
"O soldado desconhecido que fica ali no monumento vai se revoltar, meu pai, um pracinha que est� no cemit�rio ali do lado, vai se revoltar muito, se revirar na tumba. Infelizmente, temos a ideologia contr�ria vindo homenagear quem combateu e derrotou o nazifascismo."
Para Pereira, funcion�rio da embaixada brasileira, o presidente do Brasil s� est� preocupado em fazer campanha pol�tica na It�lia e n�o parece natural que Bolsonaro e Salvini visitem o monumento "visto o perfil ideol�gico dos dois", "uma ideologia muito parecida com o nazifascismo".
Mario � filho de um "amor de guerra" entre Giuliana Menichini, italiana de Pistoia, e Miguel Pereira, soldado ga�cho natural de Passo Fundo. Eles se conheceram por acaso quando ela abriu a janela de seu quarto, se deparou um caminh�o e ouviu um "buongiorno, signorina". Acabaram se casando anos depois.
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Miguel se tornou �nico pracinha que decidiu permanecer na It�lia depois da guerra e acabou sendo respons�vel pelo Monumento Votivo Brasileiro de 1966 a 2003, ano de sua morte. Foi quando ent�o Mario, que ajudava o pai desde 1997, assumiu o posto de guardi�o do local, mantido com recursos do governo brasileiro e do pr�prio bolso dele (para custear palestras no Brasil sobre os pracinhas).

"Os brasileiros n�o davam... Eles dividiam. Se tinham caf�, levavam caf� em casa. Se tinham chocolate, levavam chocolate em casa, o mingau, o p�o branco. Era uma divis�o, o que era muito diferente (dos outros soldados). Era como confraternizar com os brasileiros; eles se integraram logo � fam�lia", relembrou Giuliana Menichini a uma publica��o do Ex�rcito brasileiro.
Para Mario Pereira, o Monumento Votivo marca esse lado humano das rela��es entre os soldados brasileiros e os cidad�os italianos, algo que ele diz comover at� hoje a popula��o local. "O lado humano do monumento � que, no meio drama da maior guerra do mundo, a postura e o car�ter dos soldados brasileiros se destacaram mais do que pr�pria for�a militar contra os alem�es. Eles conseguiram trazer esperan�a e ajuda para uma popula��o fragilizada por 20 anos de fascismo e cinco anos de guerra, e isso � reconhecido por mais de 50 monumentos espalhados pela It�lia."
O mais importante deles � o Monumento Votivo Brasileiro, constru�do em 1966 no mesmo lugar em que havia um cemit�rio para os soldados brasileiros mortos em combate at� 1960, ano em que eles foram levados para o Brasil. "Este cemit�rio t�o puro / � um dormit�rio de meninos: / e as m�es de muito longe chamam, / entre as mil cortinas do tempo, / cheias de l�grimas, seus filhos. / (...) E as m�es esperam que ainda acordem, / como foram, fortes e belos, / depois deste rude exerc�cio, / desta metralha e deste sangue", escreveu a poeta Cec�lia Meireles.

Em audi�ncia no Senado brasileiro em 2019, Vinicius Mariano de Carvalho, professor e pesquisador do Brazil Institute do King's College, citou a express�o "diplomacia de mem�ria" para ressaltar a import�ncia do monumento em Pistoia. Segundo ele, o local � capaz de fazer lembrar que "em momentos de dificuldade as na��es amigas podem contar umas com as outras".
Segundo dados oficiais, 20.573 pracinhas foram enviados para lutar na It�lia e 465 morreram em batalha. Do total, 16 nunca foram identificados, entre eles o Soldado Desconhecido, que continua enterrado em Pistoia e garante que ali continue sendo considerado um lugar sagrado. Ali h� tamb�m um fogo eterno, a lista dos brasileiros mortos e das batalhas na It�lia e um altar em formato de v�u (leia mais abaixo).

A cerim�nia em homenagem a esses soldados da For�a Expedicion�ria Brasileira (FEB) mortos em solo italiano marca o �ltimo dos cinco dias de visita presidencial ao pa�s. Bolsonaro esteve em reuni�es do G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo), cumprimentou apoiadores nas ruas, promoveu ato com apoiadores em que jornalistas acabaram agredidos por seus seguran�as, participou de homenagem feita pela cidade natal de seu bisav� paterno e agendou encontro com seu principal aliado na It�lia, Matteo Salvini, ex-vice-primeiro ministro que falhou em sua tentativa de comandar a It�lia, mas continua sendo o l�der de um partido com 113 deputados e 64 senadores e tamb�m l�der de uma coaliz�o de centro-direita que comanda 14 das 20 regi�es da It�lia.
Salvini e seus aliados fazem oposi��o ao atual governo do primeiro-ministro Mario Draghi, que n�o recebeu Bolsonaro durante sua visita � It�lia.
Para David Magalh�es, professor de rela��es internacionais da PUC-SP e da Faap e coordenador do Observat�rio da Extrema Direita, o encontro entre Bolsonaro e Salvini visa "refor�ar uma tend�ncia de fortalecimento internacional de uma rede ultradireitista, que inclui outras pe�as como Donald Trump, o Vox espanhol e o AfD alem�o".

Quem � Matteo Salvini e quais s�o seus elos com o fascismo?
Um dos principais expoentes da direita nacionalista e populista em expans�o na Europa, Salvini � l�der do partido Liga, identificado especialmente com o Norte da It�lia (da� o nome anterior da sigla, Liga do Norte). Parte do seu sucesso se deve � reconhecida habilidade de comunica��o.
Nascido em Mil�o em 1973 numa fam�lia de classe m�dia, filho de um diretor de uma empresa privada e de uma dona de casa, ele estudou hist�ria e ci�ncia pol�tica na sua cidade natal, mas n�o concluiu nenhum dos cursos. Na �poca, teve seu primeiro emprego, numa rede de fast food.
Ex-comunista, ele se filiou � ent�o Liga Norte no in�cio dos anos 1990. Aos 20 anos, em 93, foi eleito vereador em Mil�o e nunca mais deixou a pol�tica — apesar de assumir a imagem de algu�m antissistema.
Al�m de passar pela C�mara dos Deputados e pelo Parlamento Europeu, ele tamb�m j� atuou como jornalista e hoje � um cr�tico ferrenho do jornalismo, que considera um inimigo do governo, embora apare�a com frequ�ncia em debates na TV ou em programas de audit�rio.
Desde 2013, quando se tornou o principal nome do seu partido, ele cercou-se de uma equipe de dezenas de pessoas que o ajudou a se transformar em uma lideran�a nacional, sendo bem-avaliado inclusive no Sul, regi�o historicamente menos desenvolvida do pa�s. "Salvini criou um carisma muito particular e aprendeu a se vender de forma simp�tica, pr�ximo do povo e com uma comunica��o direta e envolvente. Sua popularidade vem da�", disse Gianpietro Mazzoleni, professor de comunica��o pol�tica da Universidade de Mil�o, em 2018, auge do poder pol�tico de Salvini.

Naquele ano, o l�der da Liga publicou no dia de anivers�rio do ditador fascista Benito Mussolini uma pequena varia��o ("Tantos inimigos, tanta honra.") do slogan usado pela propaganda pelo regime totalit�rio ("Muitos inimigos, muita honra."). Em 2019, Salvini citou outra famosa frase de Mussolini ao pedir � popula��o "plenos poderes".
Mas essas n�o s�o as �nicas associa��es apontadas entre regime fascista derrotado por tropas incluindo as brasileiras, e Salvini, que chegou perto de comandar a It�lia e hoje tem sua hegemonia na direita enfraquecida e amea�ada por Giorgia Meloni, deputada do partido Irm�os da It�lia que disse ter uma rela��o "serena" com o fascismo, ao ressaltar diversos avan�os, mas condenar erros profundos como as leis raciais e o autoritarismo. Vale lembrar que Rachele Mussolini, neta do ditador fascista, foi a vereadora mais votada de Roma pelo partido Irm�os da It�lia.
O cientista pol�tico italiano Fabio Gentile, professor da Universidade Federal do Cear� e especialista em fascismo, explica que classificar qualquer pessoa hoje como fascista � incorreto porque o fascismo cl�ssico acabou e nunca mais ser� reproduzido. Ent�o, desde o fim da Segunda Guerra, pessoas ou pr�ticas identificadas com parte dos valores fascistas s�o classificadas por pesquisadores como neofascistas ou p�s-fascistas, termos tamb�m de dif�cil defini��o.
Gentile afirma � BBC News Brasil ser bastante complexo enquadrar Salvini em uma dessas "caixinhas", porque pol�ticos como ele se aproveitam de ambiguidades "para conseguir ganhar consenso em setores mais radicais e setores mais moderados". O pesquisador descarta de in�cio o termo neofascista porque a Liga de Salvini n�o defende o resgate do regime totalit�rio nem se limita ao papel de apoiar governos conservadores sem integr�-los. Dessa forma, Gentile descreve Salvini como mescla de "p�s-fascista" com "neoliberal". Mas por qu�?
Para responder a essa pergunta, o cientista pol�tico italiano cita as principais semelhan�as de Salvini com a ideologia fascista, em sua avalia��o: uma ideia racista de uma ra�a superior, a manipula��o midi�tica usando a mentira como elemento fundamental do poder, a homofobia e o pragmatismo pol�tico de empunhar e abandonar bandeiras a depender as circunst�ncias. H� outros pontos em comum, segundo outros pesquisadores, como o anticomunismo, o nacionalismo, as paix�es mobilizadoras e a defesa de valores crist�os.
"Na crise atual da democracia, o fascismo voltou a ser um modelo de organiza��o das massas para l�deres como Salvini e Bolsonaro", resume Gentile.
Na quest�o racial, a Liga defendeu em 2001 a exist�ncia de uma ra�a da Pad�nia, regi�o do Norte da It�lia onde ficam os Estados mais ricos, em contraposi��o � "sociedade multicultural" e a imigrantes que n�o descendem de italianos. Salvini costuma protestar contra o que ele chama de "limpeza �tnica" na quest�o dos refugiados que chegam � Europa, considerada uma "tentativa de genoc�dio contra as popula��es que t�m vivido na It�lia h� s�culos, que algu�m queria substituir por dezenas de milhares de pessoas procedentes de outras partes do mundo".
Ao longo dos anos, Salvini criticou aqueles que o classificam como extremista, radical ou p�s-fascista. "Quero libertar a It�lia de todos os extremismos de direita, de esquerda, isl�micos, de todos. Os extremismos nunca est�o certos. Quero tranquilizar: comunismo, fascismo e nazismo n�o voltam", disse o ent�o vice-premier italiano. Curiosamente, essa frase foi proferida no mesmo dia em que ele foi o �nico membro do governo a faltar � tradicional celebra��o do Anivers�rio da Liberta��o da It�lia do regime nazifascista. "Cada um decide o que faz com seus dias", rebateu.
Especialista em radicalismo e populismo, o historiador argentino Federico Finchelstein, chefe do departamento de Hist�ria e do programa de Estudos Latinos Americanos da New School, inclui Salvini entre os l�deres populistas de direita do s�culo 21 com tra�os semelhantes ao fascismo hist�rico do in�cio do s�culo 20. Para ele, o principal � a mentira.
Em seu estudo mais recente, Uma Breve Hist�ria das Mentiras Fascistas, ele afirma que o poder pol�tico fascista derivou em grande parte da "coopta��o da verdade e da ampla propaga��o de mentiras" e que o populismo adota essas pr�ticas como uma esp�cie de p�s-fascismo. Para Finchelstein, o "populismo � o fascismo adaptado � democracia", usando a mentira como instrumento para perturbar a confian�a nas institui��es democr�ticas.
"Os l�deres fascistas proeminentes do s�culo 20 - de Mussolini a Hitler - consideravam as mentiras como sendo verdades encarnadas por eles. Esse era o ponto central das no��es que tinham do poder, da soberania popular e da hist�ria. Um universo alternativo, no qual a verdade e a falsidade n�o podem ser distinguidas, se baseia na l�gica do mito. No fascismo, a verdade m�tica substituiu a verdade factual."
Gentile, por outro lado, ressalta aquela que � a principal diferen�a entre a plataforma da Liga de Salvini e o regime fascista liderado por Mussolini: o papel do Estado. O pol�tico contempor�neo defende algo mais ligado ao neoconservadorismo, que incorporou a bandeira do neoliberalismo econ�mico ao conservadorismo. Ou seja, defende-se um "desmonte neoliberal do Estado", segundo as palavras de Gentile, algo bem diferente do fascismo cl�ssico, que tinha o Estado grande como pilar de um regime totalit�rio que controla diversos aspectos das rela��es pessoais e econ�micas.
Por fim, o pesquisador italiano ressalta que a luta entre fascismo e antifascismo se arrasta h� d�cadas na It�lia e que a disputa pol�tica tamb�m envolve o uso indiscriminado de termos como "fascista" e "neofascistas" sem uma preocupa��o rigorosa com o significado. "� claro que existe um uso bastante ideol�gico desses conceitos, porque nem tudo que a extrema-esquerda est� combatendo � fascismo".
Para a Liga Antidifama��o dos Estados Unidos, organiza��o que luta contra o antissemitismo e outras discrimina��es, a resposta � mais gen�rica: a compara��o com o fascismo cl�ssico � amplamente usada no debate pol�tico porque este foi "o evento hist�rico que mais facilmente ilustra o certo versus o errado".
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