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Estado de Minas PANDEMIA

'Muito poderia ter sido feito para evitar tantas mortes', diz Gilmar Mendes

Para o ministro do Supremo Tribunal Federal, a pandemia conta uma hist�ria e deixa li��es


03/05/2021 15:41 - atualizado 03/05/2021 23:11

Lamentando a marca de mais de 400 mil mortos por COVID-19, o ministro percebe que a dimensão absurda que a pandemia tomou no Brasil não se deve apenas a uma questão de agilidade(foto: Agência Brasil/Reprodução)
Lamentando a marca de mais de 400 mil mortos por COVID-19, o ministro percebe que a dimens�o absurda que a pandemia tomou no Brasil n�o se deve apenas a uma quest�o de agilidade (foto: Ag�ncia Brasil/Reprodu��o)
Ao ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, a pandemia conta uma hist�ria e deixa li��es. Imposs�vel passar por ela e n�o ver uma imensa janela aberta, mostrando a realidade que descortina um Brasil em pleno luto: “A pandemia escancarou erros e omiss�es hist�ricas do Estado brasileiro na �rea social”. N�o s� isso. Para ele, fica demonstrada de forma inequ�voca a import�ncia da ci�ncia e a necessidade ampliar investimentos no setor.

Lamentando a marca de mais de 400 mil mortos por COVID-19, o ministro percebe que a dimens�o absurda que a pandemia tomou no Brasil n�o se deve apenas a uma quest�o de agilidade: “Olhando para tudo que foi feito at� agora, � poss�vel dizer que n�o foi apenas uma quest�o de decis�es tomadas fora do tempo ideal. H� uma s�rie de outras quest�es que nos conduziram a essa trag�dia.” Seria fundamental, a seu ver, a consist�ncia da atua��o do governo, a coordena��o entre �rg�os, o respeito aos crit�rios t�cnicos e � ci�ncia, a boa comunica��o com a popula��o.

Nesta entrevista � coluna, o ministro tamb�m fala sobre as adapta��es da Justi�a frente � pandemia, a tecnologia, a no��o de prazer e o conceito de liberdade. Acredita que � preciso manter acesa a esperan�a. E, no fim de tudo, haver� algo de positivo: “Entendo que ficar� o legado e o exemplo daqueles que renunciaram a v�rios prazeres da vida em prol de um objetivo maior, que foi o de salvar vidas”.

Entrevista / Gilmar Mendes


Como a Justi�a e o Direito se adaptaram para as novas demandas da sociedade diante da pandemia?

� preciso falar, aqui, que o Direito e a Justi�a tiveram que se adaptar sob dois aspectos. O primeiro deles, � claro, foi a necessidade de manter as atividades do Judici�rio mesmo no contexto da pandemia. Vimos uma atua��o bastante relevante de todos os tribunais para possibilitar julgamentos, despachos, audi�ncias, em suma, toda sorte de atos necess�rios � jurisdi��o em meio virtual. Felizmente, o nosso Judici�rio j� contava em grande medida com estrutura para tanto, dada a difus�o do processo eletr�nico nos tribunais do pa�s.

O segundo aspecto tem rela��o com o pr�prio modo de fazer da atividade jurisdicional. Vimos o impacto da pandemia nas pr�prias demandas que chegam ao Judici�rio. E, nesse caso, um dos grandes desafios foi responder a uma s�rie de quest�es jur�dicas, de certo modo, in�ditas.

No in�cio da pandemia, n�o se sabia a dimens�o real do problema. Foi necess�ria uma grande sensibilidade do sistema de Justi�a para enfrentar essas situa��es que se multiplicaram em todo o pa�s. Como lidar com contratos durante esse per�odo? Como fica a quest�o de eventuais inadimplementos por pessoas e empresas severamente impactadas pelas medidas restritivas? Como devem ser tratados os presos, principalmente os pertencentes aos grupos de riscos, nesse per�odo? Essas foram algumas das quest�es que os Tribunais tiveram que responder.

No �mbito do Supremo Tribunal Federal, tivemos uma s�rie de a��es sobre temas relevant�ssimos da pandemia. Diante dos conflitos entre estados e Uni�o, principalmente, o tribunal conseguiu delinear importantes diretrizes para a atua��o desses entes. Retirou-se tamb�m as amarras financeiras e fiscais para as a��es de combate � COVID-19 e de socorro � popula��o mais severamente atingida. Atuamos, inclusive, no �mbito das vacinas.

Como a pandemia pode refor�ar os valores humanistas da sociedade?

A pandemia mostrou a import�ncia da a��o coletiva e da uni�o das pessoas. Acredito que, neste momento, foram refor�ados os la�os de solidariedade e respeito e abandonadas posturas ego�stas. � claro que houve infelizes casos de desrespeito �s medidas de conten��o ao v�rus. Mas, no geral, entendo que ficar� o legado e o exemplo daqueles que renunciaram a v�rios prazeres da vida em prol de um objetivo maior, que foi o de salvar vidas.

� poss�vel ter um olhar po�tico diante desse momento dif�cil? Como faz para aliviar a tens�o?
Acredito que seja dif�cil diante de tanto sofrimento, mas � importante manter, na medida do poss�vel, a esperan�a. Para aliviar a tens�o eu tento manter a rotina de trabalho no Supremo e no IDP, como professor. Al�m disso, busco me exercitar e me manter atualizado nos livros.

O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?

N�o se pode negar o fen�meno das “lives”. Esse momento nos mostrou que podemos quebrar a barreira da dist�ncia — e, aqui, a tecnologia assume um importante papel — atrav�s de eventos on-line. Tenho participado de in�meros e frutuosos debates na modalidade virtual. At� mesmo, passei por uma situa��o inusitada de, sem querer, soltar uma reclama��o ao final de um desses encontros virtuais. O constrangimento, de alguma maneira, deu lugar � piada. Al�m disso, vemos, � claro, que houve uma completa mudan�a na din�mica do Supremo. Os julgamentos virtuais ganharam maior relevo, e as sess�es por videoconfer�ncia inauguraram uma nova era n�o s� no STF, mas em todo o Poder Judici�rio. Com certeza, sem os avan�os tecnol�gicos, nada disso seria poss�vel e, nesse particular, devemos celebrar essas inova��es que permitiram que os tribunais continuassem em pleno funcionamento.

Como ficam as grandes quest�es da humanidade no p�s-pandemia?

Acredito que a pandemia n�o v� alterar o que podemos dizer como as “grandes quest�es da humanidade”. Mas � certo que ela impactar� a forma como as enxergamos. A COVID-19 escancarou diversos de nossos problemas e criou novos olhares para analis�-los. Um exemplo claro � o de como tratamos quest�es t�o relevantes como a desigualdade social, a desigualdade entre pa�ses e o pr�prio nacionalismo e todas suas implica��es. Diante de uma amea�a global, na qual o descontrole da pandemia em um pa�s pode gerar muta��es mais agressivas e resistentes, � evidente que o debate sobre esses temas ser� afetado. Talvez a pandemia traga a eles uma perspectiva mais solid�ria e menos c�nica. Outro caso interessante � o da liberdade, tema que sempre esteve presente nos mais diversos momentos hist�ricos. Vejo o tanto que a pandemia da COVID-19 deu a essa quest�o novas perspectivas. Refiro-me aqui �s variadas discuss�es que surgiram a partir do tema liberdade, como a de locomo��o, a de se vacinar (ou n�o), a de se manifestar (em redes sociais ou n�o), a de celebrar cultos, como vimos recentemente.

Que ensinamento este momento nos deixa?

Acredito que, enquanto sociedade, a COVID-19 nos deixa uma s�rie de ensinamentos que certamente poderiam ter sido aprendidos de forma menos dura, sem a perda de tantas vidas. Mas gostaria de destacar, em primeiro lugar, o quanto a pandemia demonstrou a import�ncia da ci�ncia e a necessidade de se ampliar o investimento nesse setor. Em segundo lugar, creio que ela escancarou erros e omiss�es hist�ricas do Estado brasileiro na �rea social. A pandemia demonstrou e cresceu frente a um sistema de sa�de fr�gil, � falta de estrutura urbana e de morada, �s defici�ncias de nossa educa��o e a um sistema de seguridade social que at� mesmo desconhecia uma quantidade gigantesca de trabalhadores brasileiros, os chamados “invis�veis”. Aqui, talvez, haja uma pontada de esperan�a de que fique o ensinamento a toda a classe pol�tica de que esses temas s�o urgentes e devem ser tratados com rigor.

Como o senhor vive em Bras�lia depois de mais de tr�s d�cadas de conviv�ncia? Como “sentiu” a cidade neste ano de pandemia?

Apesar de ter nascido no Mato Grosso e de ter um v�nculo muito forte com o estado, toda minha vida se encontra e foi em grande parte desenvolvida aqui em Bras�lia. Gosto da cidade, das pessoas que aqui conheci e das oportunidades que ela me proporcionou. E, mesmo estando acostumado ao estilo diferente da cidade, com seus grandes espa�os abertos, poucos pedestres etc., � imposs�vel n�o notar a diminui��o do n�mero de pessoas na rua, a redu��o dr�stica de eventos culturais, especialmente nos per�odos mais graves da pandemia.

Como v� a perda de tantos brasilienses na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais c�leres nas decis�es? Que exemplo no mundo poderia ser usado no Brasil?

O sentimento predominante �, certamente, de tristeza e consterna��o por tantas vidas perdidas. E, claro, tamb�m sinto que muito poderia ter sido feito para evitar tantas mortes. Aqui, n�o acredito que a quest�o seja simplesmente de “celeridade” na atua��o do governo. � evidente que, em se tratando de vacinas, a velocidade importa. Mas, pensando na pandemia como um todo, acredito que, al�m da velocidade na tomada de decis�es, � fundamental a consist�ncia da atua��o do governo, a coordena��o entre �rg�os, o respeito aos crit�rios t�cnicos e � ci�ncia, a boa comunica��o com a popula��o, entre outras coisas. Olhando para tudo que foi feito at� agora, � poss�vel dizer que n�o foi apenas uma quest�o de decis�es tomadas fora do tempo ideal. H� uma s�rie de outras quest�es que nos conduziram a essa trag�dia.

A import�ncia da uni�o em torno de um projeto suprapartid�rio para mitigar os efeitos da pandemia nos pr�ximos anos � poss�vel?

Certamente. Desde o in�cio da pandemia venho defendendo a import�ncia de uma atua��o coordenada entre todos os entes federados e partidos para que haja um combate ao v�rus mais eficaz. Para isso, s�o necess�rias pol�ticas p�blicas voltadas para a implementa��o de medidas sanit�rias em todo o territ�rio nacional, bem como para a��es focadas na vacina��o em massa e na garantia da subsist�ncia de toda a popula��o. Da mesma forma, ser� necess�rio envidar todos os esfor�os para mitigar os severos impactos que a pandemia tem causado na economia e na vida de cada um dos brasileiros. Eu tenho para mim que, apesar das desaven�as e de nossas “fraturas expostas”, esses temas devem ser assuntos priorit�rios nas pautas do nosso Poder Legislativo.


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