
A partir de pequenos e humildes vilarejos no L�bano, parentes com o mesmo sobrenome de pol�ticos que chegaram a cargos importantes no Brasil acompanham estas trajet�rias como quem segue uma novela — como fazem os Temer de Btaaboura, povoado de onde emigraram os pais do ex-presidente Michel Temer (MDB).
L�, a chegada de Temer ao Planalto foi comemorada com festa organizada pelo ent�o prefeito — e parente distante do emedebista — e rendeu uma grande placa para a rua com nome de Michel Tamer, conforme a grafia original do sobrenome.
O jornalista e pesquisador brasileiro Diogo Bercito viu a placa e a empolga��o dos parentes de Temer com seus pr�prios olhos: ele j� viajou diversas vezes para o Oriente M�dio e, em 2018, foi para o L�bano fazer entrevistas especialmente para o livro que acaba de lan�ar, Brimos: Imigra��o s�rio-libanesa no Brasil e seu caminho at� a pol�tica (Editora F�sforo).
Mestre em estudos �rabes pela Universidade Aut�noma de Madri, na Espanha, e pela Universidade Georgetown, nos Estados Unidos, Bercito cultiva h� anos rela��es com fam�lias libanesas envolvidas na pol�tica brasileira e conhece "por nome e rosto" parentes destas personalidades no L�bano.As viagens e conversas foram uma das formas de investigar a �ntima e pouca conhecida rela��o entre o L�bano e o Brasil, onde est� provavelmente a maior comunidade de nascidos e descendentes de libaneses fora do pa�s no Oriente M�dio, segundo estimativas dos respectivos governos. S�o os "brimos", como os imigrantes que ainda aprendiam o portugu�s se chamavam, trocando o "b" pelo "p" de primos.
No livro rec�m-lan�ado, o autor conta as hist�rias de fam�lias cujos descendentes chegaram � pol�tica, como os Boulos, Feghali, Haddad, Kassab, Maluf e Temer, e busca responder como aconteceu esta bem-sucedida ascens�o ao poder.
"Em rela��o ao percentual de libaneses no Brasil, o percentual de pol�ticos (nessa comunidade) � alto. � um grupo migrat�rio que investiu na pol�tica de uma maneira excepcional", explica o autor, atualmente doutorando na Universidade Georgetown e ex-correspondente do jornal Folha de S. Paulo em Jerusal�m e Madri.
"Sempre achei interessante que h� pol�ticos de origem s�rio-libanesa de direita, esquerda, centro, extremos. N�o � minha �rea de pesquisa, mas minha impress�o � que os italianos, por exemplo, ficaram muito marcados em movimentos sindicais no come�o do s�culo 20. J� para os s�rio-libaneses, n�o existe tanto um padr�o (de orienta��o pol�tica)", afirma Bercito em entrevista � BBC News Brasil.

O autor explica que a participa��o de s�rios-libaneses na pol�tica brasileira � grande n�o s� para cargos de relev�ncia nacional, como a Presid�ncia, governo e prefeitura de S�o Paulo, mas tamb�m em cargos locais espalhados pelo Brasil — acompanhando a hist�rica dispers�o desses imigrantes no pa�s.
No Congresso Nacional, Bercito cita uma pesquisa do historiador S�rgio Tadeu de Niemeyer Lamar�o que mostrou que, entre 1945 e 1999, o Brasil teve 163 deputados federais e senadores com sobrenomes s�rios e libaneses, atr�s apenas de 236 parlamentares de origem italiana.
No livro, Bercito dedica cap�tulos �s hist�rias de pol�ticos e suas fam�lias, mas se aprofunda tamb�m no contexto hist�rico que levou � massiva imigra��o para o Brasil a partir do final do s�culo 19 — estima-se que, entre 1880 e 1969, 140 mil �rabes atravessaram o oceano para tentar uma vida melhor por aqui, a maioria deles libaneses e s�rios.
Eles deixavam para tr�s problemas na agricultura, o fren�tico crescimento populacional, a falta de trabalho, os efeitos de guerras, entre tantos outros motivos para a emigra��o daquele territ�rio, dominado pelo Imp�rio Otomano at� 1922. A delimita��o e independ�ncia da S�ria e do L�bano s� veio na d�cada de 1940, o que gera algumas incertezas sobre a origem precisa de muitos destes imigrantes em anos anteriores.
O av� e o pai do ex-ministro e prefeito de S�o Paulo Fernando Haddad deixaram o vilarejo de Ain Ata fugindo da pobreza e dos efeitos nocivos da Segunda Guerra Mundial. D�cadas antes, os pais de Michel Temer sa�ram de Btaabura depois que a produ��o de tabaco foi deslocada para outros polos.

A migra��o destas e outras milhares de pessoas trouxe o Brasil ao n�mero de 7 a 10 milh�es de pessoas de origem libanesa, segundo seus governos. Bercito diz que pesquisadores consideram essa cifra exagerada, mas afirma que ainda assim o Brasil � onde provavelmente est� a maior comunidade com esta origem fora do L�bano.
Argentina e Estados Unidos foram tamb�m destinos importantes destes imigrantes.
Para o livro, o autor tentou entrevistas com todos os principais personagens pol�ticos, conseguindo efetivamente conversar com Gilberto Kassab (PSD), Guilherme Boulos (PSOL) e Jandira Feghali (PCdoB). Al�m da pol�tica, por�m, o livro aborda tamb�m as hist�rias de intelectuais como a s�ria Salwa Salama Atlas, de dezenas de peri�dicos e jornais produzidos pela comunidade no Brasil, e tamb�m de institui��es de renome como o Hospital S�rio-Liban�s, em S�o Paulo.
Investimento na educa��o
A maior parte dos libaneses que chegaram ao Brasil nos principais anos de migra��o eram crist�os, sobretudo de vertentes orientais como os maronitas e greco-ortodoxos. Segundo explica o livro, imigrantes mu�ulmanos tiveram em geral uma experi�ncia diferente, com integra��o mais lenta e menos �xito econ�mico.
E, diferentemente de outros grupos de imigrantes, como os italianos, os s�rio-libaneses n�o chegaram ao Brasil com apoio dos respectivos governos, deixando de ter, portanto, suporte na busca por abrigo, empregos e propriedades. Mas isso foi tamb�m uma certa vantagem: eles conseguiram se espalhar pelo pa�s com relativa liberdade.
Assim, esparramando-se pelo Brasil e atuando inicialmente no com�rcio ambulante, os imigrantes constru�ram a fama de que, "por menor que fosse uma vila, os 'turcos' estavam ali" — a alcunha pejorativa se formou uma vez que os imigrantes viajavam com um passaporte do Imp�rio Otomano na �poca em que o L�bano n�o existia como Estado.
Depois dos mascates, o pr�ximo passo para estas fam�lias foi abrir suas pr�prias lojas e neg�cios, como ocorreu com as fam�lias de Fernando Haddad (PT) e Paulo Maluf (PP).
O ex-prefeito e governador de S�o Paulo representa uma outra hist�ria t�pica: teve a educa��o priorizada pela fam�lia, o que �s vezes era vi�vel para apenas um dos filhos. O irm�o mais velho de Maluf assumiu os neg�cios do pai enquanto aquele estudava.

Paulo se formou como engenheiro na Escola Polit�cnica da Universidade de S�o Paulo (USP), institui��o de prest�gio que impulsionou diversas personalidades e pol�ticos de origem libanesa, formados tamb�m em outras faculdades.
"Os primeiros migrantes fizeram um esfor�o excepcional em colocar os filhos primeiro em escolas de elite; depois em universidades de elite, principalmente em profiss�es liberais como direito, medicina, engenharia. Foi de caso pensado: era um investimento que toda fam�lia fazia — nem todo mundo podia estudar, �s vezes tinha o filho que ia estudar. Era algo que trazia muito orgulho", explica Bercito.
A inclus�o de Paulo Maluf no livro, ali�s, desagradou outros entrevistados e membros da comunidade, por seu hist�rico de acusa��es, condena��es e pris�es por corrup��o.
"Na �poca das entrevistas, Maluf estava preso, ent�o as pessoas apontavam para toda a controv�rsia que ele representou para a comunidade. Mas eu acho que era imposs�vel escrever esse livro sem o Maluf; o livro poderia ser s� sobre o Maluf, inclusive, porque acho que ele � o grande personagem dos libaneses — mesmo n�o tendo chegado � Presid�ncia", diz o autor.
"A maneira com que ele usou a etnia, como trouxe pessoas de origem s�rio-libanesa para o entorno dele, e a maneira que outras pessoas usaram isso para conden�-lo, � uma pessoa que representa todo o livro. Mas ele � o que traz mais consenso, entre a esquerda e a direita, de que foi algu�m que causou dano para a comunidade", afirma Bercito, que aborda tamb�m no livro os estere�tipos que ao longo dos anos associaram os libaneses � corrup��o.
'Brimos' c�lebres visitaram o L�bano

J� no vilarejo de Hadath, origem de sua fam�lia, Maluf foi recebido como um "messias" em suas visitas, quando foi carregado no ombro de brimos e foi motivo de festan�as, segundo conta o livro. Temer e Haddad tamb�m visitaram os povoados de origem dos pais e foram recebidos com honrarias.
Diogo Bercito diz que, embora Maluf e Temer tenham suas hist�rias e presen�as celebradas, o nome Haddad ressoa no povoado de Ain Ata de uma forma diferente: l�, o av� do petista, o padre greco-ortodoxo Habib al-Haddad, � venerado por um ato considerado heroico. Ele demoveu o Ex�rcito colonial franc�s de bombardear o vilarejo conversando, ao lado de outros anci�os, com o general.
Enquanto tra�a as trajet�rias de nomes c�lebres no Brasil de origem s�rio-libanesa, Bercito tenta tamb�m encontrar pistas sobre sua hist�ria pessoal: h� ind�cios de que ele � descendente de um parente liban�s — assunto que ele detalha no livro, mas n�o vamos contar na �ntegra para n�o estragar a surpresa.
Isso, segundo ele, talvez esclare�a seu interesse "inexplic�vel" e antigo pela cultura e hist�ria �rabe, algo que ele diz pretender explorar por toda a vida.
"Vejo essa parte do livro como um apelo: tenho a esperan�a de que algu�m que tenha informa��es, ou tenha ouvido falar deste meu parente possa entrar em contato", diz o escritor sobre a busca por sua pr�pria hist�ria.
J� assistiu aos nossos novos v�deos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!