
A elei��o foi municipal, mas a ida dos brasileiros �s urnas em 2020 forneceu amostras de novos caminhos na pol�tica nacional e at� internacional.
A avalia��o � do cientista pol�tico S�rgio Abranches, para quem "a pandemia de coronav�rus cortou o processo de polariza��o" que nos �ltimos anos levou � ascens�o no mundo de pol�ticos que ajudam a dar nome ao seu livro mais recente, O tempo dos governantes incidentais.
O presidente Jair Bolsonaro � um destes pol�ticos que aposta na polariza��o — uma orienta��o que, segundo Abranches, pode estar datada. Para o analista, a derrota de candidatos que o presidente apoiou nas elei��es municipais indica que seu f�lego para uma poss�vel candidatura � reelei��o em 2022 ficou mais fraco.
"O eleitorado indica que est� procurando governantes mais est�veis, mais respons�veis, experientes e certamente que d�o valor � ci�ncia e respeitam a doen�a (a covid-19). E a rejei��o ao Bolsonaro est� muito associada a isso, a resposta dele � doen�a", diz o cientista pol�tico, autor tamb�m de Presidencialismo de coaliz�o - Ra�zes e evolu��o do modelo pol�tico brasileiro e A era do imprevisto, entre outros."Continuaremos lutando no ano que vem com a pandemia e com a crise econ�mica. � um cen�rio muito adverso � polariza��o e �s op��es da extrema direita."
Na contram�o da polariza��o, o analista destaca o "ensaio" em Fortaleza de uma frente ampla que uniu diferentes partidos e lideran�as pol�ticas na elei��o municipal e que poder� ser reproduzida com movimentos semelhantes em 2022.
Particularmente no campo da esquerda, Abranches aponta para o fracasso do PT nas elei��es municipais deste ano e destaca a ascens�o do PSOL e Guilherme Boulos em S�o Paulo — que teve uma esp�cie de derrota vitoriosa, na avalia��o de Abranches.
Confira os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - Algum resultado das elei��es municipais serve com uma esp�cie de term�metro para a pol�tica nacional, para o que pode acontecer na elei��o presidencial de 2022, por exemplo?
S�rgio Abranches - Um caso importante � o de Fortaleza, em que se ensaiou uma frente ampla contra um candidato que era claramente bolsonarista (Capit�o Wagner, do PROS, teve apoio expresso de Bolsonaro). Ciro Gomes (PDT) e Tasso Jereissati (PSDB) se juntaram ao Jos� Sarto (PDT, candidato eleito), que teve tamb�m apoio do PT, PSDB, entre outros.
Ali�s, os dois candidatos com mais cara de Bolsonaro, que melhor representavam as posi��es dele, em Fortaleza e em Bel�m do Par� (onde Edmilson Rodrigues, do PSOL, derrotou o Delegado Federal Eguchi, do Patriota), perderam para a esquerda — com apoio de partidos do centro democr�tico. S�o situa��es que j� mostram uma mudan�a importante (na pol�tica nacional).

Uma coisa � a esquerda se unir de um lado, o centro de outro, a direita de outro. Isso faz blocos, n�o frentes. Agora, a frente ampla � aquela que atravessa o campo pol�tico-ideol�gico. Isso talvez se torne muito importante ao longo do ano que vem e no pr�ximo, na prepara��o para as elei��es de 2022.
N�o � que a gente voltou ao quadro pr�-2018; � que a gente avan�ou para um quadro novo.
BBC News Brasil - Como j� indicou o primeiro turno, a elei��o municipal de 2020 se consolida como uma derrota para Bolsonaro?
Abranches - Com certeza. O fato dele de repente ter come�ado a pedir votos muito no interior, muito nos grot�es, mostra a fraqueza dele.
Fica muito evidente nas pesquisas Ibope e Datafolha que, em praticamente todas as capitais, a popularidade de Bolsonaro est� caindo muito.
Quando voc� v� a reprova��o do presidente aumentando em todos os Estados, quando v� os candidatos que ele apoiou sendo derrotados fragorosamente, como foi com Crivella no Rio (Marcelo Crivella, derrotado no segundo turno por Eduardo Paes, do DEM) e Celso Russomanno em S�o Paulo (derrotado no primeiro turno), claramente v� um enfraquecimento.
Bolsonaro j� n�o � mais o mesmo de 2018 e certamente em 2022 n�o consegue reproduzir o que fez em 2018.
Outro aspecto (observado nesta elei��o) � que a rejei��o ao PT continua muito forte.
BBC News Brasil - O PT tamb�m sai derrotado desta elei��o?
Abranches - Com toda a certeza o PT, Lula, Bolsonaro e seus seguidores foram os maiores derrotados nessa elei��o.
O PT tem que aprender a viver com novas lideran�as dentro dele, tem que permitir a ascens�o de novas lideran�as. N�o pode ficar preso eternamente ao Lula. E o pr�prio Lula tem que entender que o papel hist�rico dele mudou. Seu papel como presidente j� se esgotou, e o papel hist�rico dele agora � ajudar o PT a encontrar um caminho novo.
Em S�o Paulo, com o desgaste do PT e o desempenho p�fio de Tatto (Jilmar Tatto, candidato do PT � capital paulista derrotado no primeiro turno, com menos de 9% dos votos), o PSOL passou a fazer o contraponto do PSDB � esquerda. Na cidade de S�o Paulo, o PSOL ganhou uma enorme musculatura, fazendo a maior bancada da C�mara Municipal junto com o PSDB. � surpreendente porque o PSOL nunca tinha concorrido de forma muito competitiva � Prefeitura de S�o Paulo.

BBC News Brasil - E como avalia o saldo desta elei��o para Guilherme Boulos (candidato do PSOL � capital paulista derrotado no segundo turno por Bruno Covas, do PSDB)?
Abranches - O Guilherme Boulos fez uma campanha surpreendente, muito bem feita, e conseguiu ir para o segundo turno.
Perder com 40% (dos votos) � daquelas derrotas que projetam lideran�a.
S�o derrotas exemplares porque revelam uma lideran�a emergente que mesmo n�o tendo conseguido chegar � vit�ria, tem uma s�rie de caracter�sticas que a popula��o est� buscando naquele campo — no caso (de Boulos), a esquerda.
Acho que isso aconteceu com o Lula contra o (Fernando) Collor (na disputa pela presid�ncia em 1989); e com Fernando Henrique Cardoso na derrota para a prefeitura de S�o Paulo (em 1985).
Tem certas vit�rias que s�o menos importantes do que certas derrotas.
PSOL e o Boulos n�o t�m mais condi��es de serem tratados como sat�lites do PT. E acho que a mesma coisa � verdade, em menor escala, com rela��o � Manuela (D'Avila, do PC do B, derrotada no segundo turno por Sebasti�o Melo, do MDB) em Porto Alegre. � uma estrela emergente, foi vice do Haddad (Fernando Haddad, candidato do PT � presid�ncia em 2018) e que n�o foi contaminada pela rejei��o ao PT. E isso conta tamb�m para dar ao PC do B um pouco mais de luz pr�pria.
E o segundo turno em S�o Paulo foi a disputa mais civilizada que teve no Brasil inteiro — o Covas e o Boulos fizeram uma campanha baseada principalmente em seus programas de governo, na suas diverg�ncias pol�ticas.
BBC News Brasil - A vit�ria de Covas em S�o Paulo � tamb�m uma vit�ria de Jo�o Doria (governador de S�o Paulo pelo PSDB e de quem Covas era vice-prefeito na elei��o de 2016)? Isso poderia aumentar a for�a de Doria caso ele se confirme como candidato � presid�ncia em 2022?
Abranches - O Covas foi eleito mais por causa dele do que pelo Doria, porque o Doria est� com uma avalia��o muito negativa na cidade de S�o Paulo.
E o Covas n�o trouxe o Doria para a campanha dele, s� agora no discurso da vit�ria.

Acho que de qualquer forma o Covas, o Doria e o Eduardo Leite (governador do Rio Grande do Sul, cujos aliados conquistaram muitas prefeituras no Estado) ajudam a recuperar o PSDB da trajet�ria de decl�nio que vinha acelerada. Por outro lado, a vit�ria do Covas n�o unifica o PSDB, porque o partido continua dividido.
BBC News Brasil - No primeiro turno, alguns analistas observaram que o eleitorado parecia estar buscando candidatos que representassem a estabilidade, diante das turbul�ncias trazidas pela pandemia de coronav�rus e por um cen�rio pol�tico e econ�mico inst�vel. Voc� concorda?
Abranches - No primeiro turno, todos os prefeitos que se comportaram mal foram demitidos (pelo voto). E todos que se sa�ram bem na quest�o da pandemia, como em Belo Horizonte, foram eleitos ou fizeram sucessor no primeiro turno.
O Rio foi um caso mais espec�fico, sobrou o Crivella — que foi agora demitido no segundo turno.
A taxa de reelei��o foi muito alta nessas elei��es, e o que fez com que o candidato n�o se reelegesse foi se ele teve um comportamento destoante no que diz respeito � pandemia — se n�o promoveu o isolamento, a��es de sa�de, n�o foi reeleito. Os que se comportaram bem na pandemia foram reeleitos.
O eleitorado indica que est� procurando governantes mais est�veis, mais respons�veis, experientes e certamente que d�o valor � ci�ncia e respeitam a doen�a.
E a rejei��o ao Bolsonaro est� muito associada a isso, a resposta dele � doen�a.
A pandemia cortou o processo de polariza��o. Ela fez um desvio no processo hist�rico, porque em vez de dividir o pa�s entre "n�s" e "eles", daquele jeito da polariza��o radicalizada, passou a separar aqueles que respeitam a pandemia e os que seguiram o caminho do Bolsonaro de tratar a pandemia com descaso — produzindo mais mortes e mais sofrimento.
Continuaremos lutando no ano que vem com a pandemia e com a crise econ�mica. � um cen�rio muito adverso � polariza��o e �s op��es da extrema direita.
BBC News Brasil - Elei��es municipais e nacionais n�o s�o muito compar�veis, mas, em 2018, candidatos � Presid�ncia que se apresentaram com um perfil dito unificador tiveram um percentual p�fio de vota��o. Os resultados nesta elei��o municipal de candidatos que se colocaram como moderados, de centro, mostram que este tipo de candidatura pode ter mais chances na pol�tica nacional daqui para frente?
Abranches - Sim, n�o tenho menor d�vida. No meu �ltimo livro, O tempo dos governantes incidentais, eu disse exatamente isso — que governantes como Trump e Bolsonaro t�m f�lego curto. Se n�o conseguem interromper o processo democr�tico de tal forma que garanta sua reelei��o mudando as regras no primeiro mandato, n�o conseguem se reeleger.
S�o eleitos em elei��es muito at�picas, muito singulares, que n�o se repetem.
E conseguem, de uma forma at� surpreendente, reunir em torno deles uma quantidade de demandas muito difusas — mais de avers�o ao que estava, do que de fato apoio a uma proposta.
Certamente a maior parte das pessoas que votou no Bolsonaro n�o concorda minimamente com a agenda que ele acha importante — a agenda do "escola sem partido", arma na m�o de todo mundo...

A maioria das pessoas n�o concorda, nem se deu conta de que era essa a agenda dele. Ele foi revelando que a agenda � outra — demitiu o Moro, acabou com a Lava-Jato, se uniu com os caras que est�o sendo processados pela Lava-Jato... Eles (esses governantes) v�o dissipando um capital eleitoral muito ef�mero, muito especulativo, que formaram nessa elei��o at�pica e singular.
Eles n�o conseguem reproduzir essa situa��o na elei��o seguinte.
Agora, em 2020, o que vai ser julgado ser� um governo que produziu o segundo pior resultado do mundo na pandemia e uma crise econ�mica absurda.
O que vai estar sendo julgado n�o � mais o governo do PT, nem a Lava-Jato. Vai ser o governo do Bolsonaro, o fim da Lava-Jato, o aumento da infla��o, a crise, a pandemia... Mudou a agenda do pa�s.
E provavelmente 2022 ainda vai ser uma elei��o at�pica, porque muito marcada pela pandemia e pela crise econ�mica e social.
BBC News Brasil - Da mesma forma que esses pol�ticos entraram na pol�tica de forma at�pica, com m�todos imprevis�veis, n�o � tamb�m dif�cil prever que o ciclo deles se encerrou, como o senhor est� indicando?
Abranches - Acho que � mais previs�vel decretar o fim deles do que estimar a vit�ria deles inicialmente. A vit�ria deles � uma surpresa, a derrota deles n�o �.
E o Bolsonaro n�o est� fazendo nada para que ganhe — ele est� sem partido, n�o faz alian�as e continua hostilizando todo mundo. E o Brasil n�o quer agressividade, voc� v� que os discursos mais agressivos foram derrotados (nas elei��es municipais).
Ele ainda tem a m�quina federal e pode causar muito dano � democracia, mas � uma candidatura muito vulner�vel.
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