�s v�speras das manifesta��es de 7 de setembro, a maioria a favor do presidente Jair Bolsonaro, inclusive estimuladas por ele, dois cientistas pol�ticos ouvidos pelo Estado de Minas apontam o enfraquecimento pol�tico e isolamento do chefe do Executivo, mas discordam sobre os poss�veis desdobramentos dos atos de amanh�.
Guilherme Casar�es, doutor em ci�ncia pol�tica, mestre em rela��es internacionais e professor da Escola de Administra��o de Empresas de S�o Paulo, da Funda��o Getulio Vargas, v� risco real de ruptura democr�tica.
“A estrat�gia passa por deixar acontecer o dia 7 com algum grau de viol�ncia para invocar o artigo 142 da Constitui��o Federal, pregando a garantia da lei e da ordem ou algo do tipo um estado de s�tio. Como essa tese j� foi aventada pelo presidente e pelos juristas simp�ticos a esse regime, como Ives Gandra e Andr� Mendon�a, trata-se de uma possibilidade que j� est� sendo discutida e testada”, considera.
Especializado em pesquisas das rela��es civico-militares, Pedro Villas B�as Castelo Branco, doutor em ci�ncia pol�tica e professor do Instituto de Estudos Sociais e Pol�ticos (Iesp) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), coordenador do Laborat�rio de Estudos Pol�ticos de Defesa e Seguran�a P�blica, considera que este ser� o teste mais dif�cil at� agora da redemocratiza��o brasileira: “Mas n�o acredito numa ruptura institucional.
Acho que v�o ocorrer as elei��es e a�, sim, acredito numa tentativa de golpe, porque o presidente desqualifica o sistema eleitoral. Mas acho improv�vel a consuma��o, porque n�o interessa �s For�as Armadas, ao alto comando das pol�cias militares, nem ao empresariado, aos banqueiros”.
"A estrat�gia passa por deixar acontecer o dia 7 com algum grau de viol�ncia para invocar o artigo 142 da Constitui��o Federal" (foto: ARQUIVO PESSOAL)
Entrevista/Guilherme Casar�es
Professor da Escola de Administra��o de Empresas de S�o Paulo, da Funda��o Getulio Vargas
O que pretende o presidente Jair Bolsonaro com a nova convoca��o para a mobiliza��o de suas bases neste 7 de setembro?
Bolsonaro est� apostando numa ruptura democr�tica, porque sabe ser esse o �nico caminho para que se mantenha no poder. N�o h� alternativa diante de um quadro em que a queda de popularidade � consequ�ncia de uma economia que n�o recupera, uma crise pol�tica permanente, uma gest�o desastrosa da pandemia, uma CPI que tem descoberto coisas escandalosas sobre compra de vacina e o tr�fico de influ�ncia no Minist�rio da Sa�de.
Resta saber se essa ruptura vai acontecer no 7 de Setembro, o que � uma possibilidade. Eu me alinho �queles que est�o comparando com o 6 de Janeiro, nos Estados Unidos. Uma convoca��o nas entrelinhas, a ambiguidade do discurso, mas que vai levar pessoas a ocasionalmente usarem viol�ncia tentando invadir o Supremo Tribunal Federal ou o Congresso. Bolsonaro est� recorrendo a essas manifesta��es imag�ticas como �ltima cartada, j� constatando que tem chance muito pequena de se reeleger. Ent�o, � justamente essa percep��o de que a reelei��o est� longe de estar garantida que faz com que ele percorra caminhos n�o institucionais para se manter.
E se levarmos em conta que Bolsonaro n�o � um democrata – joga o jogo da democracia enquanto for conveniente, mas n�o acredita nessa linguagem da democracia –, o quadro fica mais grave, pois ele acaba apostando numa ruptura democr�tica: n�o vai induzir de maneira direta, mas vai incitando at� o momento em que a ruptura parta de seus pr�prios apoiadores.
Quando Bolsonaro prega a ruptura institucional, o senhor percebe elementos de ambiguidade na linguagem de Bolsonaro?
A ambiguidade faz parte do repert�rio bolsonarista. Se pegarmos o manual da extrema-direita americana, a forma de mobilizar os seus apoiadores tem muito desse expediente, que � falar coisas amb�guas e desdizer se for conveniente. Ao mesmo tempo, joga com a linguagem de divis�o o tempo inteiro, um populismo midi�tico e rasteiro. E Bolsonaro tem conseguido mobilizar com alguma compet�ncia esses segmentos, tanto que mant�m unida uma base por volta de 15% do eleitorado mais radical.
Em sua opini�o, por quais caminhos essa ruptura pode ocorrer?
Temos o contraexemplo mais �bvio, do Alberto Fujimori no Peru, em 1992, quando fez o autogolpe, vindo de cima, em cadeia nacional, fechando o Congresso. Acho que isso n�o vai acontecer. A estrat�gia dele passa por deixar acontecer o dia 7 com algum grau de viol�ncia. A depender do n�vel de viol�ncia, ele invoca o artigo 142 da Constitui��o Federal, pregando a garantia da lei e da ordem ou algo do tipo um estado de s�tio. Como essa tese j� foi aventada pelo presidente e pelos juristas simp�ticos a esse regime, como Ives Gandra e Andr� Mendon�a, trata-se de uma possibilidade que j� est� sendo discutida e testada.
E por mais que o Supremo Tribunal Federal entenda que essa interpreta��o do artigo 142 n�o fa�a o menor sentido, um dos motes dessas manifesta��es sempre foi, desde o princ�pio, a repetida “interven��o constitucional com Bolsonaro no poder”. Agora, se forem manifesta��es menores do que as esperadas, al�m de, � claro, culpar alguma circunst�ncia desfavor�vel, Bolsonaro ir� continuar investindo nessa estrat�gia, porque ela � o que tem mantido a sua popularidade no n�vel que ainda est�. Independentemente dos resultados do dia 7, ele certamente vai planejar a pr�xima, seja sob a forma de motociata ou outra forma.
Quando olhamos para as condi��es gerais do pa�s – infla��o, crise energ�tica, desemprego, a economia com baixo desempenho, qual � a racionalidade de pessoas sa�rem �s ruas para respaldar esse governo?
Bolsonaro foi bem-sucedido em construir uma narrativa na qual ele n�o tem culpa de nada. Isso � um tra�o do populismo, a incapacidade b�sica de assumir responsabilidades sobre as decis�es tomadas. Percebe-se que tudo aquilo que repercute de forma inadequada ele coloca a culpa na imprensa, governadores, na China, no globalismo, cada hora ele fala uma coisa. Esse tipo de estrat�gia � conveniente porque essa parcela da popula��o que est� hipnotizada segue acreditando que o problema do pa�s � que “n�o deixam o Bolsonaro governar”. Agora o inimigo da vez � o STF. O argumento do bolsonarismo est� na ponta da l�ngua: “O STF criou uma ditadura dos magistrados no Brasil que impedem Bolsonaro de trabalhar”. Acho que essa narrativa ainda cola para esses segmentos e � nela que ele vai se fiar para explicar os resultados ruins de seu governo.
"� o teste mais dif�cil da hist�ria da redemocratiza��o brasileira, mas n�o acredito numa ruptura institucional" (foto: ARQUIVO PESSOAL)
Entrevista/Pedro Villas B�as Castelo Branco
Professor do Instituto de Estudos Sociais e Pol�ticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
Que avalia��o o senhor faz do aumento de integrantes das for�as de seguran�a na pol�tica?
A politiza��o das For�as Armadas e das pol�cias resulta, entre outras coisas, de certa descren�a nas institui��es, desconfian�a na elite pol�tica, agravada nos �ltimos anos pela forma como se combateu a corrup��o, a Lava-Jato, com certa criminaliza��o da pol�tica. E tamb�m descren�a na representa��o pol�tica: o v�nculo entre eleitor e eleito se rompe depois das urnas. Esse sentimento fez surgirem em 2018 figuras que se apresentaram como externas � pol�tica, anunciando renova��o e nova forma de fazer pol�tica.
Nesse sentido, abriram-se muitas oportunidades para policiais. Nas elei��es de 2018, houve participa��o de cerca de 900 militares. E hoje o Executivo federal tem 6.157 militares, segundo o Tribunal de Contas da Uni�o. A entrada de militares na pol�tica � perigosa para a democracia, porque n�o t�m forma��o para a democracia, s�o valores de hierarquia e disciplina importantes para a corpora��o, mas n�o t�m a ver com di�logo da democracia.
Qual � o n�vel de estabilidade das institui��es democr�ticas hoje com maior militariza��o na pol�tica e nos cargos p�blicos?
Temos um mandat�rio que amea�a constantemente o Parlamento, o Judici�rio. Tornaram-se frequentes as amea�as de ruptura institucional, de golpe, que nunca estiveram t�o presentes nas redes sociais e nos meios de comunica��o. Hoje se faz guerra h�brida, que manipula as emo��es de segmentos da sociedade e leva � insurg�ncia contra a C�mara ou o STF. Tudo com base em desinforma��o e manipula��o. E, claro, a mudan�a tamb�m tem a ver com o avan�o das novas ferramentas digitais que permitem a ideia de uma rela��o sem media��o entre o l�der pol�tico e seus seguidores.
Embora a ret�rica do inimigo interno esteja presente no governo, o senhor percebe maior radicaliza��o no discurso?
Essa mobiliza��o vem se acentuando e � proporcional � perda de popularidade do presidente. � um m�todo tipicamente populista, para criar imagem de aprova��o popular. Ele mant�m a coer�ncia, nunca deixou de fazer guerra cultural, de tentar transformar advers�rios em inimigos. Mas isso se acentuou pela perda de popularidade, ele foi obrigado a fazer o que criticava, a velha pol�tica. Mas n�o acredito que essas manifesta��es v�o descambar para a viol�ncia, porque para os policiais e para as For�as Armadas, a insurg�ncia pode custar muito caro. Nenhum quer perder o emprego, nenhum quer ser preso. As regras disciplinares s�o muito rigorosas.
Temos visto policiais e integrantes das For�as Armadas se manifestando politicamente. Que tipo de consequ�ncia tem esse comportamento?
S�o manifesta��es contr�rias aos regulamentos militares. Nem todos est�o engajados na aventura golpista. Existem nas pol�cias e nas For�as Armadas grupos que se op�em � instrumentaliza��o pol�tica. N�o s�o corpora��es homog�neas. Vamos lembrar que o presidente afastou o ent�o ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva e destituiu os comandantes da Marinha, do Ex�rcito e da Aeron�utica. Esse movimento aconteceu porque ele n�o estava conseguindo associar as For�as Armadas ao governo, o que, ali�s, � a tentativa dele permanente. Um governante fraco come�a a apelar para o �ltimo recurso da soberania do Estado, que s�o as For�as Armadas ou as pol�cias.
H� risco de ruptura institucional amanh�?
O risco nunca pode ser descartado quando h� um governante que o tempo todo faz amea�as. De fato, as palavras de um presidente t�m peso. Mas � um presidente enfraquecido, com popularidade caindo, e as institui��es mostram rea��o. O coronel da PM de SP foi afastado. A democracia mostra resist�ncia. � o teste mais dif�cil da hist�ria da redemocratiza��o brasileira, mas n�o acredito numa ruptura. V�o ocorrer as elei��es e acredito numa tentativa de golpe, porque o presidente desqualifica o sistema eleitoral e amea�a. Mas n�o acredito na consuma��o do golpe, porque n�o interessa �s For�as Armadas, ao alto comando das PM, ao empresariado.
As For�as Armadas est�o propensas a respaldar um golpe?
N�o vejo essa propens�o. Vejo conduta equivocada de parte do alto oficialato que se manifesta contra o regulamento do Ex�rcito e o Estatuto Militar, mas n�o vejo essa possibilidade. Haveria um custo enorme. Se essa politiza��o se intensificar, p�e em risco a pr�pria estrutura das For�as Armadas, que s�o vinculadas � Constitui��o. Est� havendo esfor�o enorme de instrumentalizar as For�as Armadas. Mas n�o acredito que embarquem nessa aventura. Agora, as pol�cias preocupam porque o contingente � grande: estima-se que na ativa e na reserva existam 700 mil policiais. Isso � um ex�rcito imenso.