismo � o caminho mais perto do erro. O primeiro princ�pio de Hip�crates � que voc� n�o pode ser mais nocivo do que a condi��o que trouxe o doente at� voc�. Voc� tem de calcular o risco-benef�cio. E infelizmente at� agora nenhum deles demonstrou o risco-benef�cio. Se teve gente de idade que tomou o medicamento, teve arritmia e desenvolveu piora no quadro cl�nico, o tempo vai dizer. E o bom da ci�ncia � isso, ela consegue demonstrar isso no tempo. Ent�o o tempo para a ci�ncia � uma joia preciosa. Est�o olhando muito a quest�o da vacina, mas tem muita pesquisa procurando a verdade por detr�s dessas drogas. No momento certo ela aparecer�.
Seis meses depois do in�cio do combate � pandemia, o que o senhor mudaria em suas a��es a partir das novas descobertas sobre a COVID-19?
Primeiro, a constata��o de que o v�rus n�o � pesado, � muito competente. No in�cio da semana saiu uma nota t�cnica dizendo que o v�rus pode ser transmitido por aerossol, que pode estar no ar, ou seja n�o se transmite s� por got�culas. Essa era uma informa��o preciosa para a montagem de cen�rios porque ela � diretamente proporcional ao tempo que ele chegaria aqui. Em segundo, se eu soubesse que a China iria fechar a exporta��o – e que 94% dos equipamentos est�o centrados na China – ter�amos come�ado logo a recupera��o de nossa ind�stria de produ��o de m�scaras, ventiladores e respiradores, para n�o passar pelo desespero de tentar conseguir os equipamentos de prote��o individual.
Chegou a hora que passamos por cima da Anvisa, que s� admitia m�scara descart�vel, e fizemos uma orienta��o direta do Minist�rio da Sa�de para que as m�scaras de pano pudessem ser adotadas. Eu gostaria de ter come�ado essa orienta��o mais cedo tamb�m. Teria come�ado mais cedo a montagem de estruturas de testagem dentro das comunidades em �reas de exclus�o, de favelas, onde � dif�cil entrar com carro. Agora, para isso, voc� tem de ter o aux�lio de todos remando para o mesmo lado.
Quando o senhor vai responder �s insinua��es que o presidente Bolsonaro t�m feito em rela��o � sua conduta no Minist�rio da Sa�de?
No momento em que tivermos as mesmas condi��es a gente faz esse debate. N�o adianta hoje. O presidente tem toda a estrutura e for�a da Presid�ncia da Rep�blica. A gente olha, anota num caderninho e aguarda o dia em que vai poder ter esse di�logo p�blico com ele.
Num debate entre candidatos a presidente em 2022, por exemplo, seria a oportunidade?
Pol�tica � destino.
O senhor cita, na abertura do livro, a “eterna luta da vida contra a morte”. Quem est� ganhando essa batalha no Brasil?
Acho que a vida vai ganhar. Como sempre at� hoje, a humanidade ganhou, a gente ganha atrav�s da ci�ncia. E quando a vacina chegar, ela ser� atrav�s da ci�ncia, que � a maneira mais elegante de enfrentar. Agora l�deres populistas e nacionalistas demonstraram que n�o sabem enfrentar uma doen�a grave e contagiosa como esta.
Poderia definir, com um adjetivo, a postura do presidente Bolsonaro diante da pandemia?
Equivocado. Ele � um grande equ�voco.
O senhor dorme com a consci�ncia tranquila?
Tranquila. A gente deu o m�ximo que podia pelo Brasil. Aquele per�odo que a gente segurou foi extremamente importante para o SUS dar uma estruturada e para a sociedade poder se organizar. Onde vou, encontro gente que me diz: “escutei voc� no r�dio, na televis�o”. Foi muito importante ter falado para essas pessoas a verdade.