
N�o acredita que estamos na antessala de um golpe, pois n�o v� as For�as Armadas como aliadas � ideia de uma ruptura democr�tica. Tamb�m n�o cr� que o impeachment seja solu��o, defende altern�ncia de poder, descarta seu nome como candidato e gostaria de uma lideran�a tucana disputando as elei��es presidenciais.
"Eu n�o sou l�der do PSDB a ponto de ser ativista. Eu posso, talvez, ter sido inspirador, num certo momento, apontando um caminho para o Brasil. Se depender de mim, � importante ter candidatura pr�pria, � assim que os partidos se afirmam. Tem que ter uma lideran�a que afirme um sentimento que bata no cora��o das pessoas", diz nesta entrevista ao Correio Braziliense.
Mas, diante de um Brasil polarizado entre Lula e Bolsonaro, n�o nega suas prefer�ncias. E explica: "No momento, eu penso que a de Lula � menos traum�tica para o Brasil, de forma direta. Isso n�o quer dizer que eu n�o queira uma via pelo PSDB, claro que eu desejo, mas uma coisa � voc� desejar e trabalhar neste sentido, e outra coisa � analisar a realidade. Assim, por ora, entre Lula e Bolsonaro, acredito que o Lula seja melhor".
Segundo FHC, "Bolsonaro n�o acalma os �nimos, polariza". E o ex-presidente n�o � a favor da polariza��o. Tampouco do impeachment, que avalia como um processo traum�tico que n�o contribui para a democracia de um pa�s. "� prefer�vel que ele fique na presid�ncia e perca no voto", diz.
E se o senhor fosse o nome de concilia��o para uma poss�vel terceira via em 2022?
Eu nunca pensei nessa possibilidade, e acho que n�o tem muita concretude. Eu tenho 90 anos, a Presid�ncia � um encargo pesado, al�m do mais � preciso ter disposi��o pra entrar em acordos pol�ticos, e eu n�o sei se, a esta altura da vida, eu gostaria disso. Provavelmente, n�o.
A democracia no Brasil tem for�a para chegar a 2022, apesar de amea�as � elei��o, ataques ao Judici�rio, elitiza��o do sistema eleitoral e desfile de blindados na Pra�a dos Tr�s Poderes?
Eu acredito que a democracia tem for�a para chegar, a despeito dos ataques, que s�o, na verdade, mais verbais do que efetivos, ou s�o simb�licos, digamos assim. Mas eu n�o acredito que haja sentimento antidemocr�tico no povo brasileiro. Com isso, desde que as lideran�as que n�o estejam de acordo com essa possibilidade de fechamento se manifestem, eu n�o creio que haja viabilidade de fechar. Voc� consegue fechar um regime pol�tico quando voc� tem as For�as Armadas do seu lado. Eu n�o creio que exista tend�ncia, nas For�as Armadas brasileiras, de apoio a um golpe militar.
O Brasil � vi�vel?
O Brasil � vi�vel. J� demonstrou que � vi�vel. Nasci em 1931. Portanto, faz 90 anos. � muito tempo. O Brasil melhorou muito de l� pra c�, e naquela �poca j� era vi�vel, mas hoje � muito mais.
� poss�vel ter um olhar po�tico diante deste momento dif�cil?
Olhar po�tico n�o � conveniente, porque a pandemia � realmente pesada, est� matando muita gente. Ent�o, n�o conv�m ter um olhar po�tico. Tem que ter um olhar efetivo. A sa�de p�blica tem que funcionar. E est� funcionando, pois est�o vacinando. A disposi��o do povo brasileiro de tomar a vacina � uma coisa que � antiga e louv�vel.
O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?
No meu ponto de vista, as coisas pioraram. Porque eu fico mais tempo em casa. N�o que seja ruim a minha casa. Eu sinto falta de conversar, de falar com os amigos, de jantar, de ir � Funda��o (Fernando Henrique Cardoso) sobretudo, e de ter contatos nacionais e internacionais. Tudo isso ficou muito restringido. A gente se adapta, o ser humano tem essa qualidade, de ser um ser adaptativo, mas n�o acho que seja o momento ideal.
O momento exige resili�ncia e ativismo solid�rio. Pessoalmente, engajou-se em alguma atividade coletiva a dist�ncia?
A dist�ncia, sempre que poss�vel, sim. No que for necess�rio, podem contar comigo, que eu estarei disposto a emprestar o meu nome. Se servir, est� � disposi��o das boas causas. Recentemente, fui convidado para ser um dos embaixadores da Funda��o para a Amaz�nia Sustent�vel (FAS), que desenvolve um importante trabalho na regi�o.
Como a pandemia pode refor�ar os valores humanistas da sociedade?
A pandemia pode refor�ar bastante os valores humanistas da sociedade, porque o outro fica vis�vel, queiramos ou n�o. Tem que ver. No pr�dio onde eu moro, em S�o Paulo, um bairro de classe m�dia alta, embaixo da janela da minha casa tem uma pessoa que mora numa escadaria. Eu posso v�-la. Ent�o, isso obriga a pessoa a se perguntar, por que est� assim? Se eu vou � funda��o, no centro de S�o Paulo, ali tem muita gente vagando pelas ruas. Ent�o, voc� v�, for�osamente. Mesmo os que n�o quiserem ver t�m que ver que o Brasil n�o � composto s� de ricos, que tem muita gente pobre precisando de apoio.
Como ficam as grandes quest�es da humanidade no p�s-pandemia?
A quest�o da pobreza vai ser maior ainda do que foi antes. Ou seja, haver� que se tomar mais em considera��o as condi��es de vida das pessoas que mais necessitam. Ser� que vai acontecer? Depende, como tudo na vida contempor�nea, das lideran�as, de existir pessoas realmente que se disponham a tomar posi��o claramente a favor dos que mais necessitam.
Que ensinamento este momento nos deixa?
Nos deixa muitos ensinamentos. Primeiro, nos torna mais humanos, no sentido de que, apesar de vivermos isolados, temos que olhar para o outro. Sabemos que o cont�gio existe. Isso � importante. E tamb�m � preciso reconhecer que no Brasil h� uma tradi��o que n�o � de agora, � antiga, de vacina��o, isso � muito bom. Os nossos m�dicos e enfermeiros, os profissionais da �rea da sa�de no Brasil, s�o dedicados. � preciso que se retribua, tendo consci�ncia da necessidade de se vacinar.
Como v� a perda de tantos brasileiros na pandemia?
Eu vejo com preocupa��o. N�o h� setor da sociedade que n�o tenha sido alcan�ado por esta pandemia, direta ou indiretamente. Mas muitos s�o diretamente. E, embora seja uma maneira desagrad�vel de tomar consci�ncia do que existe, � uma forma tamb�m de tomar consci�ncia, inclusive, de que qualquer ser humano est� sujeito � mortalidade, pode pegar o v�rus e ir embora. � rico ou � pobre, � pardo ou ind�gena, n�o importa, somos todos iguais.
Os governos deveriam ter sido mais c�leres nas decis�es?
� prov�vel que sim. Eu n�o gosto de ficar acusando o governo, por que � f�cil acusar. No Brasil, h� uma certa mobiliza��o, a sociedade tem o h�bito da vacina��o, e a m�dia tem um papel fundamental de dar maior consci�ncia da necessidade das pessoas. Isso mostra que o Brasil tem condi��o de avan�ar. A despeito de a pandemia ser negativa, vamos super�-la.
Que exemplo no mundo poderia ser usado no Brasil?
Eu n�o sei se h� exemplos a seguir. Porque, neste caso, n�s temos que olhar para a nossa pr�pria capacidade de vacina��o. O �nico rem�dio que existe � a vacina, n�o tem um outro rem�dio espec�fico que cure esta mol�stia. Ent�o, tem de se expandir mais e mais a tend�ncia de vacinar. Agora, claro que os pa�ses mais ricos t�m mais condi��es. Os Estados Unidos, Alemanha, Fran�a, Inglaterra, por exemplo, s�o pa�ses ricos, mas isso n�o quer dizer que sejam mais eficientes neste tema. Especialmente, n�s, que temos uma predisposi��o a aceitar melhor o novo.
A import�ncia da uni�o em torno de um projeto suprapartid�rio para mitigar os efeitos da pandemia nos pr�ximos anos � poss�vel?
N�o sei se � poss�vel, mas � desej�vel. A pandemia mostra que, em certas mat�rias, � preciso haver uni�o, porque n�o adianta jogar pedra um no outro, todos se ferem, e os feridos verdadeiros s�o os que est�o sofrendo as consequ�ncias negativas da pandemia, ficam � margem deste processo.
O senhor e os ex-presidentes Sarney e Temer t�m um encontro em setembro para discutir as sa�das para o Brasil?
� poss�vel que este encontro aconte�a. Eu me dou bem com todos os ex-presidentes, inclusive com o presidente Lula. Nesta hora � importante que os v�rios presidentes se mobilizem, e se eles puderem significar alguma coisa, n�s temos que estar juntos em defesa dos interesses do povo brasileiro.
A persistir a polariza��o, qual reelei��o lhe parece menos traum�tica para o Brasil: a de Lula ou de Bolsonaro?
No momento, eu penso que a de Lula � menos traum�tica para o Brasil, de forma direta. Isso n�o quer dizer que eu n�o queira uma via pelo PSDB. Claro que eu desejo. Mas uma coisa � voc� desejar e trabalhar neste sentido, e outra coisa � analisar a realidade. Assim, por ora, entre Lula e Bolsonaro, acredito que o Lula seja melhor.
A terceira via tem alguma chance nas pr�ximas elei��es?
Depende das lideran�as. A terceira via � um conceito. No Brasil, as pessoas t�m que transformar as ideias em pessoas. Na vida pol�tica, voc� tem que ter lideran�as. Espero que o PSDB se posicione, aceitando que ele tem que ter uma vis�o de uni�o nacional, buscar algu�m que expresse um sentimento e seja reconhecido pelo povo como vi�vel.
Quando n�s (PSDB) chegamos ao governo, especialmente quando estive na presid�ncia, que houve mais preemin�ncia do PSDB nacional, era porque n�s express�vamos um sentimento que vai al�m das nossas fronteiras. Hoje, h� mais necessidade ainda, porque os partidos est�o todos mais desgastados. Ent�o, � necess�rio que haja um reencontro, a partir de uma proposta de reconstru��o do pa�s.
PSDB lan�ar� candidato pr�prio?
Eu n�o sou l�der do PSDB a ponto de ser ativista. Eu posso, talvez, ter sido inspirador num certo momento, apontando um caminho para o Brasil. Se depender de mim, � importante ter candidatura pr�pria, � assim que os partidos se afirmam. Tem que ter uma lideran�a que afirme um sentimento que bata no cora��o das pessoas.
O senhor disse que o governo Temer era uma pinguela. Como classifica o governo Bolsonaro?
O governo Temer era uma pinguela porque era um caminho poss�vel naquele momento, e o presidente Temer atravessou a pinguela aceitando uma fase dif�cil de ser presidente da Rep�blica, e sendo presidente e tratando de acalmar os �nimos. O governo Bolsonaro n�o acalma os �nimos, polariza. Eu n�o sou favor�vel � polariza��o.
Seu elogio ao ex-presidente Lula causou frenesi. O brasileiro de hoje perdeu o fair play?
Eu acho que sim. Eu conhe�o o Lula h� muitos anos. A primeira vez que eu fui � casa dele, ainda era l�der sindical em S�o Bernardo. Naquela �poca, era uma pessoa realmente pobre. Eu o acompanhei a minha vida inteira, quer dizer, no sentido pol�tico, no percurso do Lula, e fizeram disso um cavalo de batalha. Eu falo com o Lula como falo com qualquer outro presidente. Se o Bolsonaro me chamar para conversar, eu vou dizer que n�o? Eu converso tamb�m. Agora, evidentemente, que cada um tem l� as suas ideias. Se for poss�vel algum encontro, em qualquer momento, se dar� atrav�s de objetivos, e n�o atrav�s de personalidades.
H� mais de 130 pedidos de impeachment contra Bolsonaro. H� motivos para afast�-lo?
Eu preferia que n�o houvesse. � prefer�vel que ele fique na Presid�ncia e perca no voto. Eu j� participei de impeachments, � um processo traum�tico. �s vezes, voc� � levado � um impeachment pela a��o da pessoa. Se o presidente Bolsonaro perceber que ele n�o deve transgredir certas regras, talvez seja melhor para o Brasil. Eu acho que � melhor que haja uma elei��o e que a elei��o seja o modo pelo qual se elege o presidente. Voc� truncar um mandato, eu n�o acho que seja construtivo para a democracia de um pa�s.
O Brasil enfrenta uma crise institucional? Ela � causa ou efeito do que vivemos hoje?
O Brasil sempre enfrenta dificuldades institucionais, mas eu n�o diria que seja uma crise institucional. Eu j� assisti a v�rias crises. Nos tempos do Get�lio ou do Jo�o Goulart, era diferente. Voc� tem n�o s� a oposi��o pol�tica, mas a sociedade est� rachada, est� disposta a um matar o outro, e aqui n�o h� esse sentimento, pelo menos de minha parte.
Se houver crise institucional, a responsabilidade ser� de quem a provocar, se entendi bem a pergunta. Quem pode provocar uma crise institucional � o presidente da Rep�blica, que tem que se conformar com a divis�o de Poderes, e o Congresso tamb�m tem que ter no��o do que pode e o que n�o pode. Invocar toda hora impeachment n�o faz bem � democracia.
Onde est� o "coro dos l�cidos", t�o essenciais em um momento t�o grave? A polariza��o ceifou nossa capacidade de di�logo?
Eu espero que n�o tenha ceifado. Apesar de existir uma polariza��o, ela n�o chegou ainda a ponto de ceifar a capacidade de di�logo, mas � preciso que aquele que seja mais l�cido, usando a sua express�o, entenda que di�logo n�o quer dizer ades�o. Quer dizer: vamos conversar para ver qual � a sa�da para o impasse que exista. E, no momento da elei��o, temos que ter sa�das que sejam distintas, uma ou outra sa�da, e o povo escolhe, vota, isso � importante; manter a estabilidade do voto, manter a altern�ncia de poder, pelo menos no meu ponto de vista.
O que � preciso mudar no sistema pol�tico para que a pol�tica seja uma sele��o dos melhores e n�o dos piores elementos?
Eu n�o sei se a pol�tica ser� a sele��o dos melhores. A pol�tica representa a expectativa do povo brasileiro e tem que haver liberdade, � um processo lento. �s vezes, os melhores ganham, mas n�o � sempre, depende de como se apresentem a uma dada situa��o para a popula��o. Isso � um processo civilizat�rio que leva tempo. Lembro das �pocas em que n�o havia democracia no Brasil.
Tivemos as Diretas J�. Foi importante para manter as institui��es funcionando, a imprensa livre. Enfim, o sentimento de liberdade � t�o importante quanto a constru��o da democracia, que n�o � a mesma coisa. A democracia significa que, al�m da liberdade, voc� tem institui��es que a asseguram e permitem a participa��o das pessoas. Este � o sistema mais capaz de atender aos anseios das pessoas e manter a liberdade.
Por que as redes sociais permanecem uma terra sem lei e, certas vezes, amea�am a democracia?
N�s temos que adaptar a democracia � exist�ncia das redes sociais. Isso � uma novidade tecnol�gica. Eu me lembro, eu era professor na Calif�rnia, e estavam come�ando discuss�es sobre as redes sociais, ningu�m imaginou que fosse dar no que deu. Deu numa balb�rdia muito grande, mas isso � transit�rio. N�s temos que nos acostumar que as pessoas v�o se informar, v�o tentar influenciar. Cada um pensa que pode e, com o tempo, vai ver que pode at� certo ponto.
S�o necess�rias institui��es, liberdade e o voto como instrumento de aferi��o da veracidade do que sai nas redes. Eu n�o sou seguidor disso ou daquilo nestas redes, mas uso com certa frequ�ncia para minha comunica��o. Ou n�s adaptamos o jogo democr�tico � exist�ncia de redes ou n�s vamos perder o jogo. Temos que fazer com que as pessoas passem a saber que a rede � a opini�o bruta de cada um de n�s, e que os partidos s�o uma esp�cie de pr�-sele��o de objetivos. Assim, os partidos t�m que se adaptar ao funcionamento das redes. N�o d� pra recuar, afinal, ela veio pra ficar.
Como o senhor quer ser julgado pela hist�ria? Seu livro de mem�rias � sua obra mais completa?
N�o sei... A gente sempre pensa que o �ltimo livro � o melhor, mas n�o �. A gente tem que deixar que o tempo aponte o que � bom e o que � mau. E eu sei l� se eu vou ser lembrado na hist�ria. Para ser franco, eu n�o fico preocupado com essa quest�o, sinceramente.