
A democracia brasileira saiu mais fraca do seu 199º anivers�rio da independ�ncia do Brasil, analisa a cientista pol�tica Amy Erica Smith, especialista em democracia e regimes autorit�rios na Am�rica Latina, particularmente no Brasil.
Em protestos que atra�ram centenas de milhares de pessoas neste 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que n�o cumprir� decis�es judiciais , amea�ou fechar o Supremo Tribunal Federal, disse que um dos ministros, Alexandre de Moraes, " a�oita a democracia ", chamou o processo eleitoral sem voto impresso de " farsa " e disse que apenas Deus pode tir�-lo da Presid�ncia.
"� poss�vel que as coisas agora tenham chegado a um ponto t�o ruim que forcem a a��o de outros poderes", opina ela.
- Amea�as ao STF elevam press�o por impeachment, mas Bolsonaro mant�m base para proteger mandato, dizem deputados
- Grupos bolsonaristas se dividem entre euforia e frustra��o com manifesta��es
Ap�s Bolsonaro intensificar os ataques ao Supremo e amea�ar n�o cumprir decis�es do ministro Alexandre de Moraes, aumentaram as cobran�as pela abertura de um processo de impeachment no Congresso .
Para a estudiosa, a demonstra��o de for�a de Bolsonaro n�o foi um "fracasso total", dado o n�mero de pessoas que ele atraiu e a dissemina��o de suas palavras, mas deixou claro que Bolsonaro n�o re�ne condi��es de dar um golpe. "Se tivesse, ele j� teria dado".
Smith observa que Bolsonaro e seus apoiadores tentam projetar uma imagem de lideran�as da direita global, com placas em ingl�s contra o STF e apoio de ex-assessores de Trump em suas empreitadas, mas, para a maioria da audi�ncia internacional, "Bolsonaro pinta o Brasil como uma rep�blica das bananas".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Amy Erica Smith � BBC News Brasil, editadas por clareza e concis�o.
BBC News Brasil - Como qualifica os acontecimentos desse 7 de setembro?
Amy Erica Smith - A multid�o tinha um tamanho razo�vel e o discurso de Bolsonaro est� mais radical, talvez o mais radical que se possa ser sem provocar um confronto direto e imediato. O tipo de ataque que ele fez ao ministro Alexandre de Moraes hoje cruza a linha da democracia. As coisas que Bolsonaro disse n�o satisfazem os m�nimos requisitos da democracia e, se for permitido que ele continue a fazer esse tipo de declara��o, as coisas ficar�o muito ruins no Brasil.
Ele at� poderia recuar, mas n�o acredito que ir�. A essa altura, n�s j� vimos o suficiente pra identificar um padr�o de algu�m que vai gradualmente ficando mais e mais radical. Declara��es como "s� saio da presid�ncia morto" s�o extremamente anti-democr�ticas, assim como tudo o que ele disse hoje. Desse ponto em diante, as coisas s� pioram.
BBC News Brasil - Alguns analistas, como o fil�sofo Marcos Nobre, veem nos movimentos de Bolsonaro em 7 de setembro uma esp�cie de ensaio do golpe, um teste de qu�o longe se pode ir. A senhora concorda?
Smith - Se Bolsonaro tivesse apoio para um golpe, provavelmente ele j� teria dado um golpe. Muito do que ele faz � projetado para tentar atrair mais pessoas para o seu lado e viabilizar um golpe. Est� claro que, se pudesse ter fechado o Supremo Tribunal Federal h� um ano, ele j� teria feito isso.

Mas ele n�o tem apoio institucional para fazer isso, nem dos militares nem de outros pol�ticos. E se tentasse, n�o conseguiria se segurar no poder. Ent�o acho que o termo ensaio n�o cabe, porque a verdade � que se ele tivesse tido condi��es de dar um golpe ontem, ele teria dado. E seus apoiadores tamb�m teriam apoiado o golpe se ele tivesse tentado.
O que eu acho que Bolsonaro est� fazendo � deliberadamente mostrando que seu interesse � golpista e tentando arregimentar pessoas pra sua causa. Isso � mais um alerta do que ele gostaria de fazer se conseguisse obter mais poder. E eu acho que foi uma tentativa tamb�m de satisfazer alguns de seus apoiadores mais radicais, que pediam por esse tipo de comportamento. Ent�o ele manda uma mensagem para esses apoiadores ao mesmo tempo em que tenta intimidar o Supremo e Congresso. E, honestamente, n�o vejo como isso possa ter funcionado, nem para intimidar, nem para ganhar novos apoiadores.
BBC News Brasil - Bolsonaro terminou o sete de setembro mais forte ou mais fraco do que come�ou o dia?
Smith - N�o acho que foi um fracasso completo. Ele conseguiu reunir uma massa moderadamente grande. N�o foi uma massa esmagadora, mas atraiu p�blico e conseguiu levar seus discursos � TV. Mas em termos eleitorais pr�ticos, a popularidade dele ainda est� na casa de 20% e n�o houve ali nenhum sinal de que ele tem poder suficiente para mobilizar eleitores a ponto de alterar o c�lculo eleitoral dos partidos em favor dele.
J� em rela��o � crise institucional, ao conflito com outros poderes, Bolsonaro termina o dia bem mais radical e aparentemente tendo dito coisas que podem levar a a��es legais contra ele no Supremo e ao seu impeachment no Congresso. Esses s�o cen�rios poss�veis. Ent�o, ele sai do sete de setembro mais vulner�vel em rela��o aos demais poderes. E podemos esperar resposta ao menos da Suprema Corte, com certeza.
BBC News Brasil - O Brasil vive uma crise institucional grave. Hoje o presidente disse que s� Deus o tira do cargo, que n�o cumprir� decis�es judiciais de um dos ministros do Supremo e que n�o participar� do que chamou de "farsa" das elei��es sem votos impresso. Com isso, afrontou o Congresso e a Suprema Corte. Como fica a democracia depois disso?
Smith - O que est� claro � que a democracia brasileira saiu do sete de setembro mais fraca, em uma crise maior. Mas � poss�vel que agora as coisas tenham chegado a um ponto t�o ruim que forcem a a��o de outros poderes. A democracia brasileira est� em grande risco, especialmente com as amea�as ao Supremo.
BBC News Brasil - Alguns l�deres partid�rios voltaram a falar em impeachment, e esse � um assunto que tem rondado a gest�o Bolsonaro, mas nunca como algo vi�vel. Isso pode ter mudado ontem?
Smith - As coisas que Bolsonaro falou ontem certamente aumentam suas chances de sofrer um impeachment. O sete de setembro pode ser o come�o do fim pra ele.
Ele chamou o Conselho da Rep�blica (�rg�o que decide sobre interven��o federal) e disse que mostraria a eles a fotografia do povo. Isso, em outras condi��es, seria o chamamento para o golpe. Mas as pessoas que comp�em esse Conselho da Rep�blica n�o dir�o: 'sim, senhor, vamos dar um golpe'. Ent�o � dif�cil entender os reais efeitos do que Bolsonaro diz. � bizarro imaginar que ele pense que os demais chefes de poderes v�o coadunar com essa ideia. N�o � poss�vel que ele pr�prio acredite nisso. Pode ser um teatro pol�tico, mas n�o deixa de ser perigoso.
BBC News Brasil - A economia brasileira patina, e investidores estrangeiros n�o se sentem confort�veis em trazer seu dinheiro ao pa�s. Como diferentes observadores internacionais veem o que acontece no Brasil e o que esperam do pa�s?
Smith - � terr�vel para os neg�cios e os manifestos do agroneg�cio e de empres�rios brasileiros contra as a��es de Bolsonaro mostram isso. Bolsonaro pinta o Brasil como uma rep�blica das bananas. O que estamos vendo hoje � uma instabilidade extrema e o que o presidente promete aos investidores � ainda mais instabilidade por vir. O comportamento de Bolsonaro em si � p�ssimo para atrair os investimentos. Essa instabilidade pol�tica poderia ser resolvida com um novo presidente, mas parte dos danos � imagem do Brasil no exterior, a rela��es com os EUA e a Europa, essas coisas demoram mais tempo a serem reparadas.
BBC News Brasil - Ainda em rela��o �s rela��es internacionais, como v� o fato de ex-assessores de Trump, como Jason Miller e Steve Bannon, mostrarem tanta proximidade e interesse com o governo - e a campanha - de Bolsonaro?
Smith - N�o s�o s� os assessores, mas tamb�m chama a aten��o a quantidade de placas em ingl�s carregadas por bolsonaristas. E isso acontece porque a direita, e especialmente a extrema-direita, da qual Bolsonaro faz parte, � um movimento de la�os internacionais muito fortes. Isso � muito emblem�tico de que o presidente se v� como parte de uma direita global e acredita que ela poder� ajud�-lo. Mas a verdade � que a direita global - e especialmente a americana - n�o � mais t�o poderosa quanto j� foi e n�o ser� capaz de ajud�-lo nessa crise institucional. Todo o apoio do mundo de Trump e seu grupo n�o salvar�o Bolsonaro. E isso seria verdade mesmo se Trump ainda fosse presidente, mas � ainda mais �bvio agora que Trump est� fora do poder.

BBC News Brasil - Vimos manifesta��es contra e a favor de Bolsonaro no sete de setembro. Ambas diziam defender a democracia. O que significa essa contradi��o?
Smith - Isso � algo muito perigoso para a democracia, porque a situa��o de polariza��o e partidariza��o atingiu tal n�vel que pessoas com ideias totalmente opostas do que democracia signifique estejam dispostas a lutar at� o fim umas com as outras enquanto supostamente defendem a mesma coisa. Isso � uma prova da tens�o do estado de coisas na democracia brasileira.
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