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Estado de Minas POL�TICA

Marinha reage a fazer do 'Almirante Negro' um 'Her�i do Povo'


07/11/2021 11:25

Mais de cem anos depois da Revolta da Chibata, em 1910, a Marinha do Brasil ainda n�o reconhece como leg�timo o movimento liderado por Jo�o C�ndido Felisberto que aboliu os castigos f�sicos na Armada. Por meio de nota t�cnica divulgada na semana passada, a corpora��o tentou impedir a inscri��o do Almirante Negro na lista dos Her�is e Hero�nas do Povo Brasileiro. A despeito da resist�ncia, o Senado aprovou no �ltimo dia 28 a homenagem. O texto segue agora para aprecia��o na C�mara dos Deputados.

Em outubro, o Senado j� havia tentando aprovar a homenagem, mas o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) solicitou vista, a pedido da Marinha, para "melhor conhecimento da mat�ria". Na semana passada, a vota��o foi retomada. Lucas votou favoravelmente � homenagem, mas leu uma nota na qual a Marinha diz considerar que o movimento n�o pode ser avaliado como "um ato de bravura" nem de "car�ter humanit�rio".

"A revolta dos marinheiros de 1910 foi, de fato, um acontecimento triste na hist�ria do Pa�s. Todos os envolvidos, dentre eles a Marinha, setores do governo, os revoltosos e outras institui��es tiveram culpas e omiss�es. Mas reconhecer erros n�o justifica avalizar outros e, por conseguinte, exaltar as a��es dos revoltosos".

A Marinha n�o respondeu aos pedidos de entrevista. Em artigo publicado em 2008 no jornal Folha de S.Paulo, a institui��o j� tinha usado argumenta��o semelhante. "Esta For�a entende que outras formas de persuas�o e de convencimento n�o foram esgotadas pelos amotinados, motivo pelo qual considera a Revolta da Chibata uma rebeli�o ilegal, sem qualquer amparo moral ou leg�timo, n�o obstante a indesej�vel e inadmiss�vel quebra de hierarquia".

Coordenadora do grupo de trabalho de pol�ticas etnorraciais da Defensoria P�blica da Uni�o, Rita Cristina de Oliveira ressaltou que o posicionamento da Marinha n�o � novo. "Historicamente a Marinha tem esse posicionamento de n�o considerar Jo�o C�ndido um her�i", afirmou.

O historiador Marco Morel, da Universidade do Estado do Rio (UERJ), considera que o sil�ncio da Marinha sobre Jo�o C�ndido "� secular". "Vemos que ele segue sendo um personagem inc�modo, justamente porque essa rebeli�o toca em quest�es mal resolvidas em nossa sociedade at� hoje, como o racismo estrutural e a viol�ncia cotidiana do Estado sobre as camadas mais pobres da popula��o."

�ALMIRANTE NEGRO�

Jo�o C�ndido nasceu no Rio Grande do Sul, em 1880. Era filho de ex-escravizados e trabalhou por mais de 15 anos na Marinha. Principal lideran�a entre os marujos no in�cio do s�culo passado, C�ndido pedia o fim dos castigos cru�is e a melhoria da alimenta��o e das condi��es de vida dos marinheiros.

O castigo corporal de marujos tinha sido abolido pelo decreto n� 3 da Rep�blica, de 16 de novembro de 1889. Mas voltou em abril de 1890, por outro decreto. Reca�a sobre os pra�as (militares abaixo de oficial). Eram homens negros, mesti�os, nordestinos e pobres em sua maioria. Alguns eram "recrutados" � for�a.

Formado por representantes da elite branca, o oficialato da Marinha n�o cedeu aos apelos de C�ndido. Ele chegou a ser recebido pelo ent�o presidente Nilo Pe�anha para expor as reivindica��es, tamb�m sem sucesso. Antes, C�ndido esteve com a Marinha no exterior, conheceu colegas estrangeiros e, por eles, soube que a chibata n�o era mais usada em outros pa�ses. Mesmo no Ex�rcito brasileiro o castigo f�sico fora abolido antes do fim do Imp�rio. A revolta ent�o come�ou a ser tramada nas embarca��es.

O a�oitamento do marinheiro Marcelino Menezes, com 250 chibatadas como castigo por causa de uma briga a bordo, precipitou o levante, em 21 de novembro. Os marujos tomaram alguns navios, entre os mais modernos da �poca, e i�aram bandeiras vermelhas - s�mbolo de que n�o dariam nem aceitariam clem�ncia. Sob a lideran�a de Jo�o C�ndido, na Ba�a de Guanabara, mantiveram por quatro dias seus canh�es apontados para a ent�o capital federal, o Rio de Janeiro. Contra ela, dispararam alguns tiros. Em terra, baterias de canh�es miravam a Armada.

A revolta terminou com um acordo aprovado pelo Senado e assinado pelo rec�m-empossado presidente Hermes da Fonseca. Decretava o fim da chibata nos navios e anistia para os revoltosos - aprovada no Congresso e sancionada pelo presidente. Mas C�ndido e muitos de seus companheiros foram expulsos da Marinha, ap�s uma revolta do Batalh�o Naval, dias depois. O Almirante Negro, aparentemente, n�o tinha liga��o com esse segundo movimento, mas foi preso. Foi decretado estado de s�tio. Ao todo, cerca de 40 marinheiros foram encarcerados, e mais de mil desligados da For�a. Do lado governista, houve 12 mortes, entre oficiais e pra�as. As rebeli�es deixaram 200 marujos mortos. Ao menos dois civis - duas crian�as - tamb�m morreram.

S�MBOLO

Jo�o C�ndido ficou preso na Ilha das Cobras. Trancado em uma cela cavada na rocha, sobreviveu sob uma pilha de corpos de marinheiros, que morreram sufocados por cal jogado na pequena masmorra, e pela falta de ar. C�ndido foi um dos dois sobreviventes, entre os encarcerados por rebeli�o.

Ficou dois anos preso, chegou a ser declarado louco, foi expulso e, mesmo inocentado, n�o conseguia emprego. Nos anos 1930 foi integralista. Depois passou a viver como vendedor de peixe na Pra�a 15, no Rio. Morreu pobre em 1969. Foi reconhecido pelos movimentos negro e de direitos humanos como s�mbolo das duas lutas. Nos anos 2000, ganhou uma est�tua, na mesma Pra�a 15 onde trabalhara.

As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.


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